A delicadeza com que olha a vida é a mesma com que encara a música. Dela faz parte a beleza de quem se confronta consigo mesma, nos sentimentos mais felizes e nos mais dolorosos. Mimi Froes não foge de si e isso leva-a a analisar tudo o que a rodeia com o detalhe necessário a quem canta através da alma, tudo o que a vida é. A propósito do seu novo disco, que será lançado a 22 de setembro, e do qual já conhecemos a música “Vai Ruir”, a ACTIVA online conversou com a cantora, que nos revelou um bocadinho mais de si e deste novo trabalho que, nas suas palavras, é “praticamente autobiográfico”.
“O meu álbum é frenético, veio do frenesim que é a minha cabeça”, lê-se no teu Instagram. O que cabe nesse frenesim?
No fundo, o frenesim vem de dois sentidos: por um lado, o frenesim que é a minha cabeça, a questão de pensar demais em várias coisas, pois estou sempre em reflexão. Por outro lado, cada vez mais há uma comunidade muito especial a crescer a nível musical na nova geração. Estamos sempre em contacto com a música uns dos outros, o que leva a influenciarmos a música uns dos outros. E isso faz com que tenha uma canção que é influenciada pelo fado, porque fui ouvir a Teresinha Landeiro a cantar, por exemplo. Neste sentido, o álbum é frenético pela questão musical, mas também pela questão psicológica.
Pegando nessa influência, sentes que hoje há uma comunhão maior entre artistas e até, talvez, um menor preconceito em relação ao que se ouve e ao que se aceita?
Sinto isso, sim. Continua a haver umas elites mais sofisticadas que gostam menos de pop, no geral. Antes também havia jovens que não gostavam do fado, mas o fado também não gostava dos jovens, não havia uma forma de comunhão. Mas neste momento sim. E tem valor a nossa procura por nos juntarmos. Cada vez mais há uma comunidade digital e não digital que se está a fazer a nível musical. E há muito respeito pela arte uns dos outros. Os artistas da nova geração começam a perceber por inteiro que a música salva pessoas e a nossa se calhar não salva aquelas que a música do outro salva. Nesse sentido, acho que cada vez mais impera um respeito nesta nova geração musical.
É na leveza da música que encontras a tua própria leveza?
É, sem dúvida. Porque, não sendo a minha cabeça uma leveza, a música é leve por si só e é através dela que escoo tudo o que sinto. É aí que muitas vezes acontece uma catarse e uma revolução de esquemas que faço na minha cabeça que parecem equações infinitas sem resolução aparente. E a música é um longo suspiro e uma resolução muito feliz.
É, então, uma forma de te ajudar a desconstruir o overthinking de que falavas?
Exatamente. Numa fase inicial, como estudei Jazz, havia alguma necessidade de pensar demasiado até na minha música. Hoje em dia dissipou-se, muito porque se tudo for complexo, uma pequena coisa complexa não parece complexa.
Li que o medo do erro não te faz fazer coisas só pela liberdade de as fazeres. Sendo uma artista que se entrega ao público nas tuas músicas, como é que geres esta dicotomia?
Escrevi isso numa carta à minha psicóloga e de facto houve uma fase da minha vida em que o erro para mim era totalmente proibido. Hoje já não sinto isso, fiz uma recuperação maravilhosa, mas tive que ultrapassar a sensação de erro e tive de aprender a errar mais cedo. Fortaleci-me a nível musical, tornei as coisas complexas mais naturais e atinei e afinei o meu ouvido para estar pronto para o erro. Mas, mais do que isso, aceitei que o meu nome e a minha música são humanos e, por isso, tinha que deixar-me errar na música e deixar a música errar. E só assim é que eu própria atingi uma liberdade plena. Embora me tivesse sempre entregado com todo o meu coração ao público, ainda me entrego mais hoje em dia por esta liberdade de errar.
Essa liberdade vem da noção de que a perfeição é completamente inatingível?
Exatamente e que se não vou ter músicas perfeitas, porque é que eu quero ser perfeita a executá-las?
Há uma tendência para o síndrome do impostor quando se concretizam sonhos e paixões. Neste processo, conseguimos ser os nossos piores juízes?
Acho que sim. Acho que há um lado saudável em sermos os nossos próprios críticos, mas o problema é sempre quando isso acontece em demasia. E foi essa a questão que me levou à psicóloga, a procura excessiva pela perfeição e o sentimento de estar constantemente assombrada por uma síndrome do impostor. É muito fácil nós, artistas, cairmos nesse buraco fundo e não sairmos de lá. Mas também não devemos desvalorizar os pensamentos que nos assaltam nesta síndrome do impostor, porque muitas vezes a nossa cabeça só nos está a pedir uma avaliação profunda do trabalho que estamos a fazer.
Tem que haver uma grande disponibilidade para te entenderes nas tuas próprias emoções. E aqui também entra muito esta necessidade basilar da saúde mental, porque somos um todo…
É isso mesmo. A procura pela resolução de algumas questões em relação à minha saúde mental fez parte do meu percurso e nisso os meus pais foram brilhantes desde início e conduziram-me pela mão àquilo que eu precisava. É importante estar sempre atento às doenças psicológicas que têm um impacto igualmente profundo do que uma doença física grave.
Também aqui, a música cura?
A música cura. É engraçado que a Luísa Sobral e a Carolina Deslandes, no podcast da Luísa, falam sobre como poupam uns trocos no psicólogo por escreverem canções. E é verdade, mesmo tendo andado no psicólogo, a música é sempre uma catarse para mim. É o suspiro no final da conversa, é um balão de oxigénio.
E este novo álbum é essa catarse?
É! Este novo álbum tem muito a ver com a ideia de que nem tudo está sob controlo. O engraçado é que quando digo às pessoas que descobri que não tenho tudo sob controlo, elas respondem-me que isso é sempre assim. Mas acho que não é sempre assim. São as pequenas decisões que tomamos no dia-a-dia que nos fazem acreditar que temos tudo sob controlo. E, por isso, quando nos tiram o tapete, nós não estamos à espera. E o álbum vem responder, às vezes de forma cómica, outras de forma desesperada, a este descontrolo. Quer estar perto das pessoas que sentem que lhes tiraram o tapete, que ficaram sem chão. Mas a verdade é que o chão está debaixo do tapete e é tudo uma questão de tempo até voltarmos a sentir esse mesmo chão.