Em 2013, um estudo da Aliança Europeia Contra a Depressão (EAAD) calculava que 7,9% dos portugueses (400 mil pessoas) sofriam de depressão. A doença é uma pandemia: a Organização Mundial de Saúde estima que mais de 350 milhões de pessoas sofram dela. As mulheres têm duas a três vezes mais possibilidade de vir a sofrer deste problema. Se ainda não passou por um episódio, provavelmente já sucedeu a um familiar ou amigo seu.
Mas, apesar da incidência, esta doença ainda é mal compreendida. “As pessoas confundem depressão com fragilidade. Assumem que é qualquer coisa evitável e que, se fosse consigo, seriam fortes”, observa a psicóloga clínica Margarida Casimiro. “Além disso, a perturbação ou a doença psicológica não é imediatamente reconhecida, como um braço ou perna partidos. Quando os fatores são externos – a morte de um familiar próximo, um divórcio, uma situação de desemprego, a chamada depressão exógena – é mais facilmente aceite, mas quando é motivada por algo que não se vê – pelo menos, o outro não tem a intimidade para perceber que a pessoa está a deprimir – até fazem comentários cruéis, como ‘está deprimida porque não lhe falta nada…’ É muito importante que as pessoas consigam vê-
-la como uma doença real e perceberem o quão incapacitante é.” Enquanto isso não acontece, e às vezes até com a melhor das intenções, vão-se dizendo coisas que magoam quem passa por ela.
“Tens que fazer um esforço para melhorar”
A perda de interesse por atividades que antes nos davam prazer é um dos principais sintomas da doença. “Usar a expressão ‘tens que…’ é a pior coisa que se pode dizer a uma pessoa com depressão. Como se a pessoa não fizesse as coisas porque é preguiçosa!… Não faz porque não é capaz, porque está doente. Quanto estão deprimidas, as pessoas já esgotaram o seu portfolio de comportamentos positivos e veem tudo muito escuro – e têm que ver, necessariamente, ou não estariam deprimidas. O importante é mostrar-
-lhes que há como fazê-las sentir-se melhor. É mais importante dizer: ‘Tenta, eu ajudo’, ‘Hoje estás com melhor cara. E se fôssemos dar uma volta?’. É importante reforçar positivamente todos os esforços, por mínimos que sejam, que a pessoa faça para sair desse sufoco que é a depressão. As primeiras vezes que tentar fazer qualquer coisa não vai ter prazer, vai ser com sacrifício. Só vai voltar a tê-lo quando decidir que a depressão não se trata sozinha e escolher uma abordagem de tratamento, normalmente psicofarmacológica.”
“Tens que pensar que há pessoas que estão muito pior do que tu”
Pode até achar que é uma boa tentativa de fazer o outro ver o copo meio cheio, mas na verdade é uma forma de desvalorizar o sofrimento que ele sente. “A pessoa já se sente miserável. Estarem a dizer-lhe que há quem esteja muito pior é a mesma coisa que lhe passarem um atestado de incompetência para gerir a sua própria via”, observa a psicóloga. “Faz mais sentido ajudar as pessoas dando-lhe desafios e incentivando positivamente do que reforçando o sentimento e impressão negativos. A linguagem tem um poder imenso nisso: as pessoas registam mais facilmente o negativo que o positivo. Quando dizemos ‘não estejas triste’, o que o nosso cérebro regista é ‘estás triste’. Em vez disso, diga: ‘O que te dava prazer fazer antes? Experimenta fazê-lo para ver como te sentes.’”
“Também estive deprimida, mas curei-me”
“O sofrimento, tal como a dor física, não é comparável”, lembra Margarida Casimiro. “As depressões são pessoais e intransmissíveis e, ao longo da vida, podemos experimentar formas diferentes. Uma depressão pós-parto não tem nada a ver com uma que tenha resultado de um luto ou divórcio. Além disso, quem diz que curou uma depressão sozinha, ou não estava verdadeiramente sozinha e teve alguém que não sendo psicoterapeuta funcionou como tal (um amigo, um padre, um guru) ou então não era mesmo depressão.”
“Não vês como estás a preocupar-me?”
É uma frase que muitos jovens com depressão ouviram dos pais, como uma tentativa de o fazerem sentir responsável, não só pela sua tristeza, mas também pela dos familiares que se sentem impotentes para ajudar. Mas esta chantagem emocional não resolve nada. “Este tipo de frase traduz uma certa desresponsabilização da situação”, aponta Margarida Casimiro. “Quando um adolescente está deprimido, a família também não está bem. De alguma forma, o comportamento daquela família está afetado e todos têm um papel nisso. As pessoas põem-se de fora imediatamente, nestas situações, porque não querem ser parte do problema. Mas só conseguirão ser parte da solução quando assumirem que são parte do problema.” É mais importante perguntar ‘Como te sentes?’ ou ‘Não estás sozinho; vamos lidar com isto juntos’.”
“Ó mãe, saia de casa, entretenha-se com qualquer coisa!”
Outra faixa etária muito atingida pela depressão é a terceira idade. “A depressão no idoso é frequentíssima. Começa a sentir que já não é útil, que é um peso para a família e, muitas vezes, é tratado como tal. É o princípio da desistência da vida, mas sem coragem para a formalizar.” O centro de dia ou o lar são muitas vezes apontados pelos filhos e netos como uma solução para manter alguma atividade e sociabilização. “Sentirem-se empurrados para um estilo de vida que não é o deles, e nunca foi, é ainda mais angustiante. As pessoas sentem que perderam um papel ativo na sociedade e na família; e capacidade de deliberação porque há alguém que já escolhe por si. É um tipo de depressão com características diferentes de outras faixas etárias. O idoso normalmente aceita mais facilmente ajuda, porque fazê-lo é ter a perspetiva de que alguém se interessa por si.
“Para de te fazeres de vítima! Estás a ser egocêntrica…”
Pode ser uma das coisas mais cruéis que se dizem a uma pessoa com depressão, mais uma vez não reconhecendo o seu sofrimento. Além disso, está a responsabilizá-la por aquilo que está a sentir – uma variante mais mansa desta frase é o lugar-comum ‘só tu és responsável pela tua felicidade’. “Não podemos excluir a probabilidade das pessoas usarem a doença de modo a obterem um ganho secundário, que pode ser mais atenção e carinho, um telefonema ou uma visita. Mas é uma minoria e não é exclusivo da doença mental; também acontece com as outras. Por outro lado, quando alguém acusa a pessoa deprimida de se estar a vitimizar, o que está a dizer, subliminarmente, é que não sabe o que tem que fazer nem o que se está a passar. Poderá sentir que num momento ou outro teve um comportamento menos correto para com essa pessoa e, na tentativa de se desculpabilizar, acusa para se defender.” Quando se passa uma vida inteira a ouvir isto do marido, dos pais, a pessoa deprimida começa a duvidar se o outro não terá razão. “Começa a pôr-se em causa, à sua capacidade de recuperar e voltar a ser o que era e a sua utilidade enquanto elemento naquela família.”
“Não podes comer tanto…”
“O comportamento alimentar é outra das coisas que é muito criticada nas pessoas com depressão”, lembra Margarida Casimiro. Mas as perturbações do apetite são um dos sintomas clássicos da doença, explica. São frases especialmente cruéis. “Ouvem-se coisas como ‘estás deprimida e comes tanto que daqui a pouco ainda ficas mais’.” Zelar pela boa nutrição, abstendo-se de juízos de valor, é sempre o mais aconselhável.