Em pequeninos, falam como uma matraca. Falam na escola, falam em casa, falam no meio da rua alternando entre o eufórico e o ofendido enquanto contam como o Zé lhes passou a bola toda ao contrário ou o João Pedro o ajudou a marcar um golo ou a Joana lhe deu metade do lanche ou a professora disse não sei quê e não sei quê porque não sei quê. Falam tanto que os pais às vezes desligam, vão dizendo hum-hum como os psiquiatras e pensando naquilo que há em casa para o jantar.
De repente, chegados à pré-adolescência, calam-se. Fecham a porta do quarto. Jogam computador e nunca mais ninguém os vê. Os pais desesperam. Afinal, até se esforçam por ser bons pais. Até lhes perguntam como é que correu a escola. Até se esforçam por conversar, como mandam todas as revistas, em vez de estarem a ver a telenovela, como lhes apetecia.
Talvez o problema não seja de raiz mas, simplesmente, de ocasião…
Em pequeninos, o silêncio pouco comum numa criança faladora é de desconfiar. Mas quando chegam à pré-adolescência, é natural que falem menos, porque esta é a altura em que andam muito ocupados a construir um mundo privado. É a altura em que os amigos contam mais do que os pais, e tudo isso não é sinal de grande falta de chá mas do início da preparação para a independência. Respeite a sua reserva: eles estão a dizer-lhe que os pais não podem, nem devem, saber tudo da vida dos filhos, e é preciso saber aceitar esses outros mundos a que não temos acesso.
Por outro lado, esta é uma altura em que, paradoxalmente, eles podem precisar ainda mais dos pais do que em fases anteriores, e eles podem simplesmente não saber como começar a falar do que os preocupa.
Nunca é tarde para conversar
Algumas maneiras de fazer falar os ‘mudos’ são:
– Comece de pequenino – É muito mais fácil que eles mantenham o fio da conversa se sempre estiveram habituados a conversar. Muita gente não troca uma palavra nem dá atenção ao ‘paleio’ dos pequeninos e depois chega aos 9 anos à espera que eles sejam o Marcelo Rebelo de Sousa… Mesmo assim, mais vale tarde do que nunca.
– Limite o computador – Novamente, é mais fácil quando isto é feito desde pequenos, mas também toda a gente sabe que os computadores são uma excelente maneira de os ter calados, e de repente a gente repara que eles não falam… Ora não foi para isso que os pusemos à frente do ecrã? Tire-o de lá para dar uma volta, para irem passear o cão ao parque, andar de bicicleta, ou ir ao cinema. Se não pode mesmo vencê-los, sente-se ao lado dele e jogue com ele.- Não lhe fale só da escola – Muitas vezes, eles não falam connosco porque, basicamente, a nossa conversa não tem interesse nenhum… parece que tudo na vida deles se resume a serem alunos. Se só lhes falamos para perguntar como é que foi a escola, se já fizeram os trabalhos, e se já conseguiram subir a nota a matemática, não é de espantar que não haja muitos candidatos ao debate. Pode começar as hostilidades de forma mais original: “Conta-me qualquer coisa boa do teu dia”, por exemplo.
– Crie ocasiões – A conversa é como um motor (ou enfim… como um motor dos antigos…): precisa de tempo para aquecer. Não é de repente que se cria a intimidade necessária para falar. Por isso é preciso criar espaço para ela: jantem juntos, por exemplo.
– Ocupe as mãos – Não sei se já repararam como é mais fácil para toda a gente conversar quando se tem as mãos ocupadas com outra coisa: a fazer tricô ou a tratar da loiça, a lavar o carro ou a levar compras. Os frente-a-frente (ou pelo menos, os frente-a-frente nacionais) têm quase sempre como resultado que uma das partes acaba por querer bater na outra.
– Retribua – Queixamo-nos de que eles não nos contam nada da vida deles, mas será que nós lhes contamos alguma coisa das nossas? Também não é que a pessoa desate a desabafar ininterruptamente sobre o chefe que tirou o dia para lhe fazer a vida negra, o chato do ‘marketing’ que ninguém atura e a máquina de café que nunca funciona, mas numa casa onde todos falam é menos provável que haja um calado. O importante é retirar o ar de ‘inquérito’ à coisa, e quando estamos desesperadas, geralmente há sempre um tom de desespero a pairar…
– Desactive o amuo – Ai ele não quer falar? Então não fale. Há quem ache graça a fazer finca-pé quando descobre que isso enerva a mãe. “Não falas? Então não fales. Quando quiseres desabafar, estou na cozinha.”
‘Namore’ as crianças
Fala-se muito de não deixar um casamento cair na rotina, mas fartamo-nos de deixar cair na rotina as nossas crianças e nem sequer damos por isso… Qual foi a última vez que saiu a sós com ele sem ser para o levar ou trazer da escola? Qual foi a última vez que deram uma volta ao quarteirão os dois sozinhos, sem irmãos, sem primos, sem stresse, sem ser para irem a casa de alguém ou buscar pão ao supermercado? Talvez já tenha ido a um restaurante caro com o seu marido, mas quando é que levou lá o seu filho? Pois, para eles depois dizerem que não gostam de nada do que lá há não vale a pena? Mas se nunca forem, nunca se vão habituar…