Concentração num comprimido: será que faz bem aos nossos filhos?


Há cada vez mais crianças diagnosticadas com a síndrome de hiperactividade com défice de atenção (PHDA) e medicadas com metilfenidato, mais conhecido pelo nome comercial de Ritalina ou Concerta.

Nos EUA a polémica está acesa desde os anos 60, altura em que se começou a fazer o diagnóstico desta doença e a surgirem as primeiras dúvidas sobre os efeitos secundários destes medicamentos. O número crescente de hiperactivos gerou em vários sectores a suspeita de um sobrediagnóstico, alertando para os perigos de podermos estar a dar aos nossos filhos um psicoestimulante não isento de perigos sem necessidade.

Uma dúvida legítima tendo em conta que a prescrição aumentou em todo o mundo 274% só entre 1993 e 2003, de acordo com os dados divulgados pela publicação norte-american Health Affairs. Os Estados Unidos são de resto o maior consumidor do metilfenidato. O relatório de 2007 da Junta Internacional de Fiscalização de Estupefacientes, uma organização independente ligada às Nações Unidas, estima que o consumo naquele país represente mais de 80% de todo o consumo mundial, mas este também tem vindo a aumentar na Europa. Em Portugal, e a crer nos números do Infarmed, passámos de 400 crianças, em 2003, para uma estimativa de seis a oito mil em 2006. Moda ou simplesmente um avanço nas ferramentas de detecção da doença?
 

“Mais quietos… mas apáticos”

“A incidência mantém-se nos 3 a 5%, o que aumentou foi a capacidade de diagnóstico”, garante a pedopsiquiatra Graciete Carvalho. O certo é que parece haver uma perceção de serem cada vez mais raras as turmas sem crianças a tomar metilfenidato. Fátima Correia, professora na escola B1 do Prior Velho assegura que nos 25 anos em que dá aulas nunca se tinha deparado com classes em que três ou quatro alunos tomam o fármaco. “Supostamente deveríamos ser consultados pelos médicos antes do diagnóstico mas nem sempre isso acontece. Tenho caso de miúdos que claramente não considero hiperactivos mas apenas irrequietos e que tomam o medicamento, outros em que os pais começam a medicá-los e depois desistem e retomam de forma que parece indiscriminada. É que apesar de ficarem mais quietos, também ficam mais apáticos”.
 

Descartar todas as hipóteses

A pedopsiquiatra Graciete Carvalho garante não haver o perigo de os miúdos estarem a ser sobrediagnosticados até “porque os critérios são muito precisos, não há qualquer dúvida na sua aplicação e um bom médico é capaz de os aferir sem qualquer dificuldade. Estes miúdos sofrem de uma disfunção cerebral que tem de ser diagnosticada por um pedopsiquiatra ou neuropediatra e que a medicação resolve ou ajuda a resolver na grande maioria dos casos”, explica.
 

Mas será sempre uma questão de neurotransmissores? “É fácil confundir os sintomas da com os da ansiedade”, alerta a psicóloga Tânia Dinis. “O que acontece muitas vezes é que os pais assumem que o filho é hiperactivo e procuram especialistas em hiperactividade que têm uma probabilidade maior de os diagnosticar como tal. Hoje em dia há a tendência de medicar primeiro e se resultar é porque o diagnóstico estava certo, senão, procura-se outra coisa. As crianças podem ser ansiosas e ter razões para isso com origem no contexto familiar. Neste caso a Ritalina não está a resolver nada, só a mascarar”. O ideal é os miúdos serem avaliados por equipas pluridisciplinares e descartarem-se primeiro todas as outras hipóteses, nomeadamente as psicológicas, assegura a especialista. Mesmo que isto represente mais tempo e dinheiro para os pais. “É mais fácil para estes dizerem que os filhos têm uma doença do que procurar causas que implicam muitas vezes uma mudança de comportamento da sua parte. Hoje em dia as crianças têm demasiados estímulos, nomeadamente na escola, e os pais estão sobrecarregados e inseguros. O estranho é não haver mais crianças agitadas”.
 

Verdadeiros e falsos hiperactivos

O que acontece quando crianças que não são hiperactivas tomam aquele psicoestimulante? “É imprevisível. Podem ficar ainda mais agitadas ou pelo contrário mais apáticas e desinteressadas. Supostamente o que o medicamento faz é reequilibrar um mecanismo cerebral estimulando uma parte que não funcionava tão bem. Se funciona bem estamos a mexer num sistema complexo e a alterar o seu funcionamento… Nos verdadeiros casos de hiperactividade isto também acontece só que a ponderação do custo-beneficio vai claramente no sentido do uso do medicamento, como é óbvio, porque lhes permite funcionar melhor”, lembra Tânia Dinis.
 

