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Em 2009, os tribunais italianos autorizaram que fossem desligadas as máquinas que mantinham viva Eluana Englaro, uma mulher de 37 anos que estava em coma vegetativo persistente há 17, na sequência de um acidente de automóvel. Durante esse tempo, o seu pai recorreu aos tribunais duas vezes pedindo autorização para os médicos retirarem o tubo de alimentação à filha, o que permitiria que esta morresse naturalmente. O pedido foi sempre recusado e gerou polémica na opinião pública italiana até ser aceite por um tribunal de recurso em 2009. Seria diferente se Eluana tivesse dito expressamente que não queria ser mantida viva naquelas circunstâncias não havendo possibilidade de recuperação? Provavelmente sim. De resto, ainda nesse ano a Itália aprovou a Lei do Testamento Vital, um documento que permite que qualquer pessoa deixe escrito que tratamentos quer ou não receber caso não seja capaz de manifestar a sua vontade. 
Portugal aprovou em 2012 a Lei das Diretivas Antecipadas de Vontade que dá suporte legal à possibilidade de fazer um testamento vital. Desde essa altura que é possível fazê-lo com a ajuda de um notário, mas a partir deste mês passa a ser mais fácil – e grátis. Tudo porque entra em funcionamento o Registo Nacional do Testamento Vital (Rentev), um sistema informático que torna a elaboração e o registo mais simples e permite aos médicos a consulta em todo o país.

O QUE É?
Um documento que permite, a quem quiser, deixar escrito que tratamentos médicos quer ou não receber se, por qualquer razão, estiver incapaz de manifestar a sua vontade. Existe um modelo sugerido, de uso facultativo, disponível no site do Portal do Utente e no Portal da Saúde. O testamento vital também permite nomear um Procurador de Cuidados de Saúde, isto é, alguém da sua confiança, seja familiar ou não, que em caso de necessidade pode representá-lo e ajudar a esclarecer a sua vontade. 

COMO SE FAZ?
Basta imprimir e preencher o formulário, disponível no site do Portal do Utente ou no Portal da Saúde, e entregá-lo nos Serviços de Cuidados de Saúde Primários da sua área de residência, assinando presencialmente. Se preferir enviar por correio registado terá de ter a assinatura reconhecida por notário. Os serviços fazem o registo do seu testamento vital no sistema informático Rentev e este fica disponível para os médicos e para si. Sempre que um médico o consultar será notificado por e-mail. 

E SE MUDAR DE IDEIAS?
Se puder manifestar a sua vontade, a palavra sobrepõe-se sempre ao documento escrito. Pode cancelá-lo a qualquer altura e tem de o renovar de cinco em cinco anos. 

O MÉDICO PODE NÃO RESPEITAR O TESTAMENTO VITAL?
Há algumas situações de exceção previstas, nomeadamente em caso de urgência ou perigo imediato para a vida do doente em que não haja tempo para consultar o testamento vital ou que não tenham relação com as situações descritas no testamento vital, e ainda em caso de desfasamento entre a vontade expressa no testamento e o progresso nos meios terapêuticos verificados entretanto. Também se prevê a objeção de consciência do médico, apesar do testamento vital não poder violar, nunca, as boas práticas médicas.

QUAL É A DIFERENÇA DA EUTANÁSIA?
Na eutanásia considera-se que se provoca deliberadamente a morte não natural e evitável de uma pessoa. O testamento vital permite exercer o direito – que todos têm – de participar nas decisões relativas ao seu tratamento, inclusive a de recusá-lo. Também vai ao encontro da regra das boas práticas médicas de evitar tratamentos fúteis que impeçam a morte natural, mantendo uma pessoa viva de forma artificial quando não há possibilidade de recuperação. 

PORQUE É POLÉMICO?
O testamento vital obriga-nos a pensar sobre os limites da autonomia da nossa vontade sobre a nossa vida. A eutanásia (morte assistida por médicos) é proibida por lei e pelo código deontológico dos médicos, mas no campo da bioética tem-se vindo a considerar que manter um paciente vivo por meios artificiais quando este já não tem possibilidade de cura viola o direito a viver e morrer com dignidade. Também há tratamentos médicos que são classificados como ‘fúteis’ ou ‘desproporcionados’ quando impedem o processo natural de morte que já se iniciou. É para estes casos que o testamento vital pode ser útil, estendendo a quem já não pode manifestar a sua vontade o direito de escolher e recusar tratamentos. Claro que determinar na prática quando é que os meios são fúteis ou desproporcionados nem sempre é fácil. “Há regras técnicas que os médicos seguem para determinar quando é ético ou não desligar suportes de artificiais de vida, mas em última análise só no caso concreto e recorrendo ao bom senso será possível saber”, lembra a médica e coautora da Lei do Testamento Vital, Isabel Neto.

