Dos primeiros cataplasmas de ervas locais usados há milénios aos sofisticados produtos atuais com extratos botânicos dos quatro cantos do mundo, as plantas continuam a ser as grandes aliadas da beleza da nossa pele e do nosso cabelo.
“A natureza é uma fonte de inspiração inesgotável. 3,8 milhões de anos conferem-lhe o estatuto de mais antigo laboratório de Pesquisa e Desenvolvimento que existe.” Quem o afirma é Marie-Hélène Lair, diretora de Inovação Responsável na Clarins, uma das marcas pioneiras na utilização de plantas na cosmética. “Para se adaptarem aos caprichos ambientais e fazer face aos ataques dos predadores, as plantas desenvolvem estratégias de autodefesa extraordinárias: espinhos, mudanças de cor, secreções químicas… “ São estas capacidades naturais de adaptação, regeneração ou autoproteção que tornam as plantas tão interessantes para o cuidado, rejuvenescimento e embelezamento da pele e do cabelo. Há cada vez mais marcas que, para um nível de segurança, eficácia e inocuidade igual, privilegiam os extratos de plantas para as suas fórmulas, em vez de ativos sintéticos. É o caso da Clarins, da Caudalie, especialista em ativos provenientes da vinha, da Sisley, da Nuxe, da Phyto, das marcas do grupo Pierre Fabre (entre as quais a Klorane e a René Furterer), e da Lazartigue.e muitas pequenas marcas de cosmética que têm surgido nos últimos anos. Marcas como a Clarins, a Yves Rocher ou a Chanel têm mesmo, nas suas equipas de Pesquisa e Desenvolvimento, etnobotânicos que viajam pelo mundo à procura de plantas de onde possam extrair ativos cada vez mais eficazes.
Os ‘globe-trotters’ da beleza
É o que Marie-Hélène chama aos etnobotânicos da cosmética. “Eles são, ao mesmo tempo, especialistas dos seres humanos e das plantas. Percorrem o planeta e observam, estudam a utilização das plantas pelas populações para imaginar as declinações em tratamentos cosméticos e produtos de maquilhagem mais inovadores.” As primeiras pistas do interesse de uma planta para a cosmética podem vir da sua utilização na farmacopeia local: uma planta usada como cicatrizante pode vir a revelar-se eficaz para ajudar a regenerar uma pele envelhecida, por exemplo. Uma vez chegada aos laboratórios da marca, a planta é analisada, descodificada, testada com o máximo rigor científico para avaliar as suas eventuais propriedades cosméticas e estudar as suas interações com a pele. Se a sua eficácia for demonstrada, passa a fazer parte do catálogo de ativos a utilizar. “Para dominar a 100% todas as fases da produção e otimizar a composição das fórmulas, a Clarins possui o seu próprio laboratório de fitoquímica dedicado à criação de extratos de plantas”, explica Marie-Hélène. “Caules, folhas, flores, sementes, frutos… os nossos fitoquímicos analisam cada parte da planta e extraem dela as moléculas mais ativas, na sua concentração ótima. Para cada planta, são estudados 50 extratos por cada uma das partes que a constituem. Os fitobotânicos privilegiam os métodos ‘verdes’: extração com CO2 supercrítico, um novo protótipo de extrator que alia micro-ondas e ultrassons para obter, num tempo record, extratos a partir de plantas frescas sem utilização de solventes químicos, pressão a frio… e neste momento estão avaliar também novos métodos de extrações biomiméticas.”
Não destruir depois de usar
Mesmo quando não está classificada como ‘natural’ (uma classificação que, na verdade, ainda é difícil de estabelecer por falta de critérios internacionais definitivos), uma marca de fitocosmética responsável tem sempre em conta a perenidade e sustentabilidade das plantas de onde extrai os seus ativos: nem outra coisa faria sentido, já que tem todo o interesse em manter os seus stocks e preservar o ambiente onde as plantas nascem e crescem e remunerar de forma justa as pessoas que as semeiam e/ou recolhem. A marca Polaar, por exemplo, usa ativos de plantas que crescem em diversas regiões do Ártico, e uma delas, a flor de Nunatak, é uma espécie rara e protegida, por isso a marca não a colhe: reproduz a planta em laboratório para poder extrair as moléculas que usa na linha Neige Éternelle.
