Adição sexual. Hipersexualidade. Compulsão sexual. São várias as palavras usadas para classificar situações análogas, caracterizadas pela grande frequência de atividade sexual. Neste caso, a palavra ninfomaníaca refere-se a mulheres que não conseguem controlar o desejo e impulso sexual, chegando a ter, muitas vezes, vário(a)s parceiro(a)s.
“O termo [ninfomania] surgiu numa época em que as mulheres reivindicavam vários papéis sociais e está historicamente associado à necessidade de classificar e patologizar [classificar como doença] a expressão sexual feminina considerada não habitual, bizarra ou estranha. Contudo, esta designação não se utiliza atualmente na área da sexologia”, começa por explicar Patrícia Pascoal.
A personagem principal do filme de Lars von Trier, Joe, é interpretada por Stacy Martin (em jovem) e Charlotte Gainsbourg (em adulta), uma ninfomaníaca que é encontrada na rua, ferida e desamparada, por Seligmann (Stellan Skarsgard). Ao oferecer-lhe guarida, Seligmann acaba por ouvir o seu testemunho – que permitirá saber o motivo da agressão: o descontrolo do desejo e do impulso sexual. E assim começa o desenrolar de uma história que ultrapassa a grande tela e se posiciona no mundo real: como Joe, existem várias mulheres com este diagnóstico.
Segundo a psicóloga e sexóloga clínica Patrícia Pascoal*, “a avaliação clínica deve ser feita tendo em conta a componente obsessiva ou a dificuldade de controlo de impulso, expressos em alguns comportamentos e rituais (que se manifestam na sexualidade como se podem manifestar noutras áreas)”.
No filme, Joe conta que agiu de modo intransigente com o objetivo de obter satisfação sexual e que chegou a participar numa competição: a pessoa com mais parceiros sexuais durante uma viagem de comboio recebia um saco de guloseimas como prémio.
O choque com o ideal da sociedade
De acordo com Patrícia Pascoal, “nos casos em que há um pedido de ajuda por existir sofrimento associado a uma sexualidade ‘exagerada’, é imprescindível, antes de pensar numa intervenção ou patologização, perceber se existe sofrimento individual ou interpessoal associado à severidade de sintomas que interferem com a vida da pessoa, ou se não estamos somente perante um pedido de ajuda por a pessoa sentir que o seu comportamento ou desejos não correspondem a um ideal normativo, isto é, uma expectativa social do que é e deve ser a sexualidade individual”.
Já o psicanalista austríaco Sigmund Freud defendia, nos primórdios do século XX, que “é quase impossível conciliar as exigências do instinto sexual com as da civilização”. Surgia, assim, uma nova compreensão do ser humano: um animal dotado de razão imperfeita, influenciado pelos seus próprios desejos e sentimentos, ficando atormentado quando esses impulsos e a vida em sociedade chocam entre si.
E se é a sociedade que nos incute as normas consideradas éticas e morais, esta acaba também por ter um papel preponente na forma como os indivíduos com compulsão sexual se sentem no interior dessa mesma sociedade.
O confronto com o sexismo
O estudo “Diagnosis, assessment, and treatment of hypersexuality”, publicado no The Journal of Sex Research, em 2010, conclui que a maior parte dos pacientes que se apresentam para o tratamento de compulsão sexual são do sexo masculino. Além disso, refere que os padrões de comportamento dos homens são diferentes dos das mulheres, com estas a terem menos parceiros sexuais.
São raros os famosos que assumem publicamente o vício de manter relações sexuais com uma regularidade acima da média. Contudo, a maioria pertence ao sexo masculino. É o caso de Michael Douglas, que foi uma das primeiras celebridades a falar do assunto no início da década de 1990. Já o jogador de golfe Tiger Woods viu o seu caso ser divulgado na imprensa mundial em 2009, tendo estado internado e reconhecendo que tinha dormido com mais de 121 mulheres diferentes. O famoso agente do FBI da série Ficheiros Secretos, David Duchovny, por exemplo, revelou ter estado internado numa clínica por ser viciado em sexo.
Por sua vez, Lindsay Lohan foi internada algumas vezes em clínicas de reabilitação onde reconheceu ser viciada em sexo, acrescentando que odeia dormir sozinha.
Questionada sobre a possível existência de sexismo na maneira como o tema é abordado na sociedade, tendo em conta que a palavra “ninfomaníaca” (mulheres) é mais conhecida do que “satiríase” (homens), Patrícia Pascoal começa por referir que o termo “ninfomania” nos dá uma visão negativa da sexualidade feminina. No entanto, relembra que “outras designações – como por exemplo, a adição sexual que é retratada no filme ‘Shame’ de Steve McQueen – são habitualmente associadas ao género masculino, sendo aí a patologização e o estigma associados ao comportamento do homem”.
Como tratar?
Torna-se, por isso, emergente regular socialmente os comportamentos diversos, como é o caso da compulsão sexual. Mas como?
O estudo “Diagnosis, assessment, and treatment of hypersexuality” refere que muitos especialistas clínicos na área recomendam uma abordagem multifacetada para o tratamento, que inclui o ensino de autocontrolo de impulsos, a identificação de situações de risco de recaída, a aprendizagem de mudança de estilo de vida e a toma de medicação adequada. Por sua vez, as terapias podem ser individuais, de grupo e de casal. No entanto, é necessário ter em conta que o tratamento deve advir de uma avaliação completa e deve ser personalizado, tendo em conta as necessidades específicas de cada paciente.
Um conceito que gera (alguma) controvérsia
Apesar de tudo, parece ser ainda difícil criar uma palavra e/ou definição que possa ser utilizada sem estar sujeita a julgamentos morais e tabus da sociedade contra a expressão sexual.
No caso do filme Ninfomaníaca (dividido em duas partes) do realizador dinamarquês Lars von Trier, o desejo sexual insaciável de Joe é retratado de uma forma que vai contra os padrões éticos da sociedade. Na opinião de Patrícia Pascoal, “o filme deve ser visto também tendo em conta a filmografia do realizador e a consistência com que este aborda na sua obra a sexualidade feminina e a associação que faz da expressão sexual das mulheres ao sofrimento, ao sacrifício, à punição externa, assim como à autopunição”.
O conceito continua a gerar controvérsia. Urgem avanços em estudos de comportamentos de compulsão sexual para encontrar uma melhor conceção dos problemas associados.
*Patrícia Pascoal: Especialista em Psicologia Clínica e Sexóloga Clínica; responsável pela Consulta de Sexologia da Faculdade de Psicologia da Universidade de Lisboa e membro da Direção da Sociedade Portuguesa de Sexologia Clínica.