Foi aos 40 anos, com duas filhas pequenas, que Anabela começou a preocupar-se de forma obcecada com a magreza. Seguiram-se sete anos de pesadelo até enfrentar o problema. É esse testemunho que aceitou partilhar connosco.
"Nunca tive problemas de peso até aos quarenta anos, mas também nunca fui muito magra. É difícil explicar quando é que tudo começou e por que é que começou. Na altura, nem sequer pensava nisso como um problema! Mas coincidiu com a véspera dos quarenta. À medida que se aproximava o meu aniversário, fui-me abaixo. Senti que não iria ser nova a minha vida toda."
"Sempre fui uma mulher bonita, e isso dava-me confiança. Hoje sei que todos nós envelhecemos e que isso não é o fim do mundo, mas, na altura, quis controlar o processo. Acreditei mesmo que podia controlá-lo. E isso passava por emagrecer."
"Reconheço que sempre tive um problema de controlo, mas foram necessárias muitas sessões de terapia para compreender como quis controlar a minha vida, a das minhas filhas, mesmo a do meu marido. Já na escola tinha de ser a melhor aluna; quando comecei a trabalhar como relações-públicas, tinha de ser a melhor profissional, sem uma única falha. Mas foi só quando o medo de envelhecer me levou a ter medo de comer é que essa faceta da minha vida revelou o seu lado menos positivo."
"Foi um processo gradual, que é difícil explicar etapa a etapa, principalmente porque a minha tendência é para tentar bloquear as memórias dessa fase. Sei que me pesava todos os dias e que entrava em stresse, mas um stresse descontrolado, se a balança marcava cem gramas a mais."
"Inscrevi-me no ginásio e ia todos os dias, às vezes mais do que uma vez, e sempre com o objectivo de queimar calorias. Comia a medo, controlando mentalmente as calorias. Saltava o pequeno-almoço, dava umas garfadas numa salada à hora de almoço; a única refeição minimamente decente que fazia era o jantar, mas mesmo aí fazia batota de vez em quando."
"Era muito difícil fingir que comia ao jantar porque era a única refeição que tomávamos todos juntos, eu, o meu marido e as minhas filhas, na altura com nove e sete anos. O que muitas vezes fazia, e até tenho vergonha de dizer isto, era levar uma garfada à boca e, logo a seguir, o guardanapo; mas, em vez de limpar os lábios, cuspia o que tinha metido à boca…"
"Quando me descontrolava, vomitava. Isso acontecia geralmente em dias de festa. Perdia a cabeça com doces, chocolates e bolos de creme. Então, ia para a casa de banho e pronto… Se não o fizesse, sentia-me supermal."
"Toda a gente começou a reparar que algo se passava. Diziam que estava com um ar cansado, supermagra, que devia ir ao médico. Eu achava que estava fabulosa e não compreendia por que é que não me deixavam em paz. A verdade é que andava irritável e com péssimo aspecto. Hoje, sou capaz de olhar para as fotografias da época e ver isso. Mas na altura não. Até que as pessoas deixaram de dizer fosse o que fosse e começaram a fazê-lo nas minhas costas. Eu dizia que era inveja!"
"Quem sofreu mais foi o meu marido. Estamos casados há vinte anos. Foi ele quem começou a insistir para ir ao médico. Dizia que não era normal passar o dia no ginásio, pesar-me constantemente, queixar-me que estava gorda. Acusou-me de estar a prejudicar a minha filha mais velha, que, a certa altura, começou a perguntar ‘mãe, também estou gorda’? Era terrível, discutíamos todos os dias, mas não aceitava que precisava de ajuda."
"Mantive a situação até o meu marido me colocar entre a espada e a parede. Disse que eu estava a enlouquecer e, caso não me curasse, ele iria enlouquecer também, juntamente com as nossas duas filhas. Ia pedir o divórcio. Chorei, gritei, pedi, mas ele foi implacável (e ainda bem). Foi então que acedi ser vista por um médico."
"Após cinco minutos de conversa, o médico disse-me: ‘Você está com uma depressão profunda.’ Nunca falou em anorexia. Mas a verdade é que, ao ler artigos sobre anorexia na adolescência, que uma amiga me deu nessa altura, eu revi-me em praticamente tudo o que aquelas jovens diziam sobre a preocupação constante e doentia com a alimentação. O meu pensamento, 24 horas por dia, era: ‘Tenho de controlar o que meto no meu corpo.’"
"Hoje estou a tomar antidepressivos e a ser acompanhada por um psiquiatra e por um psicólogo. Sei que a minha obsessão ainda permanece, esta tendência para registar tudo aquilo que como e para correr para a balança. Mas tento seguir à risca a dieta que me foi passada por um nutricionista e vencer a ansiedade que me persegue. Para mim, engordar continua a ser a pior coisa que me pode acontecer. Não posso é deixar que esse medo tome conta de mim."