Um livro com o nome “Com,o fazer para acontecerem coisas boas” pode parecer banha da cobra. Ainda por cima, tem a arrogância de não ser uma pergunta. É mesmo assim: uma afirmação. Somos logo levados para as teorias do ‘pensar positivo faz com que os seus desejos se realizem’ e outras que tais. Depois, li o livro. E percebi que o título é excelente em termos de marketing, mas tinha o efeito inverso no que diz respeito ao conteúdo – de fazer soar a campainha de alarme. Às primeiras páginas, já não me soava banha da cobra, o que seria estranho vindo da sua autora, uma psiquiatra, licenciada pela Universidade de Navarra e que trabalha no Instituto Espanhol de Investigações Psiquiátricas em Madrid, centrando-se essencialmente no tratamento de pessoas com ansiedade, perturbações de personalidade e terapias familiares.
A minha primeira pergunta a Marion Rojas Estapé acabou por ser mais pessoal do que pensava – é que de algum modo o que lera mudara algo na minha vida e eu queria saber porquê.
Contei-lhe que, com a leitura do seu livro, tinha passado, a estar mais atenta ao hábito de fazer mais do que uma coisa ao mesmo tempo – responder a uma colega enquanto teclo com alguém no Messenger, ouvir um podcast com uma entrevista enquanto escrevo um artigo, falar com a minha mãe ao telefone enquanto respondo a um email – e dei por mim a conversar com a psiquiatra espanhola sobre o que a motivou a escrever este livro. “O que me dizes é o exemplo de uma pessoa que, de repente, toma consciência de algo e é isso que eu quero fazer com este livro – que as pessoas tomem consciência porque acredito que compreender é aliviar.”
‘Tornar consciente’ é uma expressão chave do discurso de Marion, que, ao falar neste caso da apologia nas sociedades moderas do multitasking, se mostra uma severa critica: “Recebemos tanta informação, vivemos hiper estimulados, de todos os lados, de tal maneira que é impossível assimilar tudo, mas acreditamos que uma forma de o conseguir é fazer muitas coisas na nossa vida ao mesmo tempo. Porém, além de nos sentirmos esgotados e de ficarmos com menor capacidade de prestar atenção, estamos a perder a capacidade de dar atenção ao que realmente vale a pena, seja o nosso casamento, o nosso trabalho, os nossos filhos, os nossos amigos. A pessoa que triunfa no século XXI é a pessoa que sabe filtrar tudo o que lhe chega e escolher o importante. E não podemos esquecer que a criatividade nasce dos momentos de calma. – Newton, conta a história, estava debaixo de uma árvore quando lhe caiu uma maçã na cabeça e descobriu a teoria da relatividade.”
E voltamos ao início: o motivo de ter escrito este livro. “Dei várias conferências em todo o mundo sobre este tema e, no final, as pessoas diziam-me ‘que pena que não tenha escrito um livro para eu mostrar à minha irmã ou ao meu marido – escreva um livro’; depois, porque faz sentido ter um livro que sirva de base ao trabalho com os meus pacientes, a quem explico tudo e dou-lhes livros para ler, mas queria um que englobasse tudo.” Se é um livro de autoajuda? Marion sorri: “Hoje a expressão autoajuda tem uma conotação muito má. Porque nesse grupo entrou de tudo, do bom e do mau. Para mim, é um livro que inspira e que ajuda a entender o nosso cérebro e a forma como ele funciona Defino-o mais como um ensaio, mas não existe uma categoria para isso”.
“Como não estamos conectados com o nosso lado interior, temos de preencher o vazio, com coisas, com redes sociais.”
Inequívoco é que, na maneira como aborda estes temas, entra a sua formação de médica psiquiátrica: “Não podemos vender a psicologia positiva como solução para tudo”, afirma. E daí a preocupação de apresentar, nas páginas do livro, dezenas de referências a investigações científicas na área das neurociências, que mostram, por exemplo, a relação entre a sobrestimulação da produção de cortisol (uma hormona ligada ao stresse) e os processos inflamatórios do corpo. “As pessoas desejam Ciência, afirmações com base científicas, se não for assim acham que estão sujeitos a modas, a influências e temos é que procurar a verdade das coisas. Quais são os factos? Estamos saturados de tanta informação. Quero ir a França, pesquiso tudo na Internet e, no final, falo com um amigo que lá está e pergunto-lhe os melhores sítios para ir.”
