Mas o cancro da mama não é uma única doença. Sob este rótulo existem muitas doenças diferentes – tipos diferentes de cancro com comportamentos distintos. É verdade o antigo chavão que diz “cada caso é um caso” e o caso da vizinha que teve de fazer quimioterapia e só conseguia comer pudins não faz a regra. Isto não significa que o medo seja inválido, significa talvez que, quanto mais soubermos sobre os vários tipos de cancro da mama, melhor preparados estamos para o enfrentar. E, nos países ocidentais pelo menos 75% dos cancros da mama são curáveis.
O cancro surge quando as células saudáveis da mama se transformam e crescem sem controlo. É muito mais comum nas mulheres e outros fatores de risco incluem história familiar de cancro da mama, idade acima dos 50 anos e mamas densas nos exames radiológicos. Se palparmos um nódulo na mama ou na axila devemos consultar o nosso médico e, se indicado, ele recomendará realizar uma mamografia e/ou uma ecografia mamária. Se a mamografia e/ou a ecografia identificarem uma lesão sugestiva de cancro, será feita uma biópsia, isto é, com uma pequena picada, retirar uma amostra da lesão para ser analisada ao microscópico.
Quando a biópsia confirma que se trata de um cancro da mama, detalha também um conjunto de características da doença, como o tipo e o grau histológicos, a intensidade dos recetores de estrogénio, de progesterona e HER2 e o índice proliferativo. Com base nisto e em exames para determinar se a doença se encontra só na mama ou se também envolve os gânglios linfáticos da axila ou, até, outros órgãos (as chamadas metástases), bem como nas características e preferências do doente, os médicos farão uma recomendação personalizada de tratamento.
Após décadas de investigação e progressos muito significativos, compreendemos hoje que existem muitos tipos de cancro da mama diferentes, que necessitam de tratamentos específicos e que têm prognósticos (isto é, sucesso dos tratamentos) muito distintos uns dos outros.
A maioria dos cancros da mama são esporádicos e apenas 5-10% são atribuíveis a uma mutação genética hereditária. Como os tumores esporádicos resultam sobretudo de fatores de risco ambientais, é importante manter um estilo de vida saudável, incluindo uma dieta pobre em gorduras, evitar o tabaco e o álcool e praticar exercício físico regularmente. Para as pessoas com risco hereditário de cancro da mama, mais frequentemente causado por mutações nos genes BRCA1 e BRCA2, existem estratégias de prevenção como cirurgias mamárias redutoras de risco, medicamentos e protocolos de vigilância específicos. Para os portadores destas mutações já com cancro da mama, existem terapias alvo inovadoras específicas para controlar a doença, mantendo a qualidade de vida dos doentes. Figuras mediáticas como a atriz Angelina Jolie têm contribuído muito para a divulgação do cancro da mama hereditário, partilhando as suas histórias pessoais.
Uma diferença muito importante é entre carcinomas da mama in situ e invasivos. Os carcinomas in situ surgem nos tubos que transportam o leite até ao mamilo, mas não crescem fora desses tubos e não têm a capacidade para se espalhar para fora do tecido mamário, isto é, de invadir e de metastizar. Contudo, se não forem removidos cirurgicamente, podem transformar-se em carcinomas invasivos. Estes últimos, já “verdadeiros” cancros malignos, têm capacidade de invadir os tecidos da mama e adjacentes e de metastizar para outros órgãos, por exemplo ossos, fígado ou pulmões.
O cancro da mama pode (e deve) ser diagnosticado em estádios ou fases precoces da doença. Acompanho na consulta doentes diagnosticados em estádios precoces, com tumores de poucos milímetros, detetados na mamografia de rastreio e que precisam apenas de retirar o tumor cirurgicamente (mantendo a mama) e de fazer radioterapia. Outros doentes que acompanho estão em fases mais avançadas da doença, necessitando da combinação de várias estratégias além da cirurgia e da radioterapia, por exemplo, com quimioterapia, imunoterapia e hormonoterapia.
Conseguimos ainda distinguir vários subtipos de cancro da mama, com base nos recetores de estrogénio, de progesterona e da proteína HER2. Dividimos, assim, o cancro da mama em tumores luminais, HER2 positivos e triplo-negativo, entre outros. Estas classificações traduzem processos celulares diferentes associados ao cancro e resultam em doenças com comportamentos distintos – algumas mais agressivas, algumas com mais tendência para se espalharem para uns órgãos que outras, algumas respondem melhor a certos tratamentos, etc. Cada subtipo beneficia de uma sequência de tratamentos específica, baseada na melhor evidência científica disponível e na recomendação para cada doente de profissionais de saúde de múltiplas especialidades reunidos no chamado grupo multidisciplinar.
Lembro-me de uma senhora que sigo há 4 anos com cancro da mama avançado. Passava a maior parte do dia com dores e receava morrer em breve. Conseguimos que iniciasse um tratamento inovador com um medicamento dirigido a uma característica específica do tumor, em comprimidos e mais bem tolerado que a quimioterapia. Em poucas semanas, voltou à sua vida normal. Ainda hoje mantém a doença controlada e está muito entusiasmada porque vai ser avó! Felizmente, cada vez temos mais histórias destas com novos fármacos que se juntaram nos últimos anos às opções de tratamento.
Graças à personalização crescente dos cuidados, podemos poupar os doentes a tratamentos que não lhes seriam úteis e escolher outros mais dirigidos, que os podem ajudar. Por isso a sobrevivência e a qualidade de vida dos doentes têm melhorado muito nas últimas décadas. Mas não estamos satisfeitos! Apesar dos progressos extraordinários na compreensão da doença e no tratamento dos diferentes tipos de cancro da mama, continuamos a precisar de unir esforços para encontrar novos biomarcadores e tratamentos, de forma a melhorar a experiência dos doentes e das suas famílias, até conseguirmos prevenir a doença ou curar todos os doentes com cancro da mama.
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