A psicóloga Clara Soares explica como evitar as «pedrinhas no sapato» e como facilitar a vida (a si e aos demais) durante os dias que, idealmente, deveriam ser de descanso.
ANTES
Há quem comece o ano a marcar férias, por imperativos profissionais ou porque planear em avanço está no código genético (ou da personalidade). Há quem não goste de sentir que as férias são mais uma tarefa de agenda e opte pelo estilo espontâneo, deixando ideias em aberto e depois logo se vê. Começa logo ai o stresse.
Se estas duas pessoas forem um casal com filhos, ou separados com a guarda dos mesmos, há condicionamentos e preferências a conciliar. Ou seja: gerir as férias escolares dos filhos com as férias laborais do pai e da mãe. E já agora, dos avós ou tios, assumindo que em alguma altura das férias escolares os pais estão a trabalhar e quando querem descanso, terão de contar com alguém para dar a comida ao cão (quando estiverem fora, de férias). Respirar fundo e ter um plano B é meio caminho para a tal conversa das férias, com quem estiver envolvido.
Os preparativos são outro desafio: se a(s) pessoa(s) com quem vai têm tempos diferentes para preparar a mala e escolher o que querem levar para os tempos livres, há que respeitar essas diferenças.
ATITUDE: Disponibilidade para ouvir. Negociar e ponderar alternativas. Ser consequente nas decisões (sem andar sempre a hesitar, voltar atrás, decidir sem contar com os outros)
DURANTE
A viagem em si, se for em 2 ou 4 rodas, é para ser agradável.
O prazer está no caminho. Quem conduz pode não gostar de ter gritos ou cantorias em fundo, quem vai no banco de trás pode ter dificuldade em suportar o tédio ou eventuais enjoos. Quem vai ao lado pode gostar de dormir e descansar dos preparativos. Também aqui, vestir por momentos a pele do outro, pode tornar mais fácil intuir o momento para fazer paragens, comer, alternar silêncio e conversa ou modular o volume do som (ou a estação de rádio vs playlists musicais).
Não havendo marcações ou reservas no plano da viagem, é fundamental atender ao orçamento (limites para gastar em alojamento, alimentação, diversão, etc) para não ter de lidar com imprevistos desagradáveis depois.
A divisão de tarefas, espontânea ou programada, é fundamental para manter a leveza de espírito, sem discussões, reclamações ou cobranças, além de todos ganharem com uma colaboração minimamente organizada. Afinal, a ideia é que descansem todos, cada um a seu modo.
Num grupo, o terceiro dia é, regra geral, o mais crítico. Eventuais birras e desentendimentos são esperados, pela mudança de rotina, que se traduz nas convivência com os que estão próximos. Mas também por haver mais tempo (e assuntos para os quais nunca há tempo ou vontade de tocar, têm nas férias uma oportunidade e probabilidade forte de vir à tona).
Para que não se convertam alguns dias numa maratona «big brother», é importante estabelecer regras mínimas (se cada um vai dar uma volta à hora que acorda ou se ficam todos para o pequeno almoço ou jantar, quem trata do farnel, confirmar horas e pontos de encontro, se necessário). É logística, sim, mas permite uma margem de liberdade, sem prejuízo para uns e vantagem para outros; menos stresse, portanto).
A liderança é um ponto sensível (até os anarquistas sabem que, na ausência de regras, cada um é responsável por si): quando todos têm sentenças mas se arrastam na decisão a tomar, a ansiedade aumenta. Importa perceber o clima do grupo (casal) e ter bom senso na hora de divergências ou quando se começa a cair no impasse. E os gadgets, atenção a eles: se tomam mais tempo do que aquele que se consome com a presença física (estar à mesa, a namorar, a fazer coisas em comum), a satisfação não é garantida.
ATITUDE: Saber estar (com os outros, por mais que algumas horas). Respeitar diferenças e limites (nas regras familiares e pessoais). Avaliar quando se deve falar ou ficar calado. Quando se deve «deixar ir» na onda e quando «parar».
DEPOIS
Se as férias deram para saborear momentos em paz, em festa, em grupo ou a dois… a viagem de regresso não custa tanto como no caso em que fica a sensação de não se ter tirado partido desse tempo livre (ou menos bem ocupado).
A quilometragem de regresso serve para muitas coisas. No aviao, no barco, no carro, de bicicleta, caravana ou à boleia, a cabeça não pára. Uns querem chegar logo, outros nem querem ouvir falar disso.
Cada um digere à sua maneira a jornada. O «holiday blues», importado da cultura americana, é comum em algumas pessoas. Se as férias foram boas, é porque foram curtas; se foram más (ou frustrantes), vem a impressão de se ter ido ao engano, de ter escolhido mal o lugar, a companhia, o desejo de chegar a casa o quanto antes.
A boa notícia: Faz parte. Toda a experiência é válida. O aviso: depositar muitas expectativas no período de férias (como se a atitude descontraída e motivada não tivessem oportunidade ou lugar no resto do ano) é algo a evitar. O momento das despedidas tende a gerar alguma agitação interna: a nostalgia da separação (dos amigos, do namorado, do pai ou mãe), o pensamento do dever e o retorno à «vidinha».
Se o saldo foi positivo, este não passa de um «bom stresse», que prepara para o regresso à rotina e antecipa a continuidade da qual se saiu. O «mau stresse» ocorre se se deixar que a cabeça fique inundada de checklists – como no inicio da viagem e, porventura, no tempo de ferias – ou entregue a ruminações estéreis acerca do que podia ou devia ter sido diferente. Solução: manter-se no momento presente e continuar a respirar. Tudo passa, bom ou menos bom.
Ter-se permitido embarcar na aventura de férias – e seus imprevistos – é algo por que deve estar grato. Permitir-se arriscar sair da sua zona de conforto (ou desconforto, mas conhecido) e aberto ao que pode acontecer (dentro e fora da cabeça) é um exercício que expande horizontes.
Entre o desfazer das malas e e a volta à rotina domestica e laboral (ou escolar) reserve um dia, pelo menos, de intervalo. O «choque» de ritmos é evitável se todos tiverem direito ao seu: acertar o passo sem perder por completo o comprimento de onda em que se estava (ou esteve) é, sobretudo uma tarefa individual.
ATITUDE: Aceitar o que foi (e como foi). Reconhecer o valor da experiência (nem sempre é como se pensou, mas para alguma coisa valeu). Abrandar (na transição de ritmos).
Clara Soares – Psicóloga clínica