Como gere o equilíbrio entre a medicação e a terapia e a ideia feita de que os psiquiatras só medicam? Marion reconhece que os fármacos, quando recorre a eles com os seus pacientes, têm como objetivo aliviar, mas não se podem substituir ao esforço interior.“Como não estamos conectados com o nosso lado interior, temos de preencher o vazio, com coisas, com redes sociais. Porém, temos de nos perguntar quem sou eu, o eu quero da vida, quem são as pessoas importantes da vida. Temos de parar para nos contactarmos porque se não conectarmos ficamos doentes.”
Como se dá o primeiro passo? A mexer numa área muito sensível: o nosso sistema de crenças “Mudá-lo é das coisas mais difíceis que existe, porque é a nossa história, a nossa infância, os nossos pais. Traumas, temas religiosos, pais conservadores ou liberais têm um enorme impacto. Integro a realidade de acordo com o meu sistema de crenças. Cada um reage de acordo com a sua história. Uma vez, um jornalista disse-me ‘os psiquiatras são loucos porque só medicam’. Isso a mim afetou-me. A outra psiquiatra se calhar não. Porque os nossos sistemas de crenças são diferentes.”
“Aspiro a que as pessoas parem e pensem”, diz Marion. “Que se conheçam – isso é o início da superação
Quais são os sinais de que não interpreto bem a realidade ou que o meu sistema de crenças me devolve uma imagem distorcida de mim ou do mundo? “Perguntar que coisas nos fazem sofrer. Quais são os meus fatores de stress? O que me rouba o equilíbrio? Atos sociais? Temas de dinheiro? Temas de saúde? O meu chefe? A minha sogra? Que temas de conversa não suporto? Quais me geram ansiedade? Os nossos fatores de stress e sistemas de crença limitantes devem ser identificados porque só assim podemos agir sobre eles.” Ou seja, não menosprezar os sinais que o nosso corpo nos dá: o coração a bater mais depressa quando tenho de falar em público, as mãos a suar quando vou ter de dar um “não” a alguém que me fez um pedido, a vontade de ficar debaixo dos lençóis porque me espera um almoço em família. Tudo isso são sinais de onde mora o nosso desconforto.
“Aspiro a que as pessoas parem e pensem”, diz Marion. “Que se conheçam – isso é o início da superação. Isso muda tudo. Mas se não sei porque estou cansada, triste, ansiosa, porque olho para o meu marido e já não o suporto, tenho de fazer uma reflexão, se calhar saber se preciso de mais carinhos, pode ser que esteja sobrecarregada, mas não lhe digo o que sinto sendo que, por putro lado, estou à espera que ele perceba… A consciência de limitações, das barreiras e dos medos é um passo importante na capacidade de gerir emoções”
Se este é o primeiro passo – conhecer-me e compreender – o terceiro é, como diz no livro – a aceitação. A aceitação das nossas limitações. Dos nossos erros e imperfeições. Para chegarmos à nossa/sua melhor versão (SMV), como define Marion, temos de tomar consciência de que as nossas decisões condicionam a nossa vida. “E por isso mesmo descobrir o que é importante para si, quais são os seus talentos, para onde quer seguir e manter o foco, mesmo quando cai porque o importante é voltar a levantar-se.” O foco consegue-se com paixão e entrega.
Para isso, Marion tem uma fórmula SMV: Conhecimento + Vontade +Projeto de Vida X Paixão. Porque, além dos dois primeiros, temos de saber para onde queremos ir, onde queremos chegar e vivermos esse processo com entrega.
E voltamos à afirmação que ouvi de Marion numa conferência: “90% das pessoas que dizem que não se passam coisas boas é porque estão sabem o que querem que se passe.”
“Se não sabemos o que queremos da vida, o nosso cérebro apenas vê o que está dentro do nosso coração. Uma grávida vê carrinhos de bebé por todo o lado, se alguém está de muletas, começa a reparar noutras pessoas que também usam muletas. O sistema reticular do nosso cérebro filtra tudo o que nos chega e dá-me o que me interessa, o que está no centro da minha atenção. O que o coração vê de verdade, o cérebro mostra-lhe. Não por artes de magia, mas porque o cérebro tenta unir tudo o que existe e que pode ir ao encontro das minhas emoções e desejos.”
Conclusão: a felicidade é algo que se trabalha. “Eu decido se esta realidade me interessa. Dou-me conta de qual é a minha narrativa e que a quero mudar. E mudo a realidade com o que observo. E o otimismo pode-se de facto aprender. Ao mudarmos a nossa visão, mudamos a nossa a saúde e a nossa relação com os outros muda. E encontramos a nossa melhor versão.”
“Como Fazer para Acontecerem Coisas Boas”, editora Planeta, 15,98