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“Deixa lá essa cara. Estás triste porquê? Não tens motivos para isso…” Quantas vezes reagimos assim quando alguém está simplesmente triste, tentando erradicar rapidamente aquela sensação do interior da pessoa, como se não fosse natural? E nós próprios? Quantas vezes nos permitimos ter momentos de introspecção, melancolia tristeza? O normal é dizermos logo que não é normal e corrermos para o centro comercial mais próximo (ou para o médico!). Mas será a tristeza assim tão má para nós? E será esta alegria que todos parecemos sentir realmente verdadeira?

 

“Vivemos uma falsa felicidade”

“Actualmente, as pessoas experimentam uma felicidade que não é real: é distracção, é um gozo passageiro e um hedonismo de superfície. Quase diria que se consomem drogas de vários tipos: não só substâncias, como fármacos, álcool, mas espectáculos, concertos, discotecas, compras.” As palavras são do psicólogo Vítor Rodrigues e servem de alerta: “As emoções básicas do ser humano são a tristeza, alegria, aversão, medo, ira e espanto. Se sobreviveram desde a Pré-história até agora é porque têm as suas funções. A tristeza tem a sua função. E quando pensamos na tristeza, verifica-se que há quatro vezes mais depressões entre os escritores do que a população em geral e encontramos pessoas que são tristes e criativas e, curiosamente, por vezes o momento criativo alia sofrimento e alegria, um pouco como as dores de parto.”

“A tristeza é uma forma de introspecção”

Qual é então a função da tristeza? “A tristeza puxa-nos para dentro e interioriza-nos, enquanto a alegria nos leva para fora e conduz à acção. Os momentos de tristeza são muitas vezes momentos de paragem para deitarmos contas à vinda, para pararmos e nos aprofundarmos. Há uma função essencial associada à tristeza.” Sendo assim, a ânsia de felicidade pode ser encarada como uma fuga ao confronto interior : “ há muitas pessoas que fogem a esse confronto como o demónio da cruz, até porque ao fazê-lo encontram dores e problemas a resolver.”

“É uma fonte de criatividade e de mudança”

Mas vale a pena incorremos nesse confronto connosco próprios? Para o psicólogo, a resposta é clara: “muitas vezes a recompensa pode ser muito grande, pois a mudança está do lado dessa interiorização. Da mesma maneira como há emoções que parecem estar mais ligadas à resposta rápida ligada à sobrevivência, como a aversão, o medo e a ira, há emoções que parecem aglutinadas a uma certa paragem para aprender, como a tristeza, que se torna criativa e nos ajuda a crescer. Da mesma moda que a alegria nos acelera, a tristeza trava-nos e mergulham nos na direcção do interior. Por isso a tristeza não só não é negativa em si, como é extremamente necessária e produtiva. Não podemos prescindir de estar tristes. Em termos psicológicos, é uma fonte de mudança, de criatividade e de auto-consciência.”

 

Trate bem a tristeza

As pessoas devem mimar os estados de tristeza até certo ponto: “devem aceitá-los e considerá-los como uma emoção natural que lhes trás alguma coisa”, reforça o psicólogo. E quando nos sentimos tristes sem causa aparente, aproveitarmos para procurar exactamente essa causa que nos parece escapar: “Normalmente a tristeza produz introspecção porque sendo um desconforto nos leva a tentar percebê-lo. Por vezes, a tristeza serve de um aviso para a pessoa procurar o motivo porque alguma coisa está mal com ela. Assim como a tristeza está associada à perda, também está associada à perda de nós próprios.”

“Temos medo de ser contagiados pela tristeza dos outros”

Mas esse não é de forma alguma o discurso vigente, ou não acreditassem as pessoas que estar tristes não é normal. Nós vivemos numa sociedade consumista, orientada por imperativos económicos, de apelo ao consumo, e geralmente consome-se mais se as pessoas estiverem naquela alegria meio pateta. Interessa aos grandes meios manter a impulsividade, à qual a tristeza é contrária, do que promover um contacto com as suas verdadeiras necessidades.”

Por outro lado, também fugimos da tristeza dos outros , quase o receio do contágio. “É um pouco como se passava com os leprosos na Idade Média. Por um lado desconfia-se da tristeza, pensa-se que pode conduzir à perda do contacto com a realidade, mas por essa ordem de ideias podemos dizer o mesmo da alegria. Vamos para a discoteca, bebemos, drogamo-nos, no fundo são alegrias falsas, são agitações momentâneas, não são aquela alegria da alma, profunda, que têm a ver com a nossa harmonia interior.”

 

Uma emoção mais feminina?

As mulheres têm mais facilidade em lidar com a tristeza porque têm socialmente mais permissão para estarem tristes. “Os homens têm direito basicamente a estarem zangados, não tristes ou apaixonados. Por isso o sexo feminino tem mais inteligência emocional porque lhes é permitido viver as emoções. No caso dos homens temos ainda uma herança vetusta que remonta ao tempo das cavernas em que o homem perdia um filho e não podia ficar inactivo, porque dai resultava a sobrevivência da mulher e dos outros filhos.”, explica o psicólogo.

Vai um antidepressivo?

Em Portugal, o consumo de anti depressivos passou, em 2003, de 5 milhões de embalagens para perto dos 6 milhões, em 2006. Venderam-se 19,5 milhões de embalagens em 2003, 20,5 milhões em 2005 e 20,3 milhões em 2006. Nesse ano, a despesa com este tipo de medicamentos foi superior a 240 milhões de euros. Para Vítor Rodrigues, a facilidade com que se parecem tomar anti depressivos no nosso país tem uma justificação: “Há uma cultura pseudo científica que nos leva a pensar o ser humano como uma máquina biológica que precisa de reparações de vez em quando. Quando uma pessoa se afasta de certas normas, precisa de fármacos para se ‘corrigir’ o humor e ficarmos todos iguais uns aos outros. E então cai-se num certo facilitismo. Os próprios médicos acabam por se deixar guiar pelos imperativos comerciais de alguns interesses e pela ideia vigente de que, se um médico não receita nada é um mau médico, quando por vezes os melhores são mesmo aquele que evitam a medicamentação.”

Quando há motivos para preocupação?

Quanto a tristeza se torna depressão, aí é patológica e negativa. “Nesse caso a pessoa não consegue alternar a tristeza com estados de alegria, a tristeza é a emoção dominante na vida da pessoa, impedindo-a de viver e de estar com os outros. Quando isso acontece deve ser combatida porque se torna um bloqueio na vida, que rouba as reacções e conduz à apatia. Mas isso acontece com qualquer outra emoção que, ao ultrapassar doses equilibradas, nos começa a fazer mal.”

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