Em ano anterior, e a propósito desta mesma efeméride, escrevi sobre a importância de se celebrar os doentes e não necessariamente a doença, reconhecendo, no entanto, o carácter mais formal e menos pragmático desta denominação.
Hoje, no rescaldo de uma pandemia, no limiar de (mais uma) crise social e numa altura em que os valores éticos e humanos parecem cada vez mais secundários, entendo ser ainda mais importante reforçar a minha mensagem anterior.
Se é verdade que algumas doenças reumáticas têm implicações directas e nem sempre raras na mortalidade ou na insuficiência importante de órgãos considerados vitais, não é menos relevante que quase todos os doentes têm limitações importantes da sua qualidade de vida, quer seja pela referida disfunção orgânica, pela diminuição da mobilidade ou até, mais frequentemente, pela dor.
E nos tempos que correm, onde a cada dia nascem novos fármacos e se aprende mais um detalhe sobre cada uma das doenças que nos atinge, somos surpreendidos com o facto de continuar a haver necessidade para reclamar a defesa de todos os que são confrontados diariamente com as insuficiências médicas, quer elas sejam de natureza científica, clínica ou pura e simplesmente de acesso.
Infelizmente para muitas doenças crónicas (como é a grande maioria das doenças reumáticas), a medicina tem-se mostrado impotente quando colocamos como objectivo a cura ou mesmo o “simples” controlo sintomático. E não raras vezes o desenvolvimento farmacêutico e clínico privilegia as doenças mais recentes, as mais “interessantes” no ponto de vista dos mecanismos ou simplesmente aquelas que parecem ser mais facilmente tratáveis. E ser mais facilmente tratável não é igual a ser mais frequente ou aparentemente mais simples: temos fármacos específicos mais eficazes para tratar uma pneumonia, mesmo que grave, que para tratar uma gripe…
Existem múltiplas razões para isto, desde o eterno argumento financeiro até à inevitável “moda”, um conceito omnipresente em todas as actividades humanas!
Mas então, como ficam os doentes com doenças crónicas profundamente incapacitantes, geradoras de pressão e encargos acrescidos para os próprios, para quem lhes é próximo e até para o próprio sistema? Tivemos um vislumbre de resposta nos últimos dois anos!
Face a uma nova ameaça que drenou a maior parte dos nossos recursos médicos (ainda assim, uns mais que outros…), todo o sistema se concentrou na doença emergente sem existir qualquer preocupação em assegurar…, os outros! E agora, ultrapassada a pandemia, são de novo este tipo de doentes, os crónicos com doenças que sendo limitantes têm um carácter mais indolente, que se vêm ultrapassados pela necessidade de acudir a descompensações, agudizações, complicações e todo o tipo de “ões” de doenças cuja evolução torna mais difícil a espera pelos cuidados médicos.
É verdade que nos últimos anos se assistiu a uma melhoria notável nas opções clínicas para tratar muitas doenças reumáticas (como muitas outras das mais variadas áreas médicas), se testemunhou a remissão de doenças ainda há poucas décadas consideradas inexoravelmente incapacitantes e se descobriram opções terapêuticas para doenças que nem se sabia existirem no século passado.
Mas ainda assim, existem muitos doentes para quem a única opção continua a ser gerir a doença e… cuidar! Isto é tão mais relevante quanto a “simples” osteoartrite é frequentemente desvalorizada pelo inevitável rótulo de “doença degenerativa” e os próprios doentes a ignoram sob o fado tão português da velhice!
Neste nosso admirável mundo novo, talvez a maior prova de progresso não seja a descoberta de uma cura qualquer, mas o reconhecimento da sociedade em geral e de cada um de nós para a necessidade de saber cuidar.
Os textos nesta secção refletem a opinião pessoal dos autores. Não representam a ACTIVA nem espelham o seu posicionamento editorial.