Passada a quadra festiva, as redes sociais inundaram-se com a palavra “detox” nas suas múltiplas vertentes – chás/sumos/batidos/drenantes/suplementos detox, dietas detox, programas detox – como forma de mitigar os excessos cometidos durante o Natal e, supostamente, restaurar o normal funcionamento do organismo ou de determinados órgãos após as “agressões” do último mês. Apesar de massificado no pós Natal, o detox não se fica pelo mês de Janeiro. Os regimes detox são promovidos durante todo o ano como forma de “remover toxinas ou outras substâncias tóxicas” do organismo, perder peso e até como estratégia de promoção da saúde.

A suposta necessidade de “desintoxicar”, “purificar” ou “limpar” o organismo está na base do conceito. Este método varia consoante a marca ou pessoa que o promove consistindo na ingestão exclusiva ou complementar de batidos/sumos/chás, acompanhado ou não de jejum ou de uma “dieta” muito restritiva (por norma líquida), com ou sem diuréticos/laxantes e quase sempre com suplementos alimentares vendidos como essenciais à “desintoxicação”. Independentemente da modalidade, o detox é quase sempre acompanhado de uma elevadíssima restrição energética, isto é, de uma restrição das quilocalorias ingeridas.

Estes programas visam uma suposta desintoxicação no entanto é dúbio qual ou quais são os “tóxicos” visados na mesma. Se após a quadra festiva intenção é “purificar” e “limpar” após o consumo excessivo de gordura ou açúcar, as restantes alegações de desintoxicação ficam-se pela “eliminação de toxinas acumuladas”, variando a descrição sem nunca sabermos ao certo que substâncias são essas. Em sentido estrito, uma toxina é um veneno produzido por um animal, planta ou bactéria, normalmente uma proteína ou uma proteína conjugada, que dependendo da quantidade é potencialmente nociva. As “toxinas” referidas pelo detox por norma nada têm a ver com esta definição. Segundo uns são metais pesados, segundo outros qualquer composto químico (seja ou não verdadeiramente tóxico) como poluentes, resíduos de pesticidas, fármacos ou mesmo conservantes da indústria alimentar. Há até quem fale de “toxinas” ou “tóxicos” referindo-se a produtos do metabolismo que resultam do normal funcionamento dos órgãos.

Vamos por partes.

A “desintoxicação”

O nosso organismo tem mecanismos próprios de metabolização e eliminação substâncias potencialmente nocivas. Fígado, rins, pulmões e mesmo a pele estão envolvidos neste processo. Por exemplo, através da urina são eliminados compostos hidrossolúveis, isto é, solúveis em água como a ureia ou o ácido úrico. O conceito de desintoxicação em termos médicos existe mas nada tem a ver com o detox e transcende o âmbito deste artigo.

Os macronutrientes – proteína, lípidos e hidratos de carbono – mesmo que consumidos em excesso no último mês não podem ser considerados “tóxicos” na medida em que fígado e rins assumem com eficácia a sua metabolização e a eliminação dos respectivos produtos do catabolismo. Quando tal não acontece há um comprometimento destes órgãos.

Há compostos como os metais pesados ou outras substâncias químicas lipossolúveis que sofrem bioacumulação, isto é, que que se acumulam nos tecidos dos seres vivos, diretamente através de incorporação a partir do meio ambiente ou indiretamente a partir da ingestão de alimentos contaminados. No entanto, não há evidência que os programas detox por si interfiram na eliminação de metais pesados ou outros compostos lipossolúveis.

Sobre a eficácia, há ainda a referir que a investigação é escassa e a existente é maioritariamente realizada em amostras pequenas, com vieses, sem grupos controlo e com medidas de avaliação qualitativas e não quantitativas como mostrou uma revisão sobre o tema em 2015. Alguns estudos que relatam propriedades “desintoxicantes” de alimentos específicos foram realizadas em animais, não sendo transponíveis para o ser humano. Não há evidência que este conceito de facto permita uma desintoxicação de qualquer substância, principalmente porque não sabemos bem a que “tóxicos” ou “toxinas” se refere.

