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*artigo publicado originalmente em junho de 2016

1. A mãe-umbigo

As nossas mães e avós defendiam que dar demasiado colo ‘estragava’ os bebés. As mães mais novas acham exatamente o contrário: não só não estraga como os faz progredir na vida.
Tânia Correia, 25 anos, é mãe de Letícia, de 9 meses, e defende que quer aproveitar ao máximo a proximidade com a filha. “Claro que é muito cansativo andar constantemente com a criança. Há dias em que estou exausta, mas a partir do momento em que se segue este caminho está-se sempre com ela.” Diz que, ao contrário do que ameaçavam as adeptas do ‘não estragar’, ela é um bebé muito feliz e muito avançado. “Há quem me acuse de dar muito mimo. As pessoas da geração anterior acham que o excesso de colo cria dependência e se eu estou cansada dizem logo ‘é bem feita, andas sempre com a miúda ao colo’.”
Lamenta a falta de solidariedade das outras mães: “Adoram criticar! Eu até prefiro ter amigas que não sejam mães, porque como não sabem, não se metem. As mães comparam e dão bitaites que nós nunca pedimos. Claro que, se me perguntarem, eu dou a minha opinião. Mas se não perguntarem, não digo nada, mesmo quando as pessoas fazem coisas diferentes das minhas, que não são melhores nem piores.”
Dar de mamar também é todo um mundo de oposição: “A Letícia já não bebe muito leite do meu, mas mantenho essa ligação pelo momento que é só nosso. Vou ter tanto tempo em que ela não vai ter paciência para estar comigo!” Tânia nunca teve esta relação com a mãe: “Eu tinha 2 anos quando a minha irmã nasceu, fui logo ‘substituída’. Fiquei muito mais próxima do meu pai, porque a mãe era aconselhada a focar-se só no bebé. Ainda hoje a minha família acredita que esta proximidade com o bebé causa dependência. Eu continuo na minha. Prefiro dar-lhe toda a atenção do que ter o bebé abandonado a ver televisão.”

2. A mãe de bancada

Também há pais, é certo. E são muitos. Levam os filhos aos jogos e ficam na bancada a gritar ‘remata, João Miguel, remata!’ e, enfim, coisas piores. O pior é quando o jogo deixa de ser um momento de diversão para a criança e se torna uma competição entre os pais.
“Este estilo sempre existiu”, explica a terapeuta Eunice Neta. “A diferença é que no mundo de hoje nós temos muito menos tempo e estruturamos todo o tempo livre das crianças, e estas atividades promovem muito a competição.”
Há pessoas altamente competitivas, pois há. “É um estilo de educação, mas já está provado cientificamente que a aprendizagem cooperativa tem muito melhores resultados a todos os níveis.” Por outro lado, o ritmo de vida que vivemos não ajuda ao estabelecimento de relações de cooperação. “Mais facilmente os pais fazem de motorista de eventos sociais dos filhos do que ficam todos de pijama a limpar a casa em conjunto. E como os pais ‘se sacrificam’ pelos filhos, os filhos têm a obrigação de ‘retribuir’ com notas e golos.”
Então o que é que devemos fazer? Abandonar a bancada? Talvez apenas abandonar a ‘competição’. “Quem nos disse a nós que eles precisavam de nós lá, dessa pressão, de público? Uma coisa é jogar pelo prazer do jogo: o desporto ensina-nos muita coisa. Que nem sempre marcamos golo, que não faz mal falhar jogadas, que é preciso cumprimentar o adversário mesmo quando ele ganha. Mas não é preciso troféus para nada disso.”
Então mas sem competição eles não se preparam para a vida, dizem estes pais. Eunice discorda. “Temos tudo a ganhar em educarmos as crianças à imagem do futuro que gostaríamos de ter: mais solidário, menos competitivo e mais cooperativo. A parentalidade hoje é um palco, e nós queremos que eles representem o papel que idealizámos para eles. Mas acredito que vivemos uma era de autenticidade e que cada vez mais vamos caminhar no sentido de conhecer melhor os nossos filhos.”

