Psicólogo, sexólogo e consultor no programa ‘Casados à Primeira Vista’, Fernando Mesquita recebe no seu consultório pessoas a quem os ‘tóxicos’ (personalidades perturbadas e que de amorosos nada têm) estragaram a vida. Falámos com ele, para aprender a reconhecê-los.
Comecemos pelo princípio: o que é uma relação tóxica? Assim, de repente, é fácil: “É aquela relação que nos faz sentir mal, que nos suga energia, onde não nos sentimos felizes, onde o parceiro nos está constantemente a criticar, a fazer-nos sentir indesejados”, explica Fernando Mesquita.
Claro que às vezes nos perguntamos: se isto não é bom para nós, como é que há quem caia numa relação destas? E as explicações para escolhermos alguém são muitas: às vezes, fazêmo-lo consoante a nossa experiência de infância. “Há quem tenha tendência a um padrão de escolhas amorosas ligado a experiências passadas com os pais”, explica Fernando Mesquita. “A pessoa pode querer contrariar tudo o que viu e procurar algo totalmente diferente, ou, pelo contrário, concluir que violência é amor.”
Faz sentido: repetimos o padrão que conhecemos, mesmo disfuncional, porque é aquilo que conhecemos. Por outro lado, nem todas as mulheres apanhadas nas teias dos ‘maus rapazes’ vêm de famílias disfuncionais. “Há pessoas com pais saudáveis que caem em relações que não as fazem felizes, porque, infelizmente, muitos dos tóxicos são pessoas fascinantes”, diz Fernando Mesquita.
Por outro lado, o desespero torna-nos vulneráveis. Estamos em tempos de baixa autoestima, em que, apesar de todas as redes sociais, pode ser mais difícil conhecer alguém, e quando se está sedento de amor e carinho é mais fácil cair em qualquer ‘canção do bandido’.
“Houve uma altura em que me apareciam muitas mulheres desesperadas porque estavam a chegar aos 40 e não conseguiam encontrar ninguém”, conta Fernando Mesquita. “E não há nada pior que o desespero para começar uma relação: é como ir às compras com fome, só compramos ‘lixo’. Qualquer pessoa desesperada se agarra a qualquer bocadinho de atenção e sujeita-se a más relações. Mas ter alguém para apresentar à família ou com quem ter filhos é um sonho poderoso.”
Fique atenta aos primeiros sinais
Além de trabalhar a autoestima, construir uma sólida rede de amigos e perceber que não tem de estar numa relação para ser feliz, o principal conselho é mesmo estar atenta aos primeiros sinais de alguém tóxico: se a pessoa é demasiado encantadora mas depois se transforma, se quer controlá-la, se a afasta dos seus amigos, se começa a criticá-la… “Esteja atenta aos sinais que vão surgindo, saiba que não podemos mudar ninguém, por isso não entre numa relação se houver sinais de que aquela pessoa não é a indicada para si”, explica Fernando Mesquita.
Claro que nós não temos nenhum raio-X para os reconhecer à primeira vista, e, como já vimos, até as pessoas mais avisadas podem cair na teia. “O que acontece muitas vezes é a nossa intuição dizer-nos que aquela pessoa não é indicada para nós, mas a paixão cega-nos e põe o GPS da intuição de lado. Mas não há leis: às vezes, a nossa intuição está errada. O meu conselho é arriscar e depois ponderar se queremos permanecer na relação. Os manipuladores funcionam assim: começam a enredar-nos em atenções e encanto, e quando a pessoa já está completamente dependente minam a nossa autoestima e a nossa rede social. Numa terceira fase, se o manipulador sente que a pessoa já não lhe dá o que ele quer, parte em busca de uma próxima vítima.”
Os ‘tóxicos’ não são todos iguais
Às vezes, o que é muito tóxico para mim pode não ser para outra pessoa. “Por exemplo, há quem ache insuportável um menino da mamã e quem o suporte”, explica Fernando Mesquita. “Mas os manipuladores são muito perigosos, porque nos deixam a autoestima de rastos e nos tornam totalmente dependentes. Depois há os ‘só amigos’, que nunca desenvolvem uma relação, e os ‘fantasmas digitais’, que encontramos na net e depois desaparecem sem deixar qualquer contacto.
