Saiba mais sobre o mieloma múltiplo
Foto: Pexels/ SHVETS production

O mieloma múltiplo (MM) é uma doença maligna da medula óssea em que a célula afectada é o plasmócito, uma célula produzida pela medula óssea, pertencente à família dos linfócitos, responsáveis pela defesa do organismo através das imunoglobulinas. No MM há uma transformação maligna que leva à proliferação desordenada de um grupo desses plasmócitos, formando o que se designa por clone, que produzirá um determinado tipo de imunoglobulinas em excesso (a proteína monoclonal ou proteína M, que está presente nos doentes com MM).

A hiperproliferação destas células leva à infiltração da medula óssea e impede o desenvolvimento de outros elementos normais do sangue, inclusive, anticorpos normais. Esses plasmócitos anormais, também chamados de células do mieloma, podem por vezes formar um tumor único, no osso ou nas partes moles, designado por plasmocitoma solitário.

É uma doença pouco frequente. Surgem cerca de 3 novos casos/ano/100.000 habitantes no Ocidente. É a segunda neoplasia hematológica mais frequente e a incidência é cerca de 2 vezes superior na raça africana e menos frequente nos asiáticos. Em Portugal surgirão cerca de 500 a 700 novos casos em cada ano. A incidência é ligeiramente maior nos homens; é mais frequente a partir dos 60 anos, sendo a mediana de idade ao diagnóstico 69-70 anos, mas pode surgir em pessoas mais jovens.

A causa é desconhecida embora alguns estudos sugiram a obesidade e o excesso de peso como factores de risco. Existem algumas associações com certos produtos químicos ou elevadas doses de radiação. Não é uma doença hereditária mas estão descritos vários casos na mesma família, contudo; não sendo obrigatório estudar os familiares, será prudente que os familiares mais próximos façam pelo menos uma vez por ano uma electroforese das proteínas. Da mesma forma, também não é uma doença contagiosa.

Os tipos de mieloma são designados pela imunoglobulina monoclonal em presença: IgG, IgA, IgD, IgE e IgM, podendo a cadeia leve ser k ou λ. A evolução depende do tipo de imunoglobulina, das alterações genéticas e do estadio da doença.

Como acontece tudo isto, que efeito têm as células de mieloma? Para além deste efeito local na medula óssea, os plasmócitos produzem substâncias químicas (citocinas) que têm diversos efeitos, entre os quais a estimulação de células que reabsorvem o cálcio dos ossos (osteoclastos) e o bloqueio ou inibição das que regeneram o osso (osteoblastos), tornando os ossos mais frágeis e com maior probabilidade de fracturas ou de formação de lesões líticas.

Os ossos mais atingidos são o crânio, vértebras, costelas, bacia e ossos longos. As fracturas podem ser dolorosas e ao nível das vértebras podem comprimir e lesar os nervos, causando paralisia e/ou sensação de dormência. A perda de cálcio dos ossos leva ao seu aumento no sangue – hipercalcémia – que, em níveis muito elevados – pode conduzir a um agravamento da função renal e a alterações do estado de consciência.

O excesso de produção de cadeias leves livres (um dos componentes da proteína M) pode “entupir” o rim e levar a insuficiência renal, podendo esta ser assintomática, detectada apenas em análises ou, nos casos mais graves, levar a insuficiência renal com necessidade de hemodiálise. Em casos mais raros, a imunoglobulina produzida em excesso ou proteina M, pode tornar o sangue mais espesso, provocando alterações da circulação, particularmente a nível cerebral e cardíaco, hipertensão e lesões a nível do rim. Pode também causar lesões dos nervos periféricos – neuropatia – e alterações da coagulação.

O diagnóstico ocorre na grande maioria dos casos de forma acidental em análises de rotina, sendo o sintoma mais comum o cansaço devido à anemia, dores ósseas e quadros infeciosos frequentes como a pneumonia. Por vezes, o MM pode ser diagnosticado devido à ocorrência de fracturas espontâneas ou, mais raramente, pelo aparecimento de insuficiência renal súbita. Podem ainda surgir aumento da tensão arterial e insuficiência cardíaca, confusão mental ou alterações do comportamento no contexto da hiperviscosidade sanguínea. O envolvimento de nervos periféricos pode originar dor, diminuição da sensibilidade ou da força nos dedos das mãos e pés.

Depósitos de certos tipos de fragmentos de anticorpos nos rins ou outros orgãos podem levar à amiloidose, um distúrbio grave que pode surgir associado ao MM. Estas alterações clínicas constituem o chamado CRAB: C (cálcio aumentado), R (alterações renais), A (anemia), B (lesões ósseas, bone).

Apesar de se tratar de uma doença complexa, o diagnóstico inclui exames complementares de fácil acesso para um screening inicial. Todavia, o diagnóstico final deve ser aferido por um especialista em Hematologia com o apoio de outras especialidades pela multidisciplinaridade que a doença exige.

