Foi o primeiro lutador a ganhar o título mundial de pesos pesados por três vezes. Desafiou convenções sociais, derrotou campeões considerados imbatíveis e nunca teve medo da polémica. Mas a sua maior luta foi, por certo, a que travou contra a Síndrome de Parkinson, durante 32 anos.
“O Maior”, como era conhecido pelos fãs de todo o mundo, morreu na noite de sexta-feira, 3 de junho num hospital do Arizona, de complicações respiratórias, segundo um comunicado feito por Bob Gunnell, representante da família.
Nascido Cassius Clay, em 1942, Louisville, num estado do Kentucky onde vingava a lei da segregação racial, começou a aprender boxe ainda na adolescência e graças a um episódio caricato. O jovem Cassius, então com 12 anos, tinha ido passar o dia à piscina da cidade, com um amigo; no regresso a casa, tinham-lhe roubado a bicicleta, novinha em folha. Dirigiu-se a um polícia, relatou o furto e disse que “ia dar uma sova” ao ladrão, quando o encontrasse. O agente – Joe Martin, que também era treinador de boxe – respondeu-lhe que, antes de dar uma sova a quem quer que fosse, era melhor aprender a lutar. Não demorou muito até perceber que o jovem tinha, afinal, nascido para o boxe.
Ainda na juventude, Ali ganhou vários títulos como as ‘Luvas Douradas’. Aos 18, já marcava presença nos Jogos Olímpicos de Roma, onde venceu um atleta polaco na final de Pesos Meio-Pesados.
Aos 22 anos derrotou o campeão de pesos pesados, Sonny Liston. Seria a última vez que iria combater com o seu nome de batismo, Cassius Clay. Pouco depois, juntava-se à Nation of Islam, o movimento de muçulmanos norte-americanos liderado por Malcolm X, e mudou o nome para Muhammad Ali. Uma década mais tarde viria a abandonar o movimento para se tornar muçulmano sunita.
Era também conhecido por não ter meias medidas na forma como falava e se auto-promovia com tiradas espirituosas ou até feitas em verso. A combater “flutuava como uma borboleta e picava como uma abelha”, como dizia de si próprio em vésperas de ganhar a Sonny Liston, uma frase que viria a entrar para a cultura pop.
Em 1966 entrou em litígio com o Exército dos Estados Unidos ao declarar-se objector de consciência com base na sua fé, recusando-se a ser recrutado para o Vietnam. “Por que me hão-de pedir-me para vestir uma farda e largar bombas e balas a 10 mil milhas de casa contra as pessoas do Vietnam, enquanto aqueles a quem chamam ‘pretos’, em Louisville, são tratados como cães e lhes são negados direitos humanos básicos? Não tenho guerra nenhuma com os Viet Cong.” Os seus princípios iriam valer-lhe um processo em tribunal e a suspensão da Associação Mundial de Boxe. Só em 1970 as cidades de Atlanta e, mais tarde, Nova Iorque começaram a garantir-lhe licenças especiais para a prática da modalidade, possibilitando o regresso aos ringues.
Nos anos que se seguiram treinou para voltar a ganhar o ritmo de competição e viria a derrotar o campeão Joe Frazier em 1974 e 1975, depois de uma primeira derrota naquele que ficou conhecido como o ‘Combate do Século’. Também em 74 ganha um mundialmente aclamado combate (Rumble in the Jungle, no Zaire) contra George Foreman.
Anunciou que se iria retirar dos ringues em 1979, mas voltaria a combater até 1981, quando tornou a decisão definitiva.
Em 1984, aos 42 anos, foi-lhe diagnosticada Síndrome de Parkinson (ou parkinsonismo secundário, que partilha sintomas com a doença neurológica com mesmo nome). Apesar das causas serem desconhecidas, uma das hipóteses sugeria que a doença aparecera devido aos muitos golpes que Ali recebera ao longo da sua vida como lutador. “Talvez o meu Parkinson seja a forma de Deus me recordar daquilo que é importante. Fiquei mais lento e isso levou-me a ouvir mais e a falar menos. E hoje as pessoas prestam-me mais atenção porque já não falo tanto.”
Nos anos que se seguiram, o ex-lutador dedicou-se a causas humanitárias como a Fundação Make-a-Wish e as Olimpíadas Especiais, fundou o Muhammad Ali Parkinson Center, no Arizona, e um museu dedicado à sua carreira, na sua terra natal.
Nos Jogos Olímpicos de 1996, foi ele quem acendeu a Chama Olímpica, numa comovente aparição surpresa. Voltaria a aparecer nos Jogos Olímpicos de Londres, em 2012, durante a apresentação da bandeira olímpica.
Em 2014, e depois de ter sido noticiado que a sua saúde e vida estariam em risco, abriu uma conta de Instagram onde publicava fotografias antigas de carreira.
Muhammad Ali deixa nove filhos, netos e mulher, Lonnie Ali, o seu quarto casamento. E uma legião de fãs de desporto que o admiraram pelo seu percurso profissional e pelos seus princípios de lutador, dentro e fora do ringue.