*artigo publicado originalmente em março de 2016
Alexandra, 40 anos, sempre foi uma mulher belíssima, magra, mas com as curvas certas no lugar certo, umas pernas que não acabam e um cabelo lindo, castanho escuro, que faz sobressair os seus olhos verdes. Escusado será dizer que pretendentes nunca lhe faltaram nem propostas para se inscrever em cursos de modelos. Mas o seu objetivo era tirar o curso de arquitetura. Tinha 26 anos quando foi estagiar num ateliê onde conheceu Miguel, um arquiteto ligeiramente mais velho, mas, tal como ela, lindo, atlético. A atração foi instantânea, como se uma descarga elétrica brutal lhes tivesse atravessado o corpo naquele aperto de mão quando foram apresentados. É claro que as saí-
das a dois não se fizeram esperar e até iam ao ginásio juntos. Já namoravam há 2 anos quando resolveram viver juntos. Viveram em plena felicidade durante 3 anos, quando decidiram que era altura de ter um filho. Foi quando as coisas começaram a correr menos bem. Depois de um ano a tentar engravidar, a paixão começou a perder a sua espontaneidade. Testes e mais testes, corridas para ter relações sexuais às horas certas… e nada. A cabeça de Alexandra começou a dar um nó e a suspeita de uma traição de Miguel foi a gota de água, ‘desligou do mundo’. Deixou de cuidar de si, de querer ir ao ginásio, sequer de sair de casa, arrastava-se até ao local de trabalho mas não conseguia concentrar-se e
procurou um psiquiatra, que lhe prescreveu antidepressivos. A inatividade, a voracidade por doces e os medicamentos fizeram com que em menos de um ano ela ganhasse quase 15kg. Olhava para o espelho e ficava ainda mais deprimida, procurava no seu reflexo a mulher que tinha sido e o que via nada tinha a ver. A sua relação ia de mal a pior, a intimidade limitava-se a cumprir calendário. O ponto de não-retorno da sua relação aconteceu quando Alexandra estava a experimentar um vestido para irem jantar com amigos e o fecho ficava a meio. Miguel olhou para ela e numa voz fria comentou que era melhor começar a comprar roupa XL porque jamais caberia naquele vestido ou qualquer outro do seu armário. O chorrilho de acusações continuou, que ela se tinha desleixado, que já não se sentia atraído por ela, que odiava agarrá-la e sentir a sua flacidez, que odiava mulheres gordas e que só conseguia fazer sexo porque não olhava para ela. Foi um monólogo que terminou com Alexandra a sair de casa. Voltariam a falar, mas só para confirmar que a relação estava terminada, jamais poderia perdoar aquelas palavras, tinham sido ditas da forma mais fria e brutal.
Até que a morte ou…a gordura nos separe
Depois de um relacionamento falhado, no qual Dulce, 29 anos, tinha ganho algum peso, resolveu tornar a sua vida mais saudável. Não queria ir para um ginásio nem que a chuva ou o vento servissem de desculpa para não fazer a sua caminhada. Limpou o pó à bicicleta ergonómica, e durante meses acordou religiosamente mais cedo para pedalar 30 minutos. Foi a uma nutricionista e mudou a sua alimentação, perdeu bastantes quilos, o suficiente para sentir a sua confiança voltar e começou a procurar, ativamente, um namorado. O seu primo apresentou-a a um colega de trabalho que, tal como Dulce, tinha terminado uma relação duradoura. Quando se conheceram não foi paixão à primeira vista, “mas tinha sentido de humor. Chegámos a ir jantar juntos e ao cinema umas 4 ou 5 vezes, e foi na última vez, que fomos ao cinema ver um filme com a Sofia Vergara, que ele deixa cair a bomba e diz-me com o ar mais plácido deste mundo que jamais conseguiria namorar com uma mulher com peso a mais. Claro que não ouvi mais nada depois daquela frase, não me lembro, só ouvia aquilo na cabeça, em ‘repeat’. Fui para casa a matutar naquilo e decidi que não ia continuar a sair com ele. Quando me telefonou para sairmos, disse-lhe a razão por que não aceitava. Ele não abriu a boca por uns instantes, depois pediu desculpa, disse que tinha sido honesto e foi à vida dele. Não me arrependo.”
