O creme que nos tira as rugas em 10 minutos, o champô que não deixa que o cabelo se torne branco ou a máquina que nos maquilha automaticamente ainda não estão no horizonte. Mas a cosmética está a evoluir muito: não só com base nos desenvolvimentos científicos, mas também para responder a consumidores que são cada vez mais exigentes… e informados. O que podemos então esperar nesta área até 2030? Joana Nobre, farmacêutica, especialista em dermocosmética e fundadora da primeira empresa de curadoria cosmética em Portugal, contou-nos tudo. Algumas destas tendências já estão em marcha há algum tempo, muitas vezes lideradas por marcas de nicho, mas tudo se vai acelerar ainda mais na próxima década.
Mais sustentabilidade
Em Portugal, cada pessoa usa em média 10 cosméticos por dia (não esqueçamos que nesta categoria estão não só cremes e maquilhagem, mas também sabonete, dentífrico, champô, gel de banho e afins). É muito produto, muita embalagem, muito ingrediente, muito transporte… uma grande carga para o planeta em termos de consumo de água, poluição, utilização de recursos naturais e impacto na biodiversidade. Então deixamos de usar cosméticos? Claro que não, mas eles terão de ser cada vez mais sustentáveis: as pessoas assim o exigem e as marcas já estão a responder.
“As marcas têm de facilitar a vida aos seus consumidores: ensinar a reciclar, fazer produtos com ingredientes e embalagens sustentáveis, apoiar projetos sociais. A sustentabilidade tem uma dimensão ambiental, económica e social. E destas três, a parte social, da inclusão, do comércio equitativo, vai ser extremamente valorizada. As pessoas vão querer saber se estão a ajudar algumas comunidades ao comprar um determinado produto cosmético”, diz Joana Nobre. Em breve as marcas começarão a indicar nas embalagens ou nas suas plataformas o grau de impacto ambiental dos produtos.
Também dentro desta tendência ecológica haverá upcycling de ingredientes, com a utilização na cosmética de ingredientes descartados de outras indústrias, nomeadamente óleos da indústria alimentar, trabalhados e purificados.
A nível das embalagens também se notará cada vez mais este caminho para a sustentabilidade, com frascos e potes em materiais reciclados e recicláveis, e sistemas de recarga nos cremes, perfumes, produtos para o cabelo e duche.
Cosmética sólida e waterless
“Em 2025, dois terços da população mundial podem estar em risco de sofrer racionamento de água. Isto muda imensos conceitos que temos como assegurados hoje em dia, por exemplo, os banhos de imersão… A água é o nosso bem mais precioso e é o componente principal da grande maioria dos produtos cosméticos”, explica Joana. A esta penúria de água, a indústria cosmética vai responder com fórmulas waterless, com pouca ou nenhuma água, produtos que se enxaguam mais rapidamente e cosméticos sólidos. “As barras, os pós, são uma grande tendência: consomem menos água e têm menor gasto energético na produção e no transporte. E não são só os champôs e condicionadores, mas também a maquilhagem, as bases.”
Respeito pelo microbioma da pele
Já ouvimos falar dele há quase uma década, mas continua a ser uma tendência. Este ecossistema natural da nossa pele desempenha um papel fundamental para a manter saudável e resistente, portanto temos de preservar a sua integridade e equilíbrio, protegê-lo e evitar perturbá-lo com rotinas excessivas ou ingredientes agressivos. “Uma coisa que a covid também nos mostrou é que se alteramos a nossa barreira cutânea e a nossa flora, ficamos com problemas de pele, como é caso da mascne. Vamos ver cada vez mais cosméticos com pré e probióticos, que agem no suporte e produção do microbioma, e posbióticos, que atuam no sentido de lutar contra os agentes patogénicos à superfície da pele e são benéficos para a imunidade e defesa contra os danos externos”, explica Joana. “Há muitos ingredientes que estão a ser utilizados para este efeito, alguns açúcares, péptidos, ácido hialurónico, que encaixam nesta tendência da manutenção da nossa flora benéfica.”
