
Escrevo isto em setembro, mas já estou em outubro. Há anos que vivo à frente do tempo dos outros. O meu Natal chega dois meses antes – quando estiverem a ler esta Grega, já eu estou a atacar os sonhos e rabanadas –, o meu Ano Novo ainda se dá no ano velho e passo o Réveillon mascarada para o Carnaval. Mas há mais eventos que se sucedem em catadupa, numa sequência que se repete até ao infinito e mais além: há os dias da Mulher, da Mãe, do Pai, dos Avós, do Cão, do Gato, da Música, do Atum, das Leguminosas e das Zonas Húmidas.
Seria diferente se trabalhasse num jornal diário em vez de numa revista feminina mensal? Não. Porque teria sempre a minha filha para me recordar todas as ‘efemérides’ em avanço. Passa o agosto a buzinar-me ao ouvido, pergunto-lhe se quer uma bola-de-berlim, responde-me com o que pretende rechear a sua mochila no regresso à escola. E assim sucessivamente: no primeiro dia de aulas, começará a assombrar-me com o Halloween – só agora ressuscitei com as férias e já me quer enfiar no mundo dos mortos.
Há uns anos tive mesmo de lhe dar um calendário mental: só poderia começar a falar do seu aniversário, por exemplo, um mês e meio antes, mas a coisa está novamente a descambar, já que, ainda de chinelos de praia, avançou com o que queria receber no sapatinho. Tenho de começar a fazer como os serviços de notariado, em que telefonamos e já não conseguimos marcação para outubro, mas ainda não abriram a agenda de novembro. Estou mesmo a pensar em criar uns formulários com prazos de entrega fixos: para a declaração de Natal, o intervalo seria de 15 de novembro a 15 de dezembro, 25 euros de coima para qualquer tentativa de antecipação. Consigo ver a minha filha à frente do guichet imaginário, logo no primeiro dia, a perguntar de cinco em cinco segundos: já abriu, já abriu?
Com tudo isto, poderiam pensar que já tenho os livros escolares todos comprados ou mesmo encadernados. Que na despensa o stock de marshmallows foi reforçado para o doce ou travessura. Que já estaria a fazer o storyboard da minha decoração natalícia. Nada disso: no Dia das Bruxas, por exemplo, perante a falta de gomas, começarei a distribuir quinoa e tomate seco a torto e a direito, tentando convencer as crianças da vizinhança do valor superior dos bens alimentares que cedo altruisticamente.
Passo uma vida a correr à frente e outra a correr atrás do tempo. Como quando passamos a semana toda a pensar que temos de dar os parabéns a alguém… e quando damos por isso já estamos atrasados. E assim todos os eventos se arrastam no tempo, como naquela opção de datas flexíveis que nos aparece quando reservamos um bilhete de avião online.
Desabafo com a vizinha sobre os jovens ainda não estarem na escola e já estar na edição do Dia do Idoso. Compaixão, zero. Recebo vanglória: em julho a triagem de lápis e canetas usados já estava feita, para evitar emergências em setembro. Estou completamente só num bairro que já está a demolhar o bacalhau da consoada. Lá vem mais um afrontamento. Só depois me lembro que o Dia Mundial da Menopausa só se assinala a 18 de outubro e que ainda não entrei nesse turbilhão hormonal. Guardo o leque. Mas já sei que quando os calores vierem de verdade não vou saber em que gaveta o arrumei.