Além da história clínica completa, o diagnóstico passa pela realização de análises de sangue que incluam, além de um hemograma, função renal e cálcio; uma electroforese de proteínas, cadeias leves livres e imunofixação sérica que a ser positiva, confirma a existência de uma imunoglobulina monoclonal. Deverá ser realizada também uma urina de 24 horas com imunofixação urinária. Os exames de imagem são necessários para estudo das lesões ósseas para isso podem ser pedidos diferentes exames, como radiografias, TAC, PET ou ressonância magnética. O mielograma/biópsia óssea são exames invasivos que permitem quantificar a infiltração medular por plasmócitos anormais. Através destes exames é feito o estudo citogenético que dará o grau de risco da doença – alto risco ou risco standard – e, logo, o prognóstico.

Quanto ao tratamento, apesar de não existir nenhum tratamento que leve à cura prolongada, existem hoje múltiplas combinações terapêuticas de diferentes famílias farmacológicas, incluindo quimioterapia e anticorpos monoclonais e até as novas terapias celulares. O MM é actualmente uma doença oncológica com um comportamento de doença crónica, cuja história natural inclui períodos de resposta e recaida, exigindo diferentes terapêuticas ao longo da vida do doente. Estas terapêuticas são cada vez mais personalizadas, adaptando-se às características da doença mas também do doente com vista à sua sustentabilidade ao longo do tempo. Neste sentido, é importante perceber qual a reserva fisiológica do doente ou, se quisermos a matéria-prima a tratar, aferindo a sua condição cardiovascular, respiratória e, inclusive, os cuidados dentários previamente a qualquer tratamento.

Habitualmente a doença pode evoluir, desde uma fase sem sintomas, em que existe apenas aumento de uma imunoglobulina, que se designa gamapatia monoclonal de significado indeterminado (GMSI). Esta fase pode durar muitos anos, evoluindo, ou não, para a fase com sintomas de MM. Em alguns casos é detectada uma fase intermédia, com aumento dos plasmócitos e da proteína monoclonal, mas ainda sem sintomas – MM indolente ou smouldering. Os doentes com MM indolente não têm indicação terapêutica (tirando casos muito excepcionais). Trata-se de uma doença muito heterogénea: em alguns casos evolui muito lentamente, noutros pode ser mais agressivo e com várias complicações.

Os protocolos terapêuticos visam dois grandes grupos de doentes: elegíveis e não elegíveis para transplante de medula óssea, sendo que as combinações terapêuticas são também condicionadas por esta indicação de ser ou não transplantado. Até aos 65-70 anos – dependendo do estado geral do doente e das suas comorbilidades – pode ser proposta uma sequência de tratamentos que inclui 1 ou 2 transplantes autólogos de medula óssea.

Após alguns ciclos de tratamento prévio ao transplante, é realizada uma uma recolha de células estaminais através de uma veia do braço, capazes de reconstituir toda a medula óssea (aférese). Posteriormente, o doente é internado para ser feita uma quimioterapia de alta dose que eliminará muitos plasmócitos que possam ainda existir. Depois desta quimioterapia de alta dose, são dadas ao doente as células estaminais previamente colhidas, que reconstituirão toda a medula óssea. Enquanto a medula não está completamente reconstituída, o doente vai necessitar de transfusões e está mais sujeito a infeções. É um tratamento com uma mortalidade muito baixa, mas que só deve ser proposto a doentes sem comorbilidades importantes. O tratamento do plasmocitoma isolado é essencialmente com radioterapia.

A par de tudo isto, existe o tratamento de suporte e dos efeitos adversos: a dor, que deverá ser orientado pela Consulta da Dor; a anemia; as infeções; a insuficiência renal, que poderá passar pela diálise; a hipercalcémia e a neuropatia.

E se houver recaída ou não responder ao tratamento? Existem diversas alternativas de tratamento, com combinações diferentes de fármacos. Dependendo da qualidade da resposta do primeiro tratamento, do tempo livre de tratamento e das toxicidades das linhas terapêuticas já efectuadas, os medicamentos usados podem ser os mesmos ou diferentes. Nos últimos anos têm aparecido mais fármacos e mais combinações para o tratamento de MM que aumentaram a sobrevivência dos doentes em recaída. Recentemente, o tratamento com células CAR T e os fármacos biespecíficos com alvos moleculares muito precisos constituem as terapêuticas mais inovadoras, colocando cada vez mais a transplantação num lugar mais reservado.

Face à cronicidade da doença, é necessário não esquecer o suporte psicológico essencial aos doentes mas também cuidadores. Este poderá ser encontrado junto de profissionais de saúde treinados e familiarizados com as manifestações da doença mas também, junto das associações de doentes que têm um papel importantíssimo.

Os textos nesta secção refletem a opinião pessoal dos autores. Não representam a ACTIVA nem espelham o seu posicionamento editorial.

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