Abrimos a nossa casa aos poderes do feng shui, ficámos a conhecê-la melhor do que nunca. A consultora Paula Margarido foi a nossa guia no mundo desta arte milenar
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Para leigos, uma consulta de feng shui é uma aventura. Podemos começar como vulgares proprietárias de um T1 em Oeiras, mas acabamos sacerdotisas de um ‘ecossistema’ mágico que temos por missão manter em equilíbrio. Cada recanto da casa ganha significado: um corredor já não é só um corredor, agora é também uma área ‘metal’ com excesso de energia yin, e o quadro lá pendurado já não é apenas o quadro que o Alfredo nos ofereceu nos anos, mas um objeto capaz de neutralizar o yin graças à moldura em tons vermelhos. É impossível voltar a olhar para a nossa casa da mesma maneira. Será eficaz? Admito que a minha preocupação era outra. E se dizem que devo derrubar paredes? E se me mandam comprar budas dourados de três metros? E se me convencem a pintar cornucópias roxas no teto ou a erguer uma pirâmide de cristal na sala? Nada a fazer agora. Escolhi saber e a consultora está a tocar à porta.
Chama-se Paula Margarido e não vem de túnica laranja. Na verdade, tem um ar perfeitamente normal até tirar um enorme disco dourado com símbolos exóticos de uma pasta e começar a percorrer a casa com ele. Disse que era uma bússola, mas ocorreu-me que fosse um dispositivo procurar petróleo ou caçar fantasmas.
As divisões falam
Tinha recebido instruções expressas para não fazer modificações, arrumações ou limpezas. “A ideia é ver tudo como costuma estar habitualmente”, explicou-me Paula Margarido. Portanto, nada de ceder à síndrome de ‘arrumar a casa antes da vinda da mulher-a-dias’. Tudo bem, mas pelo menos lavo a loiça, faço a cama e atiro a roupa espalhada para dentro do roupeiro.
Aposto que me vai falar nos vidros. Há anos que ando para limpá-los e descobrir como ficou a pintura do prédio em frente. Só pode ser mau feng shui. Pelo menos, o resto da casa parece-me aceitável. Tento observar o seu semblante enquanto toma notas. Não parece chocada e o sorriso deve ser um bom indicador. Ganho confiança, mas só até ela abrir o roupeiro, altura em que decido que o melhor é usar a tática da distração e fazer perguntas. Fico a saber que o feng shui tem cerca de quatro mil anos e que há várias escolas ou correntes consoante o método utilizado. No meu caso, vai usar sobretudo o Método da Bússola, que tem por base a ideia de que cada direção reflete uma energia diferente. Através da planta da casa, e com a ajuda do lopan (a bússola chinesa), encontramos o meu norte. Até agora parece simples. Para complicar, também se entra em linha de conta com o padrão energético dos moradores. O Ki das 9 Estrelas calcula o elemento predominante na nossa personalidade, o que pode ser fulcral na escolha do melhor local para dormir ou trabalhar. O meu elemento é metal, o que me parece desagradável, mas fico calada.
“Para o feng shui, há uma correspondência entre configuração dos locais onde vivemos e a forma como nos sentimos. A nossa casa reflete-nos, não a escolhemos por acaso. Mas tal como uma mudança em nós se repercute nela, também modificações na casa podem provocar alterações no nosso estado de espírito. É com este pressuposto que o feng shui trabalha. Primeiro, fazendo um diagnóstico e, depois, propondo alterações que induzam melhorias nas áreas mais frágeis”, explica Paula Margarido.
Entretanto, já analisou todas as divisões, tomou notas e questiona-me sobre eventuais mudanças de vida desde que ali estou para detetar as tais influências do espaço. O que eu quero mesmo saber é qual é o problema de ter só uma mesa-de-cabeceira no quarto, mas parece que antes de ter respostas vou ter de perceber melhor o feng shui.
O misterioso ciclo do chi
É através do ciclo produtivo dos elementos que se pode começar a perceber a lógica deste sistema milenar. O ciclo mostra a movimentação natural da energia (o chi) ao longo das direções (norte, sul, este e oeste).
A cada direção está associado um elemento. Na tradição chinesa, são a água, o fogo, o solo, o metal e a árvore ou madeira. A correspondência é: água-norte; este e sudeste-árvore; sul-
-fogo; nordeste e sudoeste-solo; oeste e noroeste-metal.
O chi move-se no sentido dos ponteiros do relógio, num ciclo lógico em que a água ‘alimenta’ a árvore, a árvore ‘alimenta’ o fogo, o fogo ‘alimenta’ o solo, o solo ‘alimenta’ o metal e o metal ‘alimenta’ a água.