Uma mudança radical

Conceição Ferreira tem um filho com hiperactividade diagnosticada aos 17 anos. “Foi quando estava em risco de chumbar pela segunda vez que o levei a um especialista em jeito de SOS. Ele sempre tinha tido problemas, mas pensei que tivessem outras causas e esteve numa psicóloga durante um ano e não notei melhorias. Assim que começou a tomar Ritalina a mudança foi radical e a iniciativa de ir estudar era dele. Interrompeu o tratamento a determinada altura porque dizia que o fazia sentir um robô mas o certo é que quando o fez o desempenho escolar descambou”, nota.  De resto, ela própria acabou por testar o efeito do medicamento. “É suposto ser um estimulante. Experimentei uma vez numa noitada de trabalho intenso e o certo é que trabalhei a noite inteira, perfeitamente focada e alerta, sem qualquer cansaço”. De facto, o efeito do metilfenidato já foi comparado ao da cocaína e chegou a alegar-se que estas crianças pudessem sofrer riscos acrescidos de ter esta dependência na idade adulta, embora tal não esteja comprovado. “A dependência não está em causa até porque a Ritalina só é tomada no período escolar. As crianças não tomam nas férias nem nos fins-de-semana”, desmistifica a pedopsiquiatra Graciete Carvalho.
 

Um futuro hipotecado

O facto de ser uma substância relativamente recente faz com que não haja ainda estudos suficientes relativamente aos efeitos a longo prazo do metilfenidato presente na Ritalina e Concerta. “Estas substâncias são poderosos psicoestimulantes e é preciso não esquecer que o cérebro ainda está em maturação até à idade adulta”, lembra Tânia Dinis. Várias instituições têm vindo a terreiro manifestar a sua preocupação, como o National Institute for Health and Clinical Excellence (NICE) que emitiu uma recomendação no sentido daquele psicoestimulante não dever ser prescrito em caso algum a menores de cinco anos e, apenas em último recurso, usada por crianças mais velhas.

Isto faz com que seja ainda mais importante ter a certeza do diagnóstico antes de medicar. Atrasos no crescimento, insónias e falta de apetite são alguns dos efeitos secundários mais referidos, combatidos com uma vigilância apertada e reajustes constantes das dosagens por parte dos médicos que seguem estas crianças. Ainda assim, Tânia Dinis não acredita na sobreprescrição do medicamento “até porque só é receitada por especialistas. Mais fácil de obter e perigoso de usar de forma inconveniente é o Atarax, um anti-histamínico e ansiolítico, que até nos hospitais já se usa por vezes como calmante por ter menos efeitos secundários. Os pais acabam a dar umas colherzinhas de Atarax para o miúdo dormir. Até que ponto andamos a manipular as nossas crianças?”.









Palavras-chave

Relacionados

Mais no portal

Mais Notícias

Pode a Inteligência Artificial curar o cancro?

Pode a Inteligência Artificial curar o cancro?

A poesia que sai à rua em Salvador

A poesia que sai à rua em Salvador

Reportagem na selva mágica da Amazónia

Reportagem na selva mágica da Amazónia

Paixão em “A Serra”: Marta e Fausto em sexo escaldante na praia

Paixão em “A Serra”: Marta e Fausto em sexo escaldante na praia

Ovos

Ovos "ilibados" no caso do colesterol

Peregrinação vínica. Nem Douro nem Beira, é Meda!

Peregrinação vínica. Nem Douro nem Beira, é Meda!

Da Varanda ao Jardim: Viva o Exterior com a Nova Coleção JYSK

Da Varanda ao Jardim: Viva o Exterior com a Nova Coleção JYSK

Cocktail tóxico encontrado em plástico reciclado

Cocktail tóxico encontrado em plástico reciclado

Tesla entregou menos carros no segundo trimestre do ano

Tesla entregou menos carros no segundo trimestre do ano

Pigmentarium: perfumaria de nicho inspirada na herança cultural da República Checa

Pigmentarium: perfumaria de nicho inspirada na herança cultural da República Checa

25 peças para receber a primavera em casa

25 peças para receber a primavera em casa

Cortes orçamentais de Trump podem levar a mais de 2000 despedimentos na NASA

Cortes orçamentais de Trump podem levar a mais de 2000 despedimentos na NASA

Do Liberation Day ao Acordo de Genebra – O que se segue?