“É difícil recuperar de uma acusação dessas”
Apesar de vivermos numa época em que se dá tanta importância ao aspeto físico, à beleza e juventude, estes dois casos apresentados acima não são assim tão comuns ou não chegam aos consultórios de psicologia. Gustavo Pedroso, psicólogo e terapeuta de casal na Oficina de Psicologia*, afirma que “há poucas pessoas que vêm ao consultório queixar-se que o problema no relacionamento está no facto de um ter engordado. Geralmente, quando há falta de intimidade na relação e se aponta o dedo ao outro por ter ganho peso, isso é apenas o camuflar de outros problemas. No entanto, se houver uma acusação direta, como ‘não me atrais porque engordaste’, é muito difícil recuperar de uma situação como essa. Destrói a confiança, a outra pessoa sente que foi atacada e é muito complicado reverter o que foi dito. É sinal que a relação está muito desequilibrada.
É verdade que o aumento de peso pode ser a causa que separa um casal, sobretudo se eles derem muita importância à aparência, se esta for pré-condição e estiver sempre presente numa relação, o que pode acontecer com pessoas que vivam da imagem, como os modelos, atores, personal trainers…”
Sentimento de injustiça
Um estudo da Universidade do Arizona, nos Estados Unidos, que acompanhou 43 casais, concluiu que aqueles em que um dos membros tem peso a mais e o outro peso normal têm mais conflitos do que os casais em que ambos têm o peso normal. E os conflitos acentuam-se quando é a mulher com peso a mais e o homem com peso normal do que o inverso.
O estudo também refere que quando um membro do casal apoia o esforço de mudança do outro a conflitualidade diminui significativamente.
“Uma coisa é quando há um aumento de peso de 5-10kg nos dois membros do casal, seja porque as condições de vida mudaram, o trabalho é mais exigente, houve o nascimento de um filho, e deixaram de ter tempo livre para ir ao ginásio. Isso é completamente aceite.Outra coisa é quando há um ganho de peso individual na mulher, por exemplo, após o nascimento de um filho, e o parceiro continuar a ter tempo para ele e ela não. Isso é cada vez mais raro mas ainda acontece muito.
As mulheres quando têm filhos deixam de ter uma parte substancial do seu tempo livre, enquanto os homens continuam a poder fazer desporto com os amigos. O ressentimento e um sentimento forte de injustiça que despertam estas situações podem originar maior conflitualidade. Mas no fundo não é por causa de um engordar e o outro não, mas porque um tem mais tempo livre e o outro não.”
Aumenta a balança, diminui a cama?
Quando se olha ao espelho – que é… quase nunca –, Teresa, 34 anos, não gosta do que vê. A má relação com o seu corpo vem dos tempos de juventude, e agora, um casamento, 2 gravidezes depois e 10kg a mais, pouco mudou. Se nos primeiros anos de casada ainda disfarçava o pudor e andava nua à frente do marido, depois passou a ser raro despir-se à frente dele e fugia de qualquer contacto íntimo por pensar que o olhar dele seria sempre de censura. Cada vez que tinham relações sexuais só pensava se ele estaria a reparar na barriga mais saliente, na celulite, no peito que já não tinha a firmeza dos 20 anos… Primeiro começou por exigir a luz apagada, depois a estratégia passou por ir para a cama mais cedo e fingir que estava a dormir. As discussões aumentaram de tom e de frequência, e o marido começou a vir cada vez mais tarde para casa. Foi quando chegaram à conclusão que precisavam de ajuda.
“Os casais não se separam porque a outra pessoa ganhou peso ou porque se desleixou com a imagem, e mesmo quando há desleixo, isso é sinal que há outros problemas por detrás, porque não há valorização, porque não há elogio. No caso da falta de autoestima, as pessoas refugiam-se porque se sentem mal e não partilham com o parceiro, acabando por se fechar muito e só falam nisso quando a situação já está muito problemática, quando a intimidade já não existe. E quando a mulher expõe os seus medos em relação ao corpo, o que geralmente acontece é o homem dizer ‘mas tu continuas atraente para mim’”, conta o psicólogo Gustavo Pedrosa.