QUE CASOS NÃO SUSCITAM DÚVIDAS?
“Aqueles em que a pessoa já está doente, porque como está perante a situação é mais fácil dizer o que quer e o que não quer. Por exemplo, casos de neoplasias ou outras doenças degenerativas em que a pessoa sabe de que forma vai evoluir a sua doença, ou alguém com uma esclerose lateral amiotrófica que sabe que a partir de certa altura não vai conseguir alimentar-se e pode deixar escrito ou dizer que não quer que lhe coloquem uma sonda na barriga, são decisões precisas que pode tomar atempadamente, sabendo que lhe iriam prolongar a vida mas de uma forma que ela não deseja”, explica a médica especialista em cuidados paliativos Elsa Mourão. “Mas mesmo sem haver doença o testamento vital pode ser útil. O meu pai tinha uma doença neoplásica controlada e estava bem, não era esperada a sua morte, mas um dia teve um AVC hemorrágico, acordou e entrou em coma numa situação incompatível com a vida. Poderia ser ligado a um ventilador, apesar de o cérebro como estava não ir recuperar, nunca. Tomei a decisão de não ser ligado a um ventilador e de ficar com ele até ao fim. O que aconteceu ao meu pai pode acontecer a qualquer pessoa e nesse sentido considero útil fazer um testamento vital, mesmo que não se tenha uma doença terminal.”

QUAIS SÃO AS ZONAS CINZENTAS? 
“Acontece as pessoas dizerem que não querem ser ligadas a ventiladores e depois, quando surge a situação, mudarem de ideias, seja porque têm um filho ou porque desenvolvem outra noção da vida”, conta Elsa Mourão.  “Felizmente, na maioria dos casos, a pessoa não perde logo a capacidade de comunicar, mas a figura do procurador pode ser muito útil para esclarecer o que a pessoa queria.” 
“A partir do momento em que se liga alguém a um ventilador é muito complicado suspender os procedimentos de manutenção de vida, porque podem ser considerados eutanásia. E muitas vezes é mesmo preciso ligá-los para fazer exames, como TACs, que permitem saber o estado real da pessoa e decidir se se faz uma reanimação. Depois, para poder desligar será preciso passar por vários procedimentos de prova de morte cerebral, por exemplo. Se há morte cerebral é mais fácil, mas há situações em que o cérebro pode estar a dar alguns sinais, micromovimentos oculares por exemplo, que dificultam a decisão.”

PORQUE É IMPORTANTE?
A evolução da Medicina, com o desenvolvimento de técnicas de ventilação, transplante de órgãos ou reanimação, permite hoje em dia a sobrevivência de doentes terminais que antigamente não vingavam. Saber quando é legítimo usar estes meios para reanimar um doente terminal ou quando se devem considerar desproporcionados passou a ser uma questão premente, pode ler-se no parecer da Associação Portuguesa de Bioética. Questões como a qualidade de vida do paciente e a sua capacidade de decisão acerca da forma como quer ou não viver também ganham relevância neste contexto.  
“Ainda há muita obstinação terapêutica por parte dos médicos e pouco acesso a cuidados paliativos em Portugal, por isso é importante falar sobre o direito a morrer sem dor e com dignidade”, lembra Isabel Neto. “A Medicina está tão avançada que morrer parece um falhanço clínico, mas é uma coisa natural e o testamento vital permite falar sobre isto. Mesmo sem recorrer a este documento, toda a gente devia falar abertamente com o médico e familiares sobre o que deseja para o seu fim. Fazer isto não é mórbido, até é uma forma de aproximar as famílias. Só quem se apercebe das coisas difíceis é que consegue apreciar os bons momentos e pôr a cabeça na areia não evita que as coisas aconteçam.”

A FAMÍLIA PODE CONTRARIAR AS VONTADES EXPRESSAS NO TESTAMENTO VITAL?
Não, exceto se o documento tiver caducado. Quando o doente não pode comunicar e não deixou nada escrito, é a família que decide, embora caiba aos médicos proteger o doente. “Em famílias grandes pode acontecer a mulher querer uma coisa e os filhos não estarem de acordo. E isto acontece muito. Nestes casos, haver um testamento vital dá tranquilidade ao doente, às equipas médicas e até à família”, diz Elsa Mourão.

FAZ SENTIDO DIZER QUE QUEREMOS CUIDADOS PALIATIVOS? 
“À partida não faria porque todos têm direito a cuidados paliativos, mas infelizmente não é o que acontece. Mencionar isso faz sentido para contrariar a obstinação terapêutica por parte dos médicos e mostrar que não queremos ser mantidos vivos a todo o custo”, lembra Isabel Neto. “Também poderá proteger as equipas médicas e o doente nos casos em que é óbvio que este não vai recuperar e precisa apenas de ver regulada a dor mas a família insiste em processos curativos”, sublinha Elsa Mourão.

EXEMPLOS DO QUE PODE CONSTAR NUM TESTAMENTO VITAL
– Desejo de não ser submetido a suporte artificial das funções vitais.
– Não ser submetido a medidas de suporte básico de vida, como alimentação e hidratação, caso se destinem apenas a retardar o processo natural de morte.
– Recusar reanimação ou transfusões de sangue quando se destinem apenas a adiar o processo natural de morte. 
– Recusar receber tratamentos experimentais.
– Desejar receber cuidados paliativos que lhe permitam atenuar a dor e morrer sem sofrimento.

 

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