A população mundial tem vivido no último ano e meio uma pandemia que fez abater sobre todos nós algo inimaginável, com ondas de choque complexas, que só nos anos vindouros poderemos compreender a real dimensão e impacto na saúde. Temos disponíveis estudos robustos, com populações de variados países, incluindo do nosso, de culturas e contextos diversos, que apontam para sofrimento físico e mental importantes, quer pela infeção em si mesma e pelos efeitos duradouros em múltiplos órgãos (o long-covid), quer pelo precipitar de stress elevado, de perturbações de ansiedade e depressivas, de stress pós-traumático e do risco potencial de comportamentos de tipo aditivo, nomeadamente abuso de álcool, medicação não prescrita de tipo benzodiazepínico (os ditos “calmantes ou sedativos”) e substâncias ilícitas.
Todos nós ficamos mais ansiosos e stressados perante circunstâncias novas e extremas. Em excesso, a ansiedade passa de normal a patológica e pode trazer um sofrimento antecipatório desproporcional ou até sintomas físicos configurando uma perturbação de ansiedade (exemplos como dificuldade em adormecer pela preocupação, náuseas, tremores, suores, sensação de palpitações ou de nó na garganta) que, se mantidos no tempo e com impacto na nossa capacidade de funcionar no dia a dia, devem motivar a procura de ajuda profissional.
As populações mais vulneráveis têm sido identificadas como aquelas com menos recursos próprios, com menor margem de adaptação aos confinamentos e ao que estes espoletaram. Pessoas que sofreram mais perdas, tais como de emprego, económicas, sociais, que viveram lutos, por exemplo. Também todos aqueles com patologia psiquiátrica prévia de tipo depressivo. Os mais jovens na fase inicial da pandemia, pelo maior receio do futuro e pelas mudanças drásticas nos processos de socialização. As pessoas com quadros prévios de ansiedade e stress têm uma maior probabilidade destes se agravarem.
São, porém, os mais velhos os mais isolados, com menos suporte social, que foram privados de estímulos sociais e afetivos, de forma dramática e prolongada, confrontados com o risco pela sua vida e dos seus maridos e mulheres, dos seus amigos de idade semelhante, que ouviram relatos, de forma incessante por exposição maciça aos media, que eram, sobretudo, os da sua idade que iam morrendo nos hospitais.
São também os mais velhos que têm mais problemas de saúde, e que viram, em algumas ocasiões e na fase inicial da pandemia, as suas consultas e exames adiados; as suas fisioterapias canceladas; os tratamentos hospitalares suspensos. Os mais velhos que já tinham doença mental, que se viram com menor acesso aos cuidados de saúde, e que agora chegam piorados ou com diagnósticos novos, com sintomas de depressão e ansiedade graves, por vezes expressos de forma física, outras vezes com deterioração cognitiva que urge investigar e orientar. Mais do que nunca, com tempo para rastrear, para ouvir e perceber estes doentes, para diagnosticar e tratá-los com os melhores cuidados disponíveis, com respeito pela sua dignidade, na tentativa de lhes devolver saúde e autonomia, recuperar funcionalidade, sem esquecer algo tão profundamente humano como amparar o sofrimento dos lutos que foram somando.
A intervenção precoce médica especializada torna-se fundamental no sentido de se evitar complicações associadas a estas situações. É importante continuar a cuidar da saúde mental dos mais velhos.