E como é que se consegue reverter uma baixa autoestima? “A nível pessoal tem de passar pela diminuição da autocrítica, saber lidar com as emoções negativas e pelo esforço pessoal. No casal passa pela existência do elogio, afeto, compreensão, tolerância, aceitação… mas não existe receita mágica.”
Homem também sofre
Não são só as mulheres que sofrem de baixa autoestima, “diria que há uma mudança cultural, que as mulheres se queixam mais desse aumento de peso pela diminuição da sua autoestima, pois sentem-se mal com a sua imagem, mas também há cada vez mais queixas masculinas nesse sentido”, diz o psicólogo. António, 35 anos, é exemplo disso. Professor de ciências e casado há 8 anos com Filipa, começou a engordar depois de se casar. Pensa ter uns 10kg a mais, não tem a certeza porque recusa-se a subir para à balança que tem lá em casa. Esse é o domínio da mulher, uma entusiasta do ginásio e da alimentação saudável. António é mais amante da cerveja e dos petiscos. Não tinha qualquer queixa da sua vida íntima, até mesmo quando nasceram os gémeos, primeiro foi difícil mas aos poucos a vida reajustou-se. E tudo está bem quando acaba bem? Mais ou menos, foi quando ouviu a mulher a aconselhá-lo a mudar de polo porque lhe fazia a barriga maior que António sentiu-se pela primeira vez ‘barrigudo’. Sabe que a mulher não disse aquilo em tom acusatório, mas fez uma pequena mossa na sua autoestima. Ainda ficou a remoer, desligava as luzes quando tinha relações com a mulher, não tirava a t-shirt, e evitava vestir-se ao pé dela. A mulher percebeu logo que alguma coisa se passava. Quando lhe contou, ela nem queria acreditar e ficou cheia de problemas de consciência. Mas foi graças àquele episódio que António decidiu que estava na altura de se mexer mais, e inscreveu-se em aulas de judo, aproveitou para fazer caminhadas com a mulher quando levavam os miúdos ao futebol e começou a evitar a secção dos queijos e das bebidas no supermercado.
Um contrato mensal
“As mulheres por norma não rejeitam o homem porque tem barriga, os homens é que não sentem a mesma confiança na sua capacidade de atrair a mulher e vão procurá-la menos. Neles, uma baixa de autoestima assenta, acima de tudo, no facto de sentir que o seu desempenho não é o mesmo, no caso da mulher, ela sente-se menos atraente”, sublinha o psicólogo.
“É normal que ao fim de 10-15 anos as pessoas mudem um pouco, não ficamos iguais, e o corpo também muda. Mas uma coisa é engordar 5, 10, 15kg, e isso é aceite na relação, outra é 50kg porque há uma transformação imensa, é uma outra pessoa… a não ser que seja por doença, aí já há maior compreensão. Se for por desleixo, o caso muda de figura.” Gustavo Pedroso diz-se defensor de um contrato, no qual cada um dos membros do casal escreveria uma espécie de declaração de intenções, o que é importante para si, do que está à espera e o que o está a perturbar. Ao fim de cada mês seria revisto e os temas que perturbam a harmonia do casal seriam debatidos: se há uns tempos a mulher era magra e agora engordou, vamos ver o que podemos fazer para ela se sentir bem consigo própria, procurar novas maneiras de viver a sexualidade, um local diferente, um elogio, mudar o paradigma da relação, chegar a consensos. A comunicar é que a gente se entende.
3 PASSOS PARA EVITAR O CONFLITO
Não deixe que a sua relação acumule ressentimento
e acusações:
• Diga o que sente | Quando se tem peso a mais e se quer reverter a situação diga ao seu parceiro exatamente o que precisa: de mais tempo para si,
de mais compreensão, de ajuda no dia a dia…
• Seja uma boa ouvinte |
A pessoa que tem peso a mais não quer ser julgada nem que lhe deem conselhos que não foram pedidos. Se não houver um pedido de ajuda, o melhor é não forçar a conversa nem tecer comentários sobre o que se está a comer. Só vai aumentar o ressentimento. Pergunte como se sente, dê espaço para que a pessoa fale do que a incomoda.
• Procure ajuda profissional | Para conseguir ultrapassar o foco no que é negativo, a ser menos autocrítica, a aumentar a autoestima
e a trabalhar a compreensão,
a tolerância, o elogio.