Foto Pexels/Ksenia Chernaya

Sim – e não. E não há nada de errado nisso. Andamos a dizer às crianças que elas são ‘especiais’ mas estaremos a criar gente verdadeiramente especial ou uma geração pouco habituada ao esforço?

O caso aconteceu no ano passado, e deu escândalo nos Estados Unidos. Na exclusiva escola privada de Wellesley, Massachusetts, quando, como é habitual, um dos professores subiu ao estrado para fazer o discurso de encerramento do ano, o texto não foi exatamente o que se esperaria.
Pais e filhos não estavam preparados para a bomba lançada pelo professor David McCullough, dirigindo-se aos alunos: “Vocês não são especiais. Vocês não têm nada de excecional. Vocês têm sido apaparicados, elogiados, protegidos, festejados e resguardados toda a vida. Vocês preferem palmadinhas nas costas ao verdadeiro esforço e ao verdadeiro resultado.”

Em estado de choque, a nação dedicou muitas páginas a debater a ‘lebre’ levantada pelo professor de inglês.
Afinal, depois de anos e anos a dizer às crianças que são ‘especiais’, agora voltam a não ser? No livro ‘A Armadilha da Autoestima’, a psicóloga Polly Eisendrath explica ‘a importância da normalidade’ e defende que o facto de os pais passarem a vida a dizer às crianças que são especiais está a torná-las egoístas, irrealistas e arrogantes, tudo porque os pais vivem no pavor de terem crianças ‘normais’.”

“É uma questão complexa”, reflete o psicólogo Richard Weissbourd, na revista ‘Psichology Today’. “É importante mostrar às crianças que de facto são especiais. Mas é perigoso fazer disto a base da educação. As crianças podem sentir que são melhores do que as outras, não em coisas particulares mas de um modo geral. Podem tornar-se frágeis, ansiosas e com muito medo de errar.” O desafio é, então, ajudar as crianças a perceberem e desenvolverem aquilo em que são boas, sem as tornar arrogantes nem vaidosas.

Aprender a perder
“Quando o meu filho estava no secundário, lembro-me de ir assistir a um dos espetáculos da banda lá da escola, que não era muito boa”, recorda o jornalista da CNN, LZ Granderson.
“Que é que achaste”, perguntou-me ele no fim. “Uma boa porcaria”, disse eu com um sorriso. “Somos mesmo maus, não somos?”, concordou ele. E desatámos os dois a rir-nos tanto que as lágrimas até nos caíam pela cara.” A cena levou o pai à reflexão sobre aquilo que dizia aos filhos. “Os pais não ajudam as crianças quando estão constantemente a dourar os falhanços para proteger os seus sentimentos.
Para aprender a ganhar, uma criança tem de aprender a perder.” E para aprender a perder têm de ganhar aquilo a que os nossos avós chamavam ‘estaleca’: “Se as crianças não conseguem lidar com a competição ou aprender a aceitar uma crítica, ou nunca se esforçarem por serem melhores porque os pais sem crer os programaram para acreditar que já são os melhores, mesmo quando não são, arriscam-se a ter a vida complicada.” Ou seja, os pais e professores devem inspirar nas crianças o prazer de aprender por aprender, viver por viver, ler por ler, sem ser pela preocupação de ter uma boa nota ou um elogio.
Enfim, o próprio jornalista assume que passa a vida a elogiar o filho, com um pequeno acrescento. “Digo sempre ao meu filho que ele é absolutamente fantástico para mim e para a mãe e para a família e amigos mas que todo o resto do planeta não se podia estar mais nas tintas. Isto não é cruel. É assim que as coisas são: toda a gente é especial para alguém, ninguém é especial para todos.”