A perda de peso

A grande popularidade (além do cunho “naturalista” que agrada a uma grande facção de pessoas) nada tem a ver com a “desintoxicação” propagandeada, deve-se sim à perda ponderal veiculada pelo processo. Relembro que o detox pressupõe uma drástica restrição energética que naturalmente culminará numa rápida perda de peso, não necessariamente de gordura. O aparente milagre não é mais que o resultado da ingestão muitíssimo reduzida de hidratos de carbono que leva à depleção do glicogénio hepático e muscular. Por cada grama de glicogénio armazenado são necessárias cerca de 3 gramas de água, ou seja, se as reservas de glicogénio se situarem na ordem dos 500g, o somatório de ambos será na ordem do 2kg. Nos dias em que o detox ocorre, por norma há a depleção das reservas de glicogénio com consequentemente perda água e respectiva perda ponderal associada a ambos.

Nesta diminuição abrupta da energia ingerida são obviamente excluídos alimentos de elevada densidade calórica como fast food, refrigerantes, produtos de pastelaria e charcutaria e toda a espécie de alimentos doces, gordos e salgados que potencia o efeito aparentemente milagroso do detox. Como o volume de alimentos ingeridos está muito diminuído e é maioritariamente de consistência líquida, o volume de fezes acumulado no intestino também é mínimo, contribuindo para um menor peso corporal e eventual melhoria de inchaço abdominal, flatulência, etc.

Dependendo da duração da fase detox, pode haver simultaneamente alguma perda de massa gorda pela ingestão de energia ser muito inferior às necessidades, mas a quantidade de gordura perdida estará longe de perfazer o total de peso perdido durante o processo.

Um programa detox é por norma de curta duração o que significa que quem o realiza dificilmente o vê falhar. Retém apenas uma rápida perda de peso que pensa ser gordura em apenas alguns dias. Quando o detox terminar, as reservas hepáticas e musculares de glicogénio são repostas e o intestino volta a conter fezes, voltando o peso praticamente ao valor inicial.

Há ainda um parêntesis no efeito milagroso do detox particularmente após um período de excessos além do efeito normal já descrito. No Natal ou em qualquer outro momento de ingestão aumentada (fim-de-semana com refeições extraordinárias, férias etc.), um maior consumo de açúcar/hidratos de carbono desencadeia uma resposta insulínica proporcional à ingestão o que favorece a retenção de sódio (potencialmente já aumentado pela ingestão de alimentos mais salgados) e portanto uma maior retenção de água. O peso varia positivamente não porque tenha engordado, mas porque está a reter água. Nos dias seguintes e com o retorno à alimentação quotidiana, este peso a mais (água) é perdido naturalmente. Quando o detox se inicia imediatamente após uma fase de excessos acumula o efeito anteriormente descrito com a perda de peso por esgotamento de glicogénio e de um conteúdo fecal praticamente nulo, o que contribui para resultados brilhantes aparentemente atribuídos à “desintoxicação”. Com ou sem detox, após um período de excessos há tendencialmente perda de peso por maior eliminação da água.

A verdadeira desintoxicação integrada num estilo de vida saudável

O programa/dieta/fase de “desintoxicação” não apresenta qualquer evidência de eficácia no que respeita à eliminação de substâncias nocivas. A rápida perda ponderal que promove não é duradoura e não é sinónimo de perda de gordura. Esta perda de peso deve-se maioritariamente à drástica restrição energética, à eliminação de alimentos problemáticos e ao esgotamento do glicogénio hepático e muscular que é recuperado assim que o detox termina. Se a intenção é perder peso, há formas mais equilibradas de o fazer, naturalmente com recurso a restrição calórica mas não de forma tão drástica e sempre com (re) educação alimentar (essencial à manutenção de resultados).

O consumo aumentado de hortofrutícolas durante a fase/dieta detox (a única vantagem que poderá ter), apesar de trazer benefícios pelo aporte aumentado de micronutrientes e fibra, deve ser integrado na alimentação de forma rotineira e não apenas durante alguns dias. Se desejar ingerir batidos ou sumos “desintoxicantes” como estratégia de enriquecimento da sua alimentação, nada contra, desde que não se limite a apenas isso e haja algum controlo do teor energético do sumo/batido.