Naturalidade… e ciência
As pessoas querem, cada vez mais, cosméticos naturais, mas isso não significa que os produtos feitos com ingredientes sintéticos sejam maus – nem mesmo para o ambiente. “Não é por ser natural que é mais sustentável, não tem nada a ver, mas claro que as marcas tentam fazer um bocadinho de ‘green washing’ com estes conceitos, para tentar confundir o consumidor”, explica Joana Nobre “Há muitas coisas que são feitas em laboratório que têm muito menos impacto ambiental e até do ponto de vista da segurança de utilização acabam por ser mais seguros. As pessoas têm a ideia de que se é natural não faz mal, e isso não é verdade. Os óleos essenciais são um bom exemplo, porque são altamente alergizantes.” A pandemia ensinou-nos o valor da ciência e, a par da cosmética natural, as marcas que não têm esse foco assumirão o seu posicionamento. “Há uma grande parte da população que procura eficácia e não está preocupada se é de origem natural ou não, valoriza mais a eficácia e a performance do produto. E por isso acho que vão coexistir as duas coisas: as marcas que apostam na naturalidade e as que valorizam a parte mais científica. E como acredito que num futuro próximo o nosso planeta não nos vai permitir tanta naturalidade nas fórmulas, temos obrigatoriamente de nos virar para a ciência.”
Proteção contra a luz azul
A luz azul dos ecrãs, a que estamos expostas durante horas diariamente, e que também faz parte da radiação solar, contribui para os sinais de envelhecimento, tais como hiperpigmentação e rugas, por isso haverá muitos protetores solares e cremes de dia com proteção contra estas radiações. “Para esta ação usam-se ingredientes antioxidantes”, explica Joana Nobre.
Fontes de energia
“As pessoas vivem uma ‘crise de energia’ e por isso há uma tendência para cosméticos com ação anti fadiga, que proporcionam a reposição energética da pele”, diz Joana Nobre. “Além da cosmética, esta tendência engloba uma abordagem mais holística do cuidado da pele, com interligação ao estilo de vida, ao exercício e à alimentação.”
Skinimalism
Que é como quem diz, minimalismo cosmético: a reação à tendência de inspiração coreana dos últimos anos que propunha rotinas de cuidado da pele que incluíam quase uma dezena de produtos seguidos. “O conceito ‘menos é mais’ é uma grande tendência. Ativos mais suaves, fórmulas sem ingredientes supérfluos, rotinas com menos produtos e com o foco de recuperar ou manter a barreira cutânea”, diz Joana. Esta tendência também engloba a maquilhagem. Porque chegámos ao fim do ciclo da maquilhagem exagerada que se via nas redes sociais nos últimos anos, mas também porque os cuidados que tivemos com a pele durante o confinamento mudaram o foco: a maquilhagem deixa de ser para esconder ou mascarar e passa a ser para realçar uma pele bem tratada. Haverá cada vez mais texturas ‘skinlike’, que mimetizam a textura natural da pele.
Os gestuais de aplicação dos produtos, com rollers e gua shas, e técnicas não invasivas como a acupuntura, as massagens e o yoga facial, ganharão cada vez mais importância.
Novos ingredientes
“Um dos grandes avanços que está a ser feito tem a ver com alternativas mais suaves a ingredientes de referência. Há uma empresa produtora de ativos cosméticos que está a desenvolver uma alternativa botânica à toxina botulínica, por exemplo, e já há à venda cosméticos com alternativas ao retinol, como o bakuchiol, mais suaves e sem reações adversas.” Outro ingrediente que podemos esperar ver em cada vez mais cosméticos, nomeadamente os antienvelhecimento e os destinados a pele com tendência acneica, é o CBD (canabidiol) extraído do cânhamo ou da canábis.