A geração do Merecimento
Será que estamos a passar da geração do elogio à geração do esforço?
“A minha amiga Kristen contou-me hoje que tirou os filhos do clube de ténis”, conta a blogger americana Liz Gumbinner, do premiado blog ‘Mom-101’. “Explicação: até as equipas más recebiam um troféu, e essa não era a lição que ela queria passar aos filhos.” Liz concorda. “É fantástico receber um troféu, uma festa, um elogio. Mas têm de ser merecidos. Quero que os meus filhos aprendam a orgulhar-se do que fizeram, sem precisarem de alguém ao lado a dizer-lhes aquilo que são.” Claro que, nota Liz, a cultura da palmadinha nas costas está por todo o lado. Estamos a ficar viciados em ‘likes’, em gente que nos diz ‘Mas tu és fantáááááástica!’ nas redes sociais. Mas isso não é realista e não dá às crianças uma noção do seu merecimento.
A mesma opinião tem a autora do site www.popculturemom.com. “A geração entre os 10 e os 30 é ‘a geração do merecimento’: passaram a vida a ouvir que eram especiais sem fazerem nada de especial para isso.” Afirma que quer que a sua criança se sinta especial: “Mas ser especial é qualquer coisa que se merece, que se trabalha para ser. Não se é ‘especial’ automaticamente. Não quero, daqui a 25 anos, ser o tipo de mãe que diz que o filho não se aguenta no emprego porque o chefe ‘não o compreende’ ou ‘não se sente motivado’.”

Há elogios vazios?
Ao contrário do que se pensa, o mimo e a educação não se excluem, e as nossas ‘princesas’ podem muito bem ser educadas para darem o seu melhor.
O elogio e a recompensa continuam importantes armas educativas. “Poucos nos levantaríamos de manhã para trabalhar se não fôssemos pagos para o fazer”, nota a psicóloga Helena Águeda Marujo, autora do livro ‘A Família e o Sucesso Escolar’. “A educação de crianças e jovens autoconfiantes, responsáveis, seguros e felizes apoia-se mais no apontar do bom do que no corrigir do mau.” Mas é igualmente inútil elogiar indiscriminadamente, o que retira valor à recompensa: “Se o elogiarmos sobre tudo o que faz, não estamos a ser sinceros e não o ajudaremos a reconhecer que algumas áreas precisam realmente de melhorias.” Afinal, parece que há ‘elogios vazios’ tal como há calorias vazias: só têm açúcar, podem danificar o organismo e não alimentam… Mas tudo isto tem causas e consequências. Afinal, de onde vem a geração do ‘elogio vazio’ e que resultados pode ter?

Não seja escravo dos filhos
Não tivemos o discurso de Wellesley contra ‘os especiais’, mas tivemos uma outra ‘bomba’, lançada há uns tempos por Inês Teotónio Pereira, no jornal ‘I’: “Os filhos de hoje são uma espécie de hitlerzinhos sem bigode, uns verdadeiros déspotas domésticos. A época em que os filhos temiam os pais acabou, e assistimos agora a um período revolucionário doméstico em curso. Hoje, quem manda são os filhos. Os pais foram depostos e vivem sujeitos a uma espécie de escravatura.”

Autora do livro ‘A um metro do chão’ e mãe de seis filhos, Inês recorda como foi criticada por pais indignados, e reforça a sua linha de pensamento: “Temos hoje cada vez menos filhos, e desses a grande maioria são filhos únicos. Portanto, as crianças estão-se a tornar uma relíquia, um luxo e uma preciosidade, algo a ser protegido e mimado a todo o custo.” Ter filhos é agora algo racional, é uma escolha.

“Dantes, adaptava-se as circunstâncias às crianças. Hoje, antes de nascerem já têm o seu reino preparado.
Resultado, a vida dos pais torna-se um inferno porque ficam inseguros. Acham que os filhos são deles, e por isso as vidas deles são as nossas e os sucessos deles são os nossos. Vivemos na angústia de eles falharem ou não terem o que todos os outros têm.” Os filhos devem ter os seus próprios mundos, e os pais os deles. “Pessoas que deixam de viajar, de ir ao cinema, de estar com os amigos, porque não deixam o filho de 12 anos com ninguém…
Isto é uma loucura. Hoje, os pais vão à escola pedir contas aos professores, a culpa nunca é da criança.
Hoje, eles não aprendem a lidar com a frustração, não se magoam, ninguém os obriga a ir para a cama a horas certas, ninguém os obriga a esforço nenhum. Claro que a certa altura as pessoas ficam exaustas, quebram, literalmente fartam-se dos filhos.”