Boas estratégias para “desintoxicar” progressiva e verdadeiramente são matéria suficiente para outro artigo, mas podem resumir-se a:

– Diminuição da exposição a substâncias nocivas como poluição atmosférica, fumo de tabaco, metais pesados presentes em alguns alimentos, poluentes orgânicos persistentes, resíduos de pesticidas entre outros, tendo presente que a “dose faz o veneno” e por esse motivo a quantidade é diretamente responsável pelo efeito nocivo.

– Ingestão de uma dieta rica e variada em hortofrutícolas que fornecem ao organismo, principalmente ao fígado, os micronutrientes necessários ao seu funcionamento. A dieta é ainda fundamental no aporte devido de fibra solúvel que facilita a excreção de compostos nocivos presentes na bílis e paralelamente é fermentada pela flora intestinal resultando na produção de ácidos gordos de cadeia curta e outros metabólitos que, entre outras coisas, actuam no fígado potenciando a excreção de substâncias nocivas. Beber água em quantidade suficiente representa outra medida a não negligenciar.

– O exercício físico, além de todos os benefícios já amplamente documentados, aumenta a expressão de glutationa (um antioxidante) e favorece a sudorese (outro mecanismo excretor).

A persistência e a popularidade do Detox

É extremamente difícil resistir à tentação de ser diferente, cool, vanguardista, ter muito likes ou dizer aquilo que algumas pessoas estão sedentas de ouvir, principalmente no mundo digital. Há inclusive determinado público que deseja ardentemente a última novidade, alimentos raros/exóticos ou o novo suplemento que promete milagres como se a ciência e a saúde lançassem novas coleções a cada estação.

O apelo da rentabilidade e da popularidade dos conteúdos são igualmente sedutores para quem tem ou devia ter conhecimentos de fisiologia, bioquímica metabólica e nutrição. Não há outro modo de explicar que vários profissionais de saúde promovam o conceito nas redes sociais e em vários programas de entretenimento e informação.

O detox é apenas mais uma moda, tal como a água com limão e muitas outras que abundam por esse Instagram fora. O que nunca passa ou passará de moda é comer bem, isto é, comer de forma rica, variada, equilibrada, mesmo que com pontuais excessos.

Palavras-chave

Relacionados

Mais no portal

Mais Notícias

E se os refugiados do clima formos nós?

E se os refugiados do clima formos nós?

Fotografia: Os tigres de Maria da Luz

Fotografia: Os tigres de Maria da Luz

Havemos de ir a Viana, à do Alentejo

Havemos de ir a Viana, à do Alentejo

Parque Marinho Luiz Saldanha: Um mar abençoado, nas palavras e imagens do multipremiado fotógrafo Luís Quinta

Parque Marinho Luiz Saldanha: Um mar abençoado, nas palavras e imagens do multipremiado fotógrafo Luís Quinta

Oficinas de verão onde a criatividade não tira férias

Oficinas de verão onde a criatividade não tira férias

A fruta comum que têm mais de 1600 elementos e que os cientistas querem ver reconhecida como

A fruta comum que têm mais de 1600 elementos e que os cientistas querem ver reconhecida como "superalimento"

"A Europa e os EUA continuam a ser extremamente influentes, mas já não ditam o ritmo como antes"

Moda:

Moda: "Look" festivaleiro

Um viva aos curiosos! David Fonseca na capa da PRIMA

Um viva aos curiosos! David Fonseca na capa da PRIMA

Quis Saber Quem Sou: Será que

Quis Saber Quem Sou: Será que "ainda somos os mesmos e vivemos como os nossos pais?"

Repórter Júnior: Entrevista a Luísa Ducla Soares

Repórter Júnior: Entrevista a Luísa Ducla Soares

A Sagração da Primavera - Quando a morte é também fonte de vida

A Sagração da Primavera - Quando a morte é também fonte de vida

Recorde as melhores imagens da XXIX Gala dos Globos de Ouro

Recorde as melhores imagens da XXIX Gala dos Globos de Ouro

Cocktail tóxico encontrado em plástico reciclado

Cocktail tóxico encontrado em plástico reciclado

De Zeca Afonso a Adriano Correia de Oliveira. O papel da música de intervenção na revolução de 1974

De Zeca Afonso a Adriano Correia de Oliveira. O papel da música de intervenção na revolução de 1974

Restaurantes: 9 mesas obrigatórias em Lisboa e um mercado

Restaurantes: 9 mesas obrigatórias em Lisboa e um mercado

Peregrinação vínica. Nem Douro nem Beira, é Meda!

