
Na última terça-feira, 23 de fevereiro, a rapper brasileira Karol Conká foi expulsa da casa do “Big Brother Brasil” com o maior índice de rejeição de todas as 21 edições do reality show: 99,17% dos votos. Nem a eliminação e nem o recorde foram surpresas para o público, que tem criticado a prestação da rapper no jogo desde os primeiros dias. Famosos como Neymar Jr. e Anitta também entraram nas discussões e pediram aos fãs que votassem pela saída de Karol. O tema é um assunto do momento no Twitter em todo o mundo, como já é normal com as polémicas que acontecem no país.
Já fora da casa, agora o movimento das celebridades brasileiras nas redes sociais é contrário: pedem pelo não cancelamento da rapper. “As pessoas erram”, escreveu Cléo Pires, “Que sejas muito feliz cá fora e repenses tudo”, aconselhou Neymar, “A partir de agora ela precisa seguir a vida dela. Jogo é jogo, entretenimento, vida real é outra história. Sejam humanos”, pediu Ludmilla.
Numa entrevista à revista “Carta Capital”, a diretora de estratégia da agência Mutato, responsável por um estudo sobre a Cultura do Cancelamento, comenta o atual cenário. “O problema é que o júri está aberto e sem controle, principalmente no Twitter pelo facto de ser uma rede muito anónima. Todas as pessoas são humanas e erram. Abrir esse espaço para a conversa é o que importa, porque qualquer um tem a possibilidade de melhorar se estiver aberto a isso”, diz Juliana Morganti.
Todos os erros devem ser respondidos com cancelamento?
Para além das atitudes negativas, Karol Conká também tem sido criticada por ter entrado em conflito com outras mulheres e pessoas negras, mesmo tendo construído a carreira com base nos movimentos feministas e antirracismo. Karol e a psicóloga Lumena Aleluia questionaram a cor do economista Gilberto, que se declara negro; duvidaram da sexualidade do ator Lucas Penteado, que se assumiu bissexual; e fizeram piadas sobre a “branquitude” da atriz Carla Diaz.
Em entrevista à BBC Brasil, a investigadora Daniela Gomes, professora na Trinity College, em Connecticut, discorda da opinião de que a participação da rapper seja “negativa” para tais movimentos: “Nós, pessoas negras, não somos tratados como indivíduos, como pessoas passíveis de erros e acertos. Então, se eu cometo um erro, como uma figura pública, quem está a ser tachado é a população negra.” Também Djamila Ribeiro, filósofa e autora do livro “Pequeno Manual Antiracista”, falou sobre o tema num direto no Instagram, depois de os seguidores lhe cobrarem uma opinião: “Eu não vejo o BBB, não gosto do programa. (…) Querer que pessoas negras respondam pelos erros de outras pessoas negras é racismo”.
O termo “ativismo narcisista” também foi levantado entre os debates sobre a participação de Karol Conká no programa. Depois de ter discutido com Camilla de Lucas e ter dito que a humorista queria “criar competição entre duas mulheres pretas”, Karol recebeu a resposta: “Não venhas levantar militância numa questão de afinidade, porque eu não sou obrigada a gostar de ti”.
“A marca do ativismo narcisista é atacar tudo: não há desconstrução, mas sim destruição. Desconstruir é um processo de deslocar os sistemas de pensar, permitindo que eles estejam abertos, que não se enclausurem em verdades violentas”, escreve, no portal Catarinas, a escritora transfeminista Helena Vieira, que cunhou o termo em 2014. Segundo ela, “quando assistimos ao BBB, percebemos a postura autoritária e impositiva, e os perigos de organizar as nossas reações inspiradas nas mesmas práticas de exclusão que nos violentam”.
Mas sem Karol Conká, quem vamos odiar agora?
A cultura do cancelamento já passou pela fase em que todos que erravam eram cancelados pelo “júri” da internet e agora é feio cancelar. Mas enquanto estava dentro do jogo, a rapper foi alvo de todo tipo de críticas e brincadeiras – apesar de reconhecerem que “as pessoas erram”, os telespectadores não parecem estar dispostos a perdoar, ou nem mesmo compreender.
Enquanto o público se delicia com as entrevistas pós-programa, com vídeos das reações de Karol Conká ao rever cenas suas dentro da casa, o assunto continua em alta. A rapper tem reconhecido os seus erros e deve seguir um longo caminho com a equipa de Marketing para recuperar a carreira – mas a internet em breve ficará órfã de um alvo. Resta saber se o debate público pode combater a cultura do cancelamento, ou se a cancelada só será substituída por outra pessoa.
Quem é Karol Conká e o que aconteceu?
Conhecida pelo posicionamento forte em relação a movimentos como o feminismo, Karol Conká ficou famosa em 2015 com a música “Tombei”, uma espécie de hino de empoderamento. Por isso as expectativas eram altas para a participação da cantora no reality show – o público esperava que fosse ser uma voz ativa pelas mulheres negras dentro da casa. Mas, em vez disso, a rapper teve conflitos com muitos concorrentes, inclusive mulheres e pessoas negras.
Karol chegou a impedir outro concorrente de almoçar à mesma mesa, foi acusada de assédio contra um participante com quem teve um envolvimento, ridicularizou a carreira de outra atriz que também participa do reality show e acusou uma humorista negra com quem discutiu de querer “criar competição entre duas mulheres pretas”. Confrontada com o índice de rejeição à saída do programa, a rapper disse: “Eu perdi-me dentro de mim. E senti-me muito frustrada. Nunca imaginei que eu fosse surtar assim no programa. Realmente quando entramos na casa é tudo muito louco”.