A própria já se recusou a ser motorista dos filhos. “Eles andavam todos no futebol, o que implicava treinos separados aos dias de semana e ao sábado. Tirei-os a todos. Ficaram tristíssimos, mas não dava mesmo.” Acompanhar os filhos às atividades não é bom? “É até ao ponto em que se torna uma escravidão”, defende Inês Teotónio Pereira. “A certa altura aquilo implica tanto esforço de parte a parte que deixa de ser uma alegria e uma brincadeira. O pai começa a ver o sucesso do menino como o seu sucesso e eu vejo treinos transformados em fanatismo onde as crianças não podem estar simplesmente a jogar pelo prazer de jogar. Estarem os pais a aplaudir a criança quando ela marca golo é uma frustração! Claro que é importante apoiá-los, mas mais importante que dar-lhes a mão é eles saberem que têm uma mão para agarrar. Ter lá sempre a mão é desrespeitá-los. A única coisa de que as crianças precisam é amor e carinho. Mais nada!”


AS CRIANÇAS MANDAM
Pelo menos, mandam na televisão: segundo um estudo do Discovery Kids feito no Brasil, 78% das crianças escolhem o que querem ver, e mesmo quando está a família toda em casa 91% das famílias assiste a um canal infantil.

412 CRIANÇAS ENTRE OS 10 E OS 12 ANOS FORAM ESTUDADAS PELA INVESTIGADORA CAROL DWECK. Conclusão: é preferível ajudá-las a lidar com os desafios e mesmo deixá-las falhar do que passar a vida a elogiá-las. Isto requer que pais e filhos aprendam a lidar com a ansiedade e o fracasso.

O que não elogiar: A inteligência, a beleza, a força.
O que elogiar: O esforço, a forma de resolver um problema, o que fez para lá chegar.

UM ELOGIO DEVE SER SEMPRE ESPONTÂNEO.
De outra forma, faz com que a criança, em vez de apoiada, se sinta julgada.
in Naturalchild.org


ABC DO ELOGIO
. Elogie especificamente. Deixe claro o que está a elogiar e porquê.
. Elogie quando o seu filho fez qualquer coisa fora do normal, não por fazer o que é o seu dever todos os dias.
. Seja genuína: as crianças percebem quando um elogio é a sério ou quando é vazio.
. Elogie o progresso não lhe diga que é um escritor fantástico, elogie apenas as 10 páginas que foi capaz de escrever.
. Seja realista: se ele canta pior que um garfo a riscar um prato, porque há de encorajar o sonho de ser cantor? Encoraje um sonho com mais pernas ou garganta para andar.
. Eleve a fasquia conforme o que a criança pode dar. Se pode dar mais do que 10, porquê ficar-se por aí?

Palavras-chave

Relacionados

Mais no portal

Mais Notícias

Salgueiro Maia, o herói a contragosto

Salgueiro Maia, o herói a contragosto

O 17.º aniversário da infanta Sofia em imagens

O 17.º aniversário da infanta Sofia em imagens

Dia da Mãe: celebrar o amor

Dia da Mãe: celebrar o amor

Vencedores e vencidos do 25 de Abril na VISÃO História

Vencedores e vencidos do 25 de Abril na VISÃO História

Portugal faz bem: Margarida Lopes Pereira cria objetos a partir de esponja reciclada

Portugal faz bem: Margarida Lopes Pereira cria objetos a partir de esponja reciclada

Clausura de luxo no novo Lince Santa Clara Historic Hotel

Clausura de luxo no novo Lince Santa Clara Historic Hotel

Pedro Costa demitiu-se do cargo de presidente da Junta de Freguesia de Campo de Ourique

Pedro Costa demitiu-se do cargo de presidente da Junta de Freguesia de Campo de Ourique

Prepare a mesa para refeições em família

Prepare a mesa para refeições em família

HP lança novo portátil Omen 17 e acessórios HyperX

HP lança novo portátil Omen 17 e acessórios HyperX

TAG Heuer Formula 1 acelera para 2024 com Kith

TAG Heuer Formula 1 acelera para 2024 com Kith

Sofia Arruda desvenda o nome da filha

Sofia Arruda desvenda o nome da filha

Princesa Charlotte celebra 9.º aniversário

Princesa Charlotte celebra 9.º aniversário

Microsoft acelerou investimento na OpenAI por receio da Google

Microsoft acelerou investimento na OpenAI por receio da Google

Ordem dos Médicos vai entregar a ministra

Ordem dos Médicos vai entregar a ministra "seis prioridades para próximos 60 dias"

Vencedores do passatempo ‘A Grande Viagem 2: Entrega Especial’

Vencedores do passatempo ‘A Grande Viagem 2: Entrega Especial’

GNR apreende 42 quilos de meixão em ação de fiscalização rodoviária em Leiria

GNR apreende 42 quilos de meixão em ação de fiscalização rodoviária em Leiria

Capitão Salgueiro Maia

Capitão Salgueiro Maia

Os livros da VISÃO Júnior: Para comemorar a liberdade (sem censuras!)