3. A sem-género

A polémica estalou a propósito dos inocentes brinquedos das refeições ‘Happy Meal’ da McDonalds. Geralmente, a cadeia oferece brinquedos para menino e para menina. Em 2014, a empresa decidiu que isto era uma discriminação de género e anunciou o fim da diferenciação, mas em Portugal os brinquedos continuavam ‘azuis’ ou ‘cor-de-rosa’, e muitos pais se indignaram.
Confrontada com isto, a McDonalds anunciou que vai mesmo acabar com esta distinção, mas a discussão continuou nas redes sociais. Afinal, brinquedos de menino e de menina sempre houve e deve continuar a haver e não é por isso que vamos ficar todos preconceituosos, ou deve ser tudo ‘comunitário’ sem decidir pelas crianças o que deve ser para eles e para elas?
“Não percebo qual é exatamente o problema de os meninos gostarem de umas coisas e as meninas de outras, desde que não seja por imposição”, escreveu a propósito a blogger Ana Garcia, a ‘Pipoca mais doce’.
“Quase que juraria que a maioria de nós, mulheres, brincou com bonecas, e que a maioria dos homens brincou com bolas e carros. Que influência negativa é que isso teve em nós, exatamente?”
De qualquer maneira, se a discussão serviu para criar pais e mães menos preconceituosos, já terá valido a pena.
E pelo menos estamos numa era em que algumas lojas de brinquedos já passaram a fabricar aspiradores de brincar e baldes de limpeza… azuis. Porque os rapazes pediam. Enfim, não se sabe bem até que ponto é que isto não é preconceito ao contrário, mas se servir para mais rapazes conseguirem brincar em paz com o aspirador, também já valeu a pena.

4. A blogger

“O blog apareceu para ‘libertar’ os meus amigos do Facebook de tantas fotografias babadas das minhas filhas”, responde Ana Lemos, criadora do ‘Cacomae’. O nome do blog, já agora, vem da junção das primeiras letras do nome das filhas, Carlota e Concha (a que entretanto já se juntou a Caetana).
“Começou por uma brincadeira e tornou-se numa paixão que adoro todos os dias fazer.” Ana não é, nem por sombras, a única a seguir esta ‘paixão’. Em tempo de filhos únicos e crianças escassas, ser mãe tornou-se um universo de partilha onde a maternidade é uma condição e um orgulho: fala-se de coisas diferentes segundo o tipo de blog. Há as ‘mommy bloggers’ que dão conselhos, as que postam fotografias, as que relatam o dia a dia, as que oferecem ideias de moda, as que fazem tudo isto. Mas há dias em que parece que já não há mãe que não tenha blog.
“Eu própria já seguia alguns blogs antes de ter o meu”, conta Ana Lemos. “Principalmente estrangeiros. Hoje em dia continuo e sigo muitos mais e portugueses.” Defende que um blog é uma ajuda para as mães: “Muitas das minhas seguidoras gostam exatamente por se identificarem com a forma de vida que temos, com as experiências, dicas e marcas de roupa que mostro para elas e para os seus filhos.”
Algumas mães criaram o seu blog precisamente por sentirem algum tipo de falta nalguma área. E assim se junta álbum de família particular e partilha de experiências coletiva. Foi o caso de Filipa Lemos, do blog ‘My Happy Kids’. “Quando fui mãe havia muito pouca coisa acerca de moda infantil e de decoração. O blog surgiu para colmatar essa falha e ajudar outras mães que se identificam com as minhas escolhas, para além de ter um papel de repositório de memórias familiares e álbum digital dos meus filhos.”
E não tem medo de expor as crianças na net? “A decisão de partilhar imagens nossas foi consciente e tenho por isso cuidados redobrados, para preservar a sua segurança. Não sinto que estejam mais vulneráveis do que outras crianças.” Então e quando as crianças crescerem e já não quiserem ser fotografadas, como é que vai ser?
“Vou respeitar a sua vontade, aliás o meu filho mais velho já aparece bastante menos. Os temas do blog manter-se-ão: moda, decoração e nutrição para mães e filhos, a forma de os apresentar é que naturalmente será alterada.”