O que é que torna alguém numa pessoa tóxica para o resto da Humanidade? Nasce-se já ‘tóxico’ ou torna-se ‘tóxico’? “Há questões ligadas à educação, depois há mitos como ‘amar é sofrer’, experiências amorosas por que vamos passando e nos transformam, tornando-nos mais inseguros e mais alerta.”
Há quem defenda que não podemos mudar a nossa personalidade amorosa, tal como não conseguimos mudar a cor dos olhos, mas a ideia é que tudo na vida nos transforma e nos molda.” E, portanto, podemos acreditar que esta pessoa é assim comigo mas pode não o ser com outra. Isto acontece muito, as pessoas ‘alimentarem’ os defeitos uma da outra.”
O ciumento é um dos ‘tóxicos’ mais comuns e mais devastadores. Mas nem todo o ciúme é considerado tóxico, e haver algum é normal em todas as relações. “O problema é quando se torna patológico, ou seja, quando, contra todas as evidências de que o nosso medo não é real, insistimos naquilo que tememos e criamos ali um ‘complot’ e uma ficção em que acreditamos”, explica Fernando Mesquita.
Sair de uma relação que não nos faz feliz
Agora, que já passámos algum tempo com aquela pessoa e que finalmente descobrimos que não nos faz bem, devia ser fácil abandonar a relação. Não é. E também aqui as razões podem ser muitas: “Há pessoas emocionalmente dependentes, com baixa autoestima, e as pequenas migalhas de amor que recebem parecem-lhes um manjar”, adianta Fernando Mesquita.
E muitas vezes acontece isto: uma relação de ‘migalhas’ torna-se viciante, porque estamos sempre à espera do próximo minúsculo ato de amor. “Ou seja, quando não existe um reforço contínuo, como na experiência de Pavlov, o cão saliva muito mais. No amor acontece a mesma coisa. A adrenalina é viciante, e uma relação onde existem este picos é muito mais viciante do que uma relação de duas pessoas acomodadas.”
Outras vezes pensamos, ‘se já estive cinco anos com esta pessoa, não vou deitar tudo para o lixo’, ou ‘mais vale isto que nada’, ou ‘depois não vou conseguir encontrar alguém’. “Mas eu nunca digo a ninguém ‘deve abandonar esta relação’. “O que o terapeuta faz é trabalhar a autoestima e os apoios sociais da pessoa, ou seja, torná-la menos dependente do ‘tóxico’ para que perceba que não está sozinha. O problema é que ela acha que não tem mais nada além dele e isso vai torná-la a ela própria tóxica, porque espera tudo da outra pessoa, e ninguém pode dar tudo. Tornamo-nos mais frágeis mas também mais exigentes.”
Como se desenredar
E então, sair ou ficar? “Deve refletir sobre a sua situação, se acha que faz sentido permanecer ou se do outro lado há espaço para alguma mudança”, conta Fernando Mesquita. “Porque nem todas estas personalidades são estanques, e às vezes aquilo que somos com uma pessoa não somos, ou não somos tanto, com outras.”
Portanto, se já estiver enredada na teia, o conselho do psicólogo é este: “Tenha uma conversa sincera com o parceiro, ponha o assunto em cima da mesa, e se acharem importante, procurem ajuda. Se o outro não se mostrar disponível, questionar se queremos permanecer numa relação deste tipo.”
E uma coisa é ajudar-se a si, outra ajudar os outros. Às vezes temos uma amiga entalada numa relação destas e não sabemos como ajudá-la. “Comece por arranjar estratégias para que ela tenha uma rede social: leve-a para o ginásio, para jantares de amigos”, aconselha Fernando Mesquita. “Mas não adianta dizer-lhe duas coisas: ele não é a pessoa indicada para ti (porque ela já sabe) e dizer-lhe o que fazer. Só estaremos a criar ainda mais sofrimento. É como alguém que está deprimido: essa pessoa não precisa que lhe digam ‘sai disso’. Isso só vai culpabilizá-lo mais. O que podemos fazer é estar lá para ele, e dar-lhe estratégias para que ele consiga lidar com a situação, se assim o desejar.”