Os livros da VISÃO Júnior: Para comemorar a liberdade (sem censuras!)

Exportações de vinho do Dão com ligeira redução em 2023

Exportações de vinho do Dão com ligeira redução em 2023

Passatempo: ganha convites para 'A Grande Viagem 2: Entrega Especial'

Passatempo: ganha convites para 'A Grande Viagem 2: Entrega Especial'

25 peças para receber a primavera em casa

25 peças para receber a primavera em casa

De Zeca Afonso a Adriano Correia de Oliveira. O papel da música de intervenção na revolução de 1974

De Zeca Afonso a Adriano Correia de Oliveira. O papel da música de intervenção na revolução de 1974

Sony anuncia Reon Pocket 5, um ar condicionado para usar dentro da roupa

Sony anuncia Reon Pocket 5, um ar condicionado para usar dentro da roupa

Regantes de Campilhas querem reforçar abastecimento de água e modernizar bloco de rega

Regantes de Campilhas querem reforçar abastecimento de água e modernizar bloco de rega

A VISÃO Se7e desta semana - edição 1626

A VISÃO Se7e desta semana - edição 1626

Tesla introduz novo Model 3 Performance

Tesla introduz novo Model 3 Performance

Fotógrafa Annie Leibovitz membro da   Academia Francesa das Belas Artes

Fotógrafa Annie Leibovitz membro da   Academia Francesa das Belas Artes

Pigmentarium: perfumaria de nicho inspirada na herança cultural da República Checa

Pigmentarium: perfumaria de nicho inspirada na herança cultural da República Checa

Decoração: a liberdade também passa por aqui

Decoração: a liberdade também passa por aqui

Bar do Peixe: Regressar aonde (sempre) fomos felizes

Bar do Peixe: Regressar aonde (sempre) fomos felizes

Portugal: Cravos que trouxeram desenvolvimento

Portugal: Cravos que trouxeram desenvolvimento

Montenegro diz que

Montenegro diz que "foi claríssimo" sobre descida do IRS

Azores Eco Rallye: elétricos ‘invadem’ as estradas de São Miguel este fim de semana

Azores Eco Rallye: elétricos ‘invadem’ as estradas de São Miguel este fim de semana

João Abel Manta, artista em revolução

João Abel Manta, artista em revolução

A meio caminho entre o brioche e o folhado, assim são os protagonistas da Chez Croissant

A meio caminho entre o brioche e o folhado, assim são os protagonistas da Chez Croissant

Vendi uma segunda habitação. O que posso fazer para beneficiar da isenção de IRS?

Vendi uma segunda habitação. O que posso fazer para beneficiar da isenção de IRS?

25 de Abril contado em livros

25 de Abril contado em livros

Filha de Bruno Santos, do

Filha de Bruno Santos, do "Casados à Primeira Vista", canta no "The Voice Kids"

Cláudia Vieira e as filhas em campanha especial Dia da Mãe

Cláudia Vieira e as filhas em campanha especial Dia da Mãe

Protótipo do Polestar 5 'abastece' 320 quilómetros de autonomia em apenas dez minutos

Protótipo do Polestar 5 'abastece' 320 quilómetros de autonomia em apenas dez minutos

Tapisco: O balcão de Henrique Sá Pessoa tem uma nova ementa

Tapisco: O balcão de Henrique Sá Pessoa tem uma nova ementa

Teranóstica: O que é e como pode ser útil no combate ao cancro?

Teranóstica: O que é e como pode ser útil no combate ao cancro?

Mia Rose e Miguel Cristovinho evitam encontro em aniversário do filho

Mia Rose e Miguel Cristovinho evitam encontro em aniversário do filho

Caras conhecidas atentas a tendências

Caras conhecidas atentas a tendências

Vacheron Constantin traz celebrações a Lisboa

Vacheron Constantin traz celebrações a Lisboa

Parceria TIN/Público

A Trust in News e o Público estabeleceram uma parceria para partilha de conteúdos informativos nos respetivos sites