5. A mãe quase vegetariana

Gabriela Oliveira não é quase: é mesmo totalmente vegan. Mas conhece muitas mães que estão ‘lá quase’. É vegan há quase 19 anos, e quando teve filhos – hoje com 16, 10 e 5 anos – manteve os mesmos princípios na sua alimentação. Como não encontrou nada sobre isso à venda, deitou mãos à obra e escreveu o primeiro livro em Portugal sobre alimentação vegetariana para crianças, agora reeditado e revisto. (‘Cozinha vegetariana para bebés e crianças’). Foi o primeiro de três livros sobre o tema.
“Hoje há cada vez mais pais vegetarianos ou semivegetarianos, isto é, não entram totalmente numa alimentação vegetariana mas já incluem muito mais pratos de vegetais no dia a dia. E isso provocou muito mais interesse no vegetarianismo. Também há mães que começam a ter uma alimentação mais vegetariana por causa dos filhos: porque querem uma alimentação mais saudável ou as crianças têm alergias.”
Lá em casa não entram 4 coisas – carne, peixe, leite e refrigerantes. Gabriela é vegan, mas deu aos filhos a opção de comerem ovos e queijo.
Na escola, há três situações: o mais velho vem comer a casa, a do meio leva, e o mais novo leva uma opção de proteína, que come com o acompanhamento da escola. Até agora, nunca quiseram experimentar a comida dos outros. “Para eles, a carne não é um alimento, é um pedaço de um animal. São mais os outros a quererem provar a comida deles.” Ao contrário do que se pensa, é uma comida muito saborosa e fácil de fazer. Tem de se combinar um cereal com uma leguminosa, por exemplo arroz com feijão, e depois acompanhar com legumes, como brócolos. Não são ‘acompanhamentos’: é uma refeição completa.
Nunca teve medo em relação aos filhos. “Há milhares de crianças em todo o mundo que crescem saudavelmente sendo vegetarianas. Claro que qualquer regime alimentar deve ser seguido por um médico, tal como os meus foram.” E é claro que, como todas as crianças, há coisas de que não gostam: ‘Nabiças e grelos” (risos). ‘Mas se for qualquer coisa que eu ache indispensável, vou insistindo. É preciso os pais insistirem, e variarem. Por exemplo, passamos o dia a comer o mesmo alimento, o trigo: cereais, pão, bolachas, massa… Já nem pensamos do que é que as coisas são feitas, porque a indústria alimentar não está interessada em que se saiba.”

6. A mãe ‘mindful’

Mindfulness – de certeza que já ouviu esta palavra. Agora queremos todas ser assim, e as mães não são exceção. Mas afinal, o que é ao certo uma mãe mindful? Mikaela Öven, formadora de pais e autora do livro ‘Mindfulness e Parentalidade Consciente’, explica-nos: “Ser uma mãe mindful é uma mãe que consegue estar plenamente presente em cada momento e ver as coisas como elas são.” Por exemplo: “Imagine uma birra no shopping. Uma mãe mindful não se vai preocupar muito com a opinião dos outros, não vai pensar que aquilo é embaraçoso. Põe as coisas em perspetiva, olhando para cada situação limpa de julgamentos. É tranquila, não faz drama. Não vê as coisas pelos olhos dos outros, o que é uma espiral negativa e stressante e só piora a relação com a criança.” Outra palavra-chave do mindfulness é aceitação, em vez de resistência. “Se eu resistir àquela birra, só vai piorar. Se eu conseguir estar em paz com aquele momento, se conseguir ver a birra sem filtros nem julgamentos, vou conseguir decidir o que fazer. Aceitação não é resignação ou não fazer nada ou fazer o que a criança quer. Aceitação é manter a mente clara para ver o que é mais certo naquela altura.”
Hmmm. E como é que chego lá? Mikaela ri-se. “É um trabalho contínuo e diário de respirar fundo, de autocuidado, de treino da atenção. Uma coisa muito simples é parar para pensar na respiração algumas vezes por dia. Posso aproveitar o tempo em que estou a pentear o cabelo e concentrar-me nisso, em vez de pensar em mil coisas num segundo. Devemos aprender a fazer o que estamos a fazer. Tantas vezes não estamos plenamente a brincar com o filho, sem estar a pensar no jantar ou no dia seguinte. Ser mindful é ser uma mãe presente, no presente.”

7. A Pós-helicóptero

Superproteger as crianças parece que já não está a dar. Pelo menos para Susana Santos, 39 anos, que foi mãe há dois anos do Miguel e percebeu que a maternidade lhe tinha dado acesso a um mundo que ela odeia.
“Penso muitas vezes que não quero pertencer ao ‘clube das mães’”, afirma rindo. “Pelo menos àquelas mães que andam em cima das crianças para tudo. No ginásio vejo mulheres com miúdos de 6 ou 7 anos a quem ainda dão banho e calçam! E olham para mim de lado quando dou uma palmada na mão ao Miguel quando ele faz uma birra.”
Afirma que não quer ter um filho malcriado, mas que é com isso que se confronta todos os dias: filhos malcriados de mães que não os corrigem. “Ando a ensinar o Miguel que não se passa à frente de ninguém, que deve esperar pela sua vez no baloiço, que não pode empurrar os outros, mas depois há pais com miúdos hooligans, principalmente os mais velhos, que fazem tudo ao contrário. Vejo os pais sentados nos bancos de braços cruzados enquanto os filhos se comportam como animais. E o que é que eu ensino ao meu filho? Que deve dar a vez mas se lhe passarem à frente, que lhes bata?”
Afirma que ‘gostava de não ter de adaptar a educação à selvajaria constante’, mas por enquanto vai ensinando ao Miguel as boas maneiras que gostava que ensinassem aos outros.

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