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Getty Images/iStockphoto

Mafalda tem 4 anos, e sozinha já aprendeu a escrever duas palavras: ‘Mafalda’ e ‘FMI’. “O FMI ela copiou do telejornal”, conta a mãe, entre o orgulhoso e o pesaroso. “Adeus Ruca e Pocoyo…”

Conclusão: a crise já faz parte até do imaginário infantil. O ‘feito’ dá vontade de rir, mas levanta outra questão: estaremos a envolvê-los demais no nosso mundo e a assustá-los com problemas que não deviam fazer parte das suas preocupações?

“A pergunta mais difícil que os meus filhos já me fizeram: “Para quê estudar se não vou ter emprego?”, conta Paula Pereira, 43 anos, mãe de três filhos muito ‘perguntadores’ entre os 3 e os 15 anos.

A mãe nunca os deixa sem resposta, mas nos tempos que correm não está fácil. “Tenho que lhes fazer ver que há empregos que até podem não precisar de muitos estudos, e desde que se sintam felizes, isso será sempre o mais importante. Estou a fazer com eles o que o meu pai fez comigo e com os meus irmãos. Sempre foi uma pessoa muito otimista, e até hoje me lembro de ele dizer que qualquer um de nós podia ser Presidente da República se assim o quisesse – e que depois do querer vinha o ‘fazer por isso’.”

Paula sabe que está a remar contra uma maré alta. “‘As coisas não estão fáceis’… eles ouvem isto a toda a hora e repetem a frase”, nota. “Mas de imediato falamos sobre isso. Lembro-lhes que estamos aqui uns para os outros, somos uma equipa e vamos trabalhar como tal: mesmo ao estilo dos mosqueteiros ‘um por todos e todos por um’. Já estiveram mais assustados, mas esta conversa sobre a família e sentirem que avós, pais, e tios estão mais unidos e ajudam-se mutuamente (mais companhia, menos prendas caras, mais tertúlias familiares, passeios, brincadeiras com os primos, os amigos e até alguns empréstimos monetários) está a mantê-los otimistas.”

 A ideia é não esconder e nem exagerar nada: “Mostro-lhes exemplos passados em que as pessoas conseguiram ultrapassar as dificuldades. Contamos muitas histórias da família. Dos avós e bisavós, de como eles também atravessaram crises (económicas, de guerras, de emigração, de tempos muito mais difíceis do que o nosso) e chegaram até aqui e a forma como o fizeram. Por isso eu digo-lhes que tudo tem solução, exceto a morte… E mesmo assim, digo que acredito na reencarnação” (risos).

Ponto de viragem
Mas será possível manter o discurso do otimismo face a uma vida que de súbito se complicou mais do que prevíamos?  “Estas situações são delicadas, e não podemos ter o discurso de desenvolvimento do otimismo sabendo que há pessoas que podem não ter com que alimentar os filhos”, nota Rita Xarepe, psicóloga e editora da revista ‘Visão Júnior’. “Mas podemos dar alguma orientação. Diria que o mais importante é tentar confortar os pais e ter um enorme respeito por quem está a passar por esta situação.”

Isto é muito bonito, mas se estou a viver um mau bocado, como é que arranjo forças para passar esperança aos miúdos? “Nas situações limite, a vida pode mudar”, explica Rita Xarepe. “Toda a nossa energia está centrada num objetivo, e podemos fazer coisas que antes não imaginaríamos. Portanto, interessa-nos responder com este nosso lado otimista de fazer pela vida.”

Ou seja: para ‘animarem’ os filhos, os pais precisam, em primeiro lugar, de recuperarem a sua própria paz. “Isso passa por arranjar uma rede de pessoas que nos possa dar conforto psicológico e, se possível, material”, explica Rita Xarepe. E nem sempre quem está desempregado perdeu tudo: “Posso não ter dinheiro mas ter tempo, que é um bem precioso, e posso organizar-me com outras pessoas que estão na mesma situação e trocarmos serviços entre nós, por exemplo.”

O mais complicado, embora também o mais desafiante, pode ser precisamente aprender a lidar com uma situação em que a mudança é geral: mudança de vida mas também mudança da forma como olhamos para nós próprios.