Laboratórios a céu aberto
Muitas grandes marcas de cosmética têm campos próprios ou exclusivos onde cultivam e estudam as plantas que usam nos seus produtos. A Chanel tem parcerias com plantações de Vanilla Planifolia em Madagáscar (para a sua linha Sublimage), de café verde na Costa Rica (para o Blue Serum) e de camélias nos Pirenéus (para a linha Hydra Beauty). A Clarins tem uma propriedade numa zona ecopreservada dos Alpes franceses, com campos trabalhados em regime de permacultura bio, de onde vêm muitos dos extratos de plantas que utiliza (nomeadamente na sua linha de desmaquilhantes) e que serve também de laboratório vivo de pesquisa. Também a marca Yves Rocher, que há mais de 60 anos criou o conceito de cosmética vegetal e foi pioneira nos produtos de beleza com extratos de plantas, tem os seus próprios campos em La Gacilly, na Bretanha, onde cultiva em modo biológico as plantas que usa para formular os seus produtos, como a centáurea, a camomila, a calêndula ou o chorão-das-praias. A marca tem ainda um jardim botânico com plantas de todo o mundo que é um verdadeiro herbário vivo para pesquisa.
Fitocosmética capilar
Entre os cabelos e as plantas há uma bela afinidade. Aliás, o cabelo é muitas vezes comparado a uma planta e o couro cabeludo ao terreno onde essa planta nasce. Mas nem sempre foi assim: embora tradicionalmente, desde há milénios, os cabelos fossem tratados com óleos vegetais e tingidos com plantas como a henna, a certa altura a natureza passou para segundo plano, com a descoberta dos silicones, sulfatos e afins. As plantas só voltaram a subir-nos à cabeça a partir dos anos 60, com três marcas pioneiras que souberam usar a ciência para tirar o melhor partido da natureza: Phyto, René Furterer e Lazartigue. Todas foram fundadas, no início dos anos 60 do século passado, por homens visionários que, numa época em que só o que era sintético era considerado moderno e com futuro, tiveram a intuição de usar plantas para criar produtos de cuidado capilar. O sucesso que tiveram provou que, afinal, os vanguardistas eram eles e o futuro era natural. Muitos dos produtos que criaram na altura, como o elixir vegetal dinamizador do couro cabeludo Phytopolleine, da Phyto, ou o concentrado de óleos essenciais estimulante do couro cabeludo Complexe 5, de René Furterer, continuam a ser best-sellers das respetivas marcas. Os óleos essenciais são, aliás, um dos ex-líbris da cosmética à base de plantas. “Eles são verdadeiros ‘concentrados de natureza”, diz Marie-Hélène Lair. “A sua composição é complexa e são altamente concentrados numa multitude de moléculas diferentes: mais de 3 mil moléculas identificadas até hoje. Eles trazem à pele múltiplas propriedades que nenhuma substância de síntese pode igualar. Segregados em ínfima quantidade pelas plantas aromáticas, os óleos essenciais são obtidos por destilação e constituem, de certa forma, a ‘quintessência das plantas’. São muito ricos em moléculas ativas e muito eficazes: devem, portanto, ser utilizados na dose certa, de modo a conjugar segurança e eficácia.”
De hoje para o futuro
Com todas as técnicas existentes atualmente, é possível usar o melhor das plantas sem as exterminar e extrair os seus ativos sem prejudicar o meio ambiente. Por vontade própria ou por pressão dos consumidores, a verdade é que a indústria cosmética está a fazer um esforço para acompanhar os tempos e a exigência de sustentabilidade e ecorresponsabilidade: uma evidência quando se usam plantas como matéria-prima. A adaptação é simples para as marcas recentes e pequenas, mais complicada para as maiores. Mas é o único caminho se queremos que o grande laboratório que é a natureza continue de portas abertas para os etnobotânicos de cosmética das próximas gerações.