Peregrinação vínica. Nem Douro nem Beira, é Meda!

Massa de ar polar deixa as temperaturas abaixo de zero este fim de semana

Massa de ar polar deixa as temperaturas abaixo de zero este fim de semana

Da Varanda ao Jardim: Viva o Exterior com a Nova Coleção JYSK

Da Varanda ao Jardim: Viva o Exterior com a Nova Coleção JYSK

CARAS Decoração: 10 espreguiçadeiras para aproveitar o bom tempo

CARAS Decoração: 10 espreguiçadeiras para aproveitar o bom tempo

O

O "look" de Letizia no reencontro com a filha em Marín

Investigadores conseguem novas

Investigadores conseguem novas "receitas" para reprogramar células que podem ajudar a combater o cancro

Pavilhão Julião Sarmento - Quando a arte se confunde com a vida

Pavilhão Julião Sarmento - Quando a arte se confunde com a vida

Tesla entregou menos carros no segundo trimestre do ano

Tesla entregou menos carros no segundo trimestre do ano

Pode a Inteligência Artificial curar o cancro?

Pode a Inteligência Artificial curar o cancro?

Temos assim tantos imigrantes a viver em Portugal? Uma tabela com percentagens para não deixar dúvidas

Temos assim tantos imigrantes a viver em Portugal? Uma tabela com percentagens para não deixar dúvidas

Um século de propaganda na VISÃO História

Um século de propaganda na VISÃO História

Reino Unido junta-se a França para investir na rival europeia da Starlink

Reino Unido junta-se a França para investir na rival europeia da Starlink

As fotografias do casamento de Carminho e Diogo Clemente

As fotografias do casamento de Carminho e Diogo Clemente

Vendas da Tesla na Europa estão em queda

Vendas da Tesla na Europa estão em queda

Margherita Missoni: “A moda tem de  acompanhar o ritmo das mulheres”

Margherita Missoni: “A moda tem de  acompanhar o ritmo das mulheres”

Carregamentos na rede Mobi.E passam pela primeira vez os 700 mil num mês

Carregamentos na rede Mobi.E passam pela primeira vez os 700 mil num mês

Maria João Bastos, Maya Booth, Margarida Vila-Nova e Madalena Brandão celebram 20 anos de amizade na Guiné-Bissau

Maria João Bastos, Maya Booth, Margarida Vila-Nova e Madalena Brandão celebram 20 anos de amizade na Guiné-Bissau

Rainha Letizia celebra 53.º aniversário

Rainha Letizia celebra 53.º aniversário

Cosentino inaugura o Cosentino City Porto e reforça a sua presença em Portugal

Cosentino inaugura o Cosentino City Porto e reforça a sua presença em Portugal

Só ver uma pessoa doente já faz disparar o sistema imunitário

Só ver uma pessoa doente já faz disparar o sistema imunitário

Um novo estúdio em Lisboa para jantares, showcookings, apresentações de marcas, todo decorado em português

Um novo estúdio em Lisboa para jantares, showcookings, apresentações de marcas, todo decorado em português

O futuro começou esta noite. Como foi preparado o 25 de Abril

O futuro começou esta noite. Como foi preparado o 25 de Abril

Microsoft revela poupanças de 500 milhões com Inteligência Artificial, depois de despedir nove mil

Microsoft revela poupanças de 500 milhões com Inteligência Artificial, depois de despedir nove mil

Do Liberation Day ao Acordo de Genebra – O que se segue?

Do Liberation Day ao Acordo de Genebra – O que se segue?

Cristiana Dionísio passa por novas intervenções cirúrgicas

Cristiana Dionísio passa por novas intervenções cirúrgicas

Indeed e Glassdoor vão despedir 1300 trabalhadores

Indeed e Glassdoor vão despedir 1300 trabalhadores

Deus, intuição e Rock and Roll

Deus, intuição e Rock and Roll

Bárbara Branco e José Condessa em cenas eróticas em

Bárbara Branco e José Condessa em cenas eróticas em "O Crime do Padre Amaro"

Parabéns, bicharada!

Parabéns, bicharada!