“As regras estão a mudar e a vida social também. As pessoas vão ter de se unir mais e contar umas com as outras. Não faz sentido ser de outra forma. Penso que temos de mudar de lógica: não podemos mais pensar que vamos voltar à vida que tínhamos dantes, temos de começar a fazer coisas que se calhar nunca nos imaginámos a fazer, mas que talvez até nos vão agradar e mostrar outras capacidades.”

Informação q.b.
Mas até quando se tem as necessidades básicas asseguradas os miúdos podem ser arrastados pela onda de pessimismo. “Acho que neste momento é uma questão de fé. Em nós, no futuro, na Humanidade”, nota Rita Xarepe.

Agora uma pergunta prática: posso deixar os meus filhos ver o telejornal? “Bem, depende do contexto em casa. Se tiver uma família ansiosa e filhos com pesadelos, é melhor evitar. Se está tudo bem, não vejo por que não.”

E se depois eles fizerem perguntas do tipo ‘vamos ficar todos na miséria?’, que se responde? “Se eu já não tiver recursos, não posso dizer ao meu filho que pode gastar como dantes”, racionaliza Rita. “Temos de nos reorganizar. São de facto situações demasiado sérias para haver receitas. Não há. O que se sabe é que não dá para dizer às crianças qualquer coisa que não sentimos, porque elas vão perceber que estamos a mentir, e aí sim, ficarão preocupadas e ansiosas.”

Ou seja, as crianças devem perceber por que é que não podem ter tanta coisa, mas também não é preciso entrar em grandes pormenores. Os pais podem aproveitar para educar financeiramente os filhos, por exemplo: explique-lhes de onde vem o dinheiro, como se ganha, o que faz um banco (muitas crianças pensam que se vai buscar dinheiro ao multibanco como água

à fonte, por exemplo). Saber como às coisas funcionam é meio caminho andado para nos sentirmos mais seguros em relação a elas.

Há dias e dias
Quer se queira quer não, as crianças partilham o nosso mundo, e é normal que partilhem também as nossas ansiedades. Afinal, também é disso que se faz uma educação para a vida: do medo, e do que fazemos com ele.

Por outro lado, o medo paralisa-nos, e já basta aquele que nos rodeia todos os dias. Boas notícias: podemos combatê-lo. “Cada pessoa tem de encontrar, no seu contexto, pontos de apoio em que acredite para manter a esperança, e com essa verdade passar esperança aos mais pequenos. A ideia é transmitir-lhes algo em que verdadeiramente acreditamos, porque só isso será sentido como real…”

Problema: quando não sentimos essa esperança… Então é melhor deixar a explicação para outro dia. “É que isto da esperança também varia…”, nota Rita Xarepe. “Há dias em que nos sentimos mais animados, e outros em que achamos que nada vale a pena. Por isso, se estamos em dia-não, podemos dizer ‘olha, falamos noutra altura’. E quando estivermos melhor, então conversamos.”

A ideia é reduzir a nada a teoria da conspiração. “A verdade é que nós também não temos respostas para lhes dar”, lembra Rita.

E dizer ‘não sei’ é compatível com a segurança de que eles precisam? “Tudo depende de como se diz ‘Não sei’. Se disser ‘Não sei mas vou dar o meu melhor e hei de cá estar sempre para te ajudar no que for preciso’, é um ‘não sei’ honesto mas reconfortante.”

Uma questão de tempo
Outra coisa que não custa dinheiro e ajuda os nossos filhos a estarem tranquilos é aproveitarmos o tempo livre para estarmos com eles de alma e coração, tentando sentir o amor que lhes temos.

“Isto é tão mais reconfortante que qualquer resposta que se possa dar. Se uma criança sentir que o pai não tem dinheiro mas está ali, e começou a jogar à bola com ele e a levá-lo à escola, vai sentir-se bem e segura. Julgo que isto é o mais importante. É importante não nos entregarmos a pensamentos de desespero. Porque estarmos uns com os outros é um bom passo para a conquista da esperança.”

Ela própria está otimista: “Se tiverem o básico, os miúdos não precisam de coisas, precisam de pessoas.”

Conclusão: vamos ter de aprender outras maneiras de viver,  de valorizar o que é realmente importante nas nossas vidas. E talvez possamos passar isso às crianças.

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