Do Liberation Day ao Acordo de Genebra – O que se segue?

Em noite de glamour, saiba quem foram os casais que marcaram presença nesta edição dos Globos de Ouro

Em noite de glamour, saiba quem foram os casais que marcaram presença nesta edição dos Globos de Ouro

Somos um dos países do mundo onde se come mais carne? Um mapa global do consumo

Somos um dos países do mundo onde se come mais carne? Um mapa global do consumo

Quis Saber Quem Sou: Será que

Quis Saber Quem Sou: Será que "ainda somos os mesmos e vivemos como os nossos pais?"

Sede da PIDE, o último bastião do Estado Novo

Sede da PIDE, o último bastião do Estado Novo

CARAS Decoração: 10 espreguiçadeiras para aproveitar o bom tempo

CARAS Decoração: 10 espreguiçadeiras para aproveitar o bom tempo

Keep the coins, I want change: um mapa para a sustentabilidade empresarial em 2025

Keep the coins, I want change: um mapa para a sustentabilidade empresarial em 2025

Samsung vai lançar smartphone dobrável tríptico até final do ano

Samsung vai lançar smartphone dobrável tríptico até final do ano

O futuro começou esta noite. Como foi preparado o 25 de Abril

O futuro começou esta noite. Como foi preparado o 25 de Abril

Lady Kitty Spencer regressa a Roma para o desfile de alta-costura de Dolce & Gabbana

Lady Kitty Spencer regressa a Roma para o desfile de alta-costura de Dolce & Gabbana

Em “A Promessa”: Tomás renega Verónica após saber que é pai do bebé

Em “A Promessa”: Tomás renega Verónica após saber que é pai do bebé

Dia da Criança: 5 sugestões para te divertires

Dia da Criança: 5 sugestões para te divertires

CARAS Decoração: Cromática, uma coleção desenhada por Pedro Almodóvar

CARAS Decoração: Cromática, uma coleção desenhada por Pedro Almodóvar

Camilla celebra 78.º aniversário

Camilla celebra 78.º aniversário

Infeções respiratórias como Covid ou a gripe podem

Infeções respiratórias como Covid ou a gripe podem "acordar" células cancerígenas adormecidas nos pulmões

Os 40 atores negros mais famosos de Hollywood

Os 40 atores negros mais famosos de Hollywood

A VISÃO Se7e desta semana – edição 1708

A VISÃO Se7e desta semana – edição 1708

Antecipar o futuro: a visão da WTW sobre os riscos emergentes

Antecipar o futuro: a visão da WTW sobre os riscos emergentes

Novo implante do MIT evita hipoglicémias fatais nos diabéticos

Novo implante do MIT evita hipoglicémias fatais nos diabéticos

Segway apresenta série de trotinetes elétricas Ninebot E3

Segway apresenta série de trotinetes elétricas Ninebot E3

Tudo isto é cinema

Tudo isto é cinema

A VISÃO Se7e desta semana – edição 1709

A VISÃO Se7e desta semana – edição 1709

Stella McCartney: designer distinguida na Nat Gala

Stella McCartney: designer distinguida na Nat Gala

Técnico e Vinci Energies Portugal apresentam novo Formula Student para 2025/2026

Técnico e Vinci Energies Portugal apresentam novo Formula Student para 2025/2026

Investigadores conseguem novas

Investigadores conseguem novas "receitas" para reprogramar células que podem ajudar a combater o cancro

Repórter Júnior: Entrevista a Luísa Ducla Soares

Repórter Júnior: Entrevista a Luísa Ducla Soares

Pavilhão Julião Sarmento - Quando a arte se confunde com a vida

Pavilhão Julião Sarmento - Quando a arte se confunde com a vida

O

O "look" de Letizia no reencontro com a filha em Marín

Carlos Areia faz 80 anos! Veja 80 fotos do ator

Carlos Areia faz 80 anos! Veja 80 fotos do ator

Salgueiro Maia, o herói a contragosto

Salgueiro Maia, o herói a contragosto

Globos de Ouro também são feitos de diversão e descontração

Globos de Ouro também são feitos de diversão e descontração

Vídeo: A festa final de 'Miúdos a Votos'

Vídeo: A festa final de 'Miúdos a Votos'

Um novo arranque para o CEJ – Do Limoeiro ao Laranjal

Um novo arranque para o CEJ – Do Limoeiro ao Laranjal