Numa casa, é preciso ter em conta que cada elemento tem características que o tornam mais adequado a umas divisões do que a outras. Descobri que as salas estão ‘confortáveis’ a sul – é o caso da minha, que sorte – porque este setor está associado ao reconhecimento e à fama e a sala é uma divisão de convívio. Ninguém quereria ter a fama na casa de banho. Parece-me lógico…
As divisões mais problemáticas são a casa de banho e a cozinha, porque tendem a meter água, literalmente. A água entra em conflito com o solo, com o metal e com o fogo ou, por outras palavras, dá-se mal a sudoeste, a noroeste e a sul. O ideal para casas de banho e cozinhas é estarem a este, no setor da iniciativa e da ambição, é o caso da minha, que sorte outra vez! Por esta altura sinto-me prestes a fazer bingo, mas como não há casas ideais, parece que a minha casa de banho a oeste não é uma boa notícia para as finanças. Começo a pensar se não preferia ficar com o proveito na casa de banho em vez da fama na sala, mas como não é viável trocar as divisões de lugar, resta-me efetuar correções que impeçam o meu dinheiro de ir por água abaixo. Oeste é um setor metal, pelo que terei de reforçar este elemento através da decoração, adicionando elementos em inox, de cor vermelha e com o padrão circular. Devo ter poderes, porque o vermelho e as bolas já lá estão. Só preciso de mais inox. Siga para bingo, que é como quem diz para o quarto.
O feng shui do amor
Passamos cerca de oito horas a dormir, o que faz do quarto uma divisão essencial para o feng shui. O posicionamento da cama é especialmente importante. Sendo metal, devo dormir voltada para oeste. Já tive a cabeceira a sul, mas agora está precisamente a oeste. Coincidência ou intuição? Seja como for, é menos uma preocupação. O quarto está a noroeste, um setor metal associado à organização e à liderança. Para fortalecer esta energia, posso usar as cores correspondentes a este elemento ou do elemento que ‘alimenta’ o metal, que é o solo. Cinza, prata, castanho e amarelo são as mais indicadas. Isto é canja.
Não tenho TV, nem espelhos, nem tralha debaixo da cama, o que é fantástico. O grande problema é mesmo a assimetria: só tenho uma mesa-de-cabeceira. Do outro lado está uma cadeira, contraponho. Não chega. Os elementos aos pares favorecem os relacionamentos, por isso são especialmente importantes no quarto. Além da mesa-de-cabeceira, convém ter dois candeeiros iguais. Também posso ter estatuetas aos pares, quadros aos pares, cadeiras aos pares. Nada de trios, por razões óbvias.
A quadratura do círculo
São poucas as casas perfeitamente retangulares. A maior parte tem extensões, que se traduzem no prolongamento de parte do edifício, ou reentrâncias, que o feng shui apelida de ‘falhas’. Geralmente uma extensão acentua o tipo de energia correspondente a essa direção, uma falha, por outro lado, diminui-a. A pior configuração de todas é a casa em L, a que faltam sempre várias áreas do ciclo produtivo.
A minha casa não é um L, mas tenho o quarto do vizinho e um elevador a entrar no meu ciclo produtivo. Não é bom. Deverei ir falar com o vizinho, exigir o chi que me pertence? O ladrar do Robi dissuade-me. Quem tem um cão tem mais chi, nada a fazer. Ou talvez haja. A consultora de feng shui Paula Margarido devolve-me uma réstia de esperança, parece que tenho um pedacinho de parede a noroeste. É minúsculo e fica atrás da porta de entrada, mas se lá puser um espelho, posso amplificar a energia da motivação e do conhecimento.
Para compensar a falha a noroeste, descubro que tenho uma extensão a sudeste, na área da comunicação e prosperidade. Prosperidade nunca é de mais, pelo que prescindo de corrigir o excesso. Agora também compreendo a antipatia do vizinho. Saber que tem uma falha no setor da comunicação só pode suscitar a minha compaixão. O mundo é perfeito.
DICAS DE FENG SHUI PARA A SUA CASA:
Hall de entrada: Convém que esteja bem iluminado. Afinal, esta é a sua porta de entrada e dos seus convidados. Entrar em grande é fintar a obscuridade da sua vida. Um espelho aqui é sempre favorável. Deve evitar: roupa pendurada, sapatos, correio por ler e publicidade da caixa do correio.
Sala de estar e jantar: É outra das divisões fulcrais onde passamos muito tempo. Deixe o chi circular retirando os móveis que estiverem em excesso. É bom ter aqui quadros coloridos, plantas e fotografias de amigos e familiares. O móvel da tv deve estar arrumado e não convém ter demasiados jornais e revistas porque absorvem o chi. Plantas doentes devem ser substituídas. Os livros devem estar limpos.
Cozinha: É outra divisão importante. Como há muita água a circular convém ter o cuidado de a manter sempre seca. Coloque plantas entre o fogão e o lava-loiça (no caso de estarem no mesmo balcão) para harmonizar o fogo e a água. Taças com fruta proporcionam um fluxo agradável de energia chi. As bancadas de trabalho deverão ter os cantos arredondados para evitar um chi cortantes. Por falar nisso, nada de ter facas à vista. Não tenha nada fora do prazo. O que não utiliza não deve estar presente.
Quarto:Ter cabeceira na cama e duas mesas-de-cabeceira induz estabilidade, no sono e na relação. Os elementos ímpares são mais instáveis. A tralha debaixo da cama estagna o chi, livre-se dela. Se pensa que ter um sommier a livra deste problema está enganada, isto só sucede se ele tiver espaço por baixo, de forma a passar o ar e o chi. Abdique de equipamentos elétricos nesta divisão.