Personalização
Muitas marcas estão a apostar num sistema com fórmula de base e ativos vendidos separadamente, para combinar em casa e responder às necessidades da pele em cada momento. Esta tendência assenta no conhecimento crescente dos consumidores em relação aos ingredientes e também na atenção que dedicam à sua pele, que lhes permite perceber o que lhe faz falta. “É a tendência da ‘gastronomia’ cosmética, do faça-você-mesmo, que as marcas podem promover educando os consumidores.” Essa educação é feita através dos sites das marcas.
A Inteligência Artificial também vai ser uma ferramenta para a personalização. “Num futuro que não está muito longínquo podemos ter, por exemplo, um champô para couro cabeludo oleoso com árvore do chá, e uma aplicação no telemóvel que nos diz: ‘hoje misture 2 gotas de árvore do chá, amanhã misture só 1.’ Isto vai ser possível. E é personalização ao mais alto nível. É muito engraçado porque os consumidores estão completamente dispostos a deixar os seus dados biométricos nas apps, nem questionam. É incrível o que as marcas conseguem saber sobre nós. No que diz respeito aos cosméticos, como encaixa neste mindset da personalização, as pessoas sentem-se muito especiais, e então tiramos fotos da nossa cara, brincamos com os filtros, e eles, entretanto recolhem dados atrás de dados, com um algoritmo a funcionar… Para nos darem depois o feedback, claro, nós também usufruímos disso…”
Fórmulas multifuncionais
Uma tendência que se inscreve na preocupação com a sustentabilidade (um produto que dá para duas ou três coisas significa usar uma só embalagem em vez de duas ou três), mas também de praticidade: queremos estar bem sem perder muito tempo. “Esta tendência liga-se com a da maquilhagem monocromática, em que se usa um batom também como blush e sombra.”
Skinification dos cuidados capilares
“Vamos cada vez mais cuidar do cabelo e do couro cabeludo como cuidamos da pele, com ingredientes como o ácido hialurónico e o esqualano, que ajudam a reduzir o frisado porque hidratam e protegem.”
Tecnologia
“A chamada ‘self-care tech’ é uma tendência muito forte”, explica Joana. “Falamos de aparelhos para utilizar em casa que associam microvibração, luzes LED, microcorrentes, para estimular a produção de colagénio.” A realidade aumentada e a Inteligência Artificial também estarão cada vez mais ao serviço da cosmética, permitindo-nos experimentar virtualmente maquilhagem, por exemplo. A Inteligência Artificial foi muitíssimo desenvolvida na cosmética graças à pandemia e ao confinamento, porque as marcas tiveram de investir fortemente para conseguirem fazer os diagnósticos de pele e ainda para fazerem o diagnóstico do tom da maquilhagem, foi um crescimento gigante.” A IA também vai ter um papel fundamental no desenvolvimento de ingredientes e na monitorização dos resultados. “Vai permitir monitorizar se aquela fórmula que estamos a usar é adequada e, se não for, vai dizer-nos como é que a podemos melhorar.”
Cosmética vegan
Esta é uma tendência ditada pelos desejos dos consumidores e Joana Nobre acredita que se vai manter. “Continuará a ser muito importante para o consumidor ver escrito que é vegan e as marcas aderem porque é muito valorizado. Mesmo para quem não vai à procura dessa alegação, quando a vê na cartonagem, de alguma forma é uma comunicação positiva, ‘faz bem à pele e à consciência’. Há pessoas que até comem carne, mas depois procuram cosmética vegan, o que é estranhíssimo. Mas é uma tendência…”
Transparência
Não falamos das texturas, mas das fórmulas e do que elas contêm. “As pessoas querem saber o que colocam na pele e sabem cada vez mais sobre ingredientes. Há uma série de aplicações para telemóvel que ajudam, apesar de terem algumas falhas, e as marcas têm de investir na educação dos seus consumidores.”