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Aconteceu tudo por acaso: entrou um colega novo no departamento da empresa onde eu trabalhava e começámos a trocar uns olhares; depois, ele convidou-me para almoçar, a química surgiu e fomos avançando até que nos encontrámos algumas vezes num hotel, durante a hora de almoço."A confissão é de Maria Silva, de 40 anos, casada há dez e mãe de dois filhos. O caso não teve futuro. "Passado a fase de encantamento, cai em mim e tomei consciência que não ia colocar em risco uma relação de tantos anos, ainda por cima com duas crianças pequenas, e terminei a relação."
Os números mentem?
A fazermos fé no que nos diz o estudo ‘
Inquérito Saúde e Sexualidade’, realizado pelo Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, Maria Silva é a excepção à regra. Nesse estudo 16,9 por cento dos homens admite ser infiel contra sete por cento das mulheres, sendo que, entre aquelas com 55 ou mais, apenas 3,2 afirma ter dormido com alguém fora do casamento. A média de parceiros sexuais é também muito ‘limitada’: 55,7 por cento do sexo feminino garante ter tido apenas um durante toda a vida.
Mas serão esses números verdadeiros?
Falámos com Margarida Casimiro, psicoterapeuta, no desejo de contrapor à estatística a prática clínica. E a resposta fez-nos acreditar que, dos números à realidade, vai uma distância enorme: "É triste ver estes resultados, porque as mulheres, ao dizerem que apenas tiveram um parceiro, estão a ‘desvalorizar’ a verdade. No meu consultório, não é isso que constato e mesmo as conversas com os meus colegas revelam essa realidade." E a psicóloga vai ainda mais longe: "Faz lembrar as quotas para o Parlamento Europeu: estas mulheres parecem ter respondido para ficar na média ‘correcta’. Em termos da minha prática clínica, a infidelidade é recorrente, quer entre homens, como entre mulheres."
Motivo: o ‘cansaço’ da relação
O que faz então com que os casais procurem sexo fora do espaço da relação? "Por norma, isso acontece devido ao desgaste da relação e à desmotivação que origina: as pessoas deixam de gostar de si próprias e de ter interesse na pessoa que escolheram e com facilidade começam a projectar no outro as falhas que elas próprias não assumem." Mas se podíamos pensar que isso apenas acontece em relacionamentos de muitos anos, nada podia estar mais longe da realidade. "É assustador quando percebemos que essa é uma situação recorrente de relações recentes", realça Margarida Casimiro, "porque a forma como se parte para a relação já é perniciosa." Se há trinta anos atrás, era intimidante pensar que o casamento era ‘até que a morte nos separe’, agora é igualmente assustador a forma leviana como a pessoa pensa ‘posso-me casar porque me posso divorciar’. Isso não vincula a pessoa a uma escolha e entra-se no casamento/relação como num padrão de consumo rápido. Entre os casais mais novos há uma dessacralização do acto de entrega e isso depende do carácter temporário de tudo: tudo é relativizado. E se podíamos pensar que as gerações mais novas têm uma mente menos preconceituosa, a terapeuta desmente-o: "os jovens fazem ainda a divisão namorada/’as outras’. Afinal de contas, é muito importante e dá muito jeito ter uma relação: um quadro superior deve ser casado e ter uma mulher para levar ao jantar da empresa."
Também não é fácil viver a dois num mundo em que as condições de vida se vão degradando: "as pessoas têm que trabalhar cada vez mais, não estão dispostas a perder em detrimento do companheiro ou dos filhos ou sentem que estão numa relação de défice, porque o ordenado não chega e têm de prescindir de uma série de coisas." Ora, o cansaço reflecte-se na relação e a pessoa principia a olhar lá para fora e a procurar quem lhe pode dar aquilo que sente que já não tem."
Sexo ou emoção?
"O que mais me atraiu no início foi a sedução dos pequenos gestos; estava casada há tanto tempo que me tinha esquecido de como um simples olhar podia ser sensual", revela Maria Silva. Nesse caso, em que ficamos: quando se inicia uma relação extra-conjugal, a mulher procura satisfação sexual ou emocional? Para Margarida Casimiro, uma recorre da outra: "Os homens procuram calor, sexo, qualquer coisa de muito excitante. As mulheres também, mas, numa fase inicial, vão em demanda do romantismo perdido, da ideia de sedução, de que já não se lembram ou que nem sequer chegaram a viver. As mulheres procuram o enamoramento e os homens gostam de ser assediados – é a combinação perfeita. Porém, depois de consumado, o caso deixa de ser novidade e perde o interesse."
E os próprios? Como justificam a si mesmos o acto da traição? "Já ouvi as justificações mais incríveis. As mulheres dizem ‘se ele me tratou mal, mereceu’ e eles acusam: ‘se ela não aceita ser um bocadinho mais sedutora, do que está à espera?’" Ou seja, o outro é sempre o pretexto porque é a melhor forma de não se assumir a responsabilidade da escolha. Assim, a pessoa sente legitimidade em fazê-lo. "Imagine uma mulher que recebe pouca atenção. Ela até sente uma certa ‘justiça’ no acto de atraiçoar o marido: é a vingança suprema; ninguém vai dizer: ‘eu até gosto do meu marido, mas escolhi ter um caso com aquele tipo muito atraente que trabalha comigo, apesar de não estar minimamente interessado em ir viver com ele’."
Nós escondemos melhor
Se uma união tem como base a confiança e a fidelidade, onde entra a culpa nesta equação? "A culpa existe, mas, apesar disso, os homens acabam por ser mais honestos ou pelo menos mais ‘transparentes’, pois têm dificuldade em manter o segredo e com grande facilidade as mulheres se apercebem ou suspeitam de que algo se passa." Connosco, é o contrário: se ela não quiser provocar uma ruptura na relação, raramente o companheiro descobre que lhe foi infiel. "As mulheres estão treinadas para serem boas donas de casa, boas profissionais, boas mães, portanto, também têm de ser boas na parte da infidelidade", aponta a terapeuta. Até porque, na maior parte dos casos, não querem abandonar o actual parceiro: "quando há uma situação de ruptura, o problema vai além de uma situação de infidelidade. É porque já não há forma de fazer funcionar uma relação a dois, já não há entendimento sexual nem emocional. A fidelidade não é sinal de que não exista amor. Tem muito a ver com a perspectiva cultura em questão, com a forma como a pessoa interpreta o papel na relação."
Afinal, o que existe é uma grande disponibilidade, quer dos homens como das mulheres, para se ser infiel, porque as pessoas sentem uma enorme necessidade de se sentirem amadas e de terem mais atenção. Como conselho para evitar o problema, a terapeuta lembra: "Fundamental é a pessoa sentir-se importante o suficiente na vida do outro para ele lhe dar uma das coisas mais preciosas dos dias de hoje, que é o tempo".