Não é segredo para ninguém que os telemóveis e as redes sociais nos ajudam muito. Afinal, é provavelmente num telemóvel que está a ler isto (que espero seja uma ajuda e não lixo). Problema: como toda a gente também já reparou, também nos viraram a vida de pernas para o ar.
O mundo digital trouxe-nos um acesso à informação que não tinhamos até agora. Mas de caminho revirou-nos os mecanismos do cérebro, alterando os ciclos da dopamina e da serotonina (que gerem as emoções e as dependências). Falamos nos adolescentes e mesmo nas crianças, mas todos nós somos dependentes: porque o sistema está feito para isso mesmo. Não é um acaso: foi pensado. Todos somos vítimas.
O psiquiatra e psicoterapeuta Augustro Cury é bem conhecido dos portugueses, principalmente devidos aos seus muitos livros. Foi autor da célebre teoria da inteligência multifocal (que defende, basicamente, que não somos seres passivos na construção da nossa identidade e mesmo da nossa memória, e que podemos evitar conscientemente pensamentos negativos sobre nós próprios), desenvolvendo a empatia e quebrando os paradigmas que nos paralisam.
Em ‘Intoxicação digital’, Cury analisa aquilo a que chama ‘o mal do milénio’. Começa por nos explicar mais sobre o funcionamento da mente humana (“nós somos a única espécie que pensa e tem consciência de que pensa”). Mesmo a emoção e o amor não consegue expressar-se sem o pensamento.
Problema: tratamos muito mal desta maravilha que é o cérebro e a grande maioria de nós nem tem noção do ‘lixo metal’ que nos estorva. Como explica Cury: “O leitor tem 24 horas para tomar banho, mas tem no máximo 5 segundos para confrontar e reciclar um pensamento doentio.”
Claro que, como já adivinharam, o mundo digital só vem piorar esta nossa incapacidade de nos reciclarmos constantemente e de estarmos ao comando da nossa vida. Faz-nos gastar muito tempo com aquilo que Cury chama lixo mental e desperdício emocional.
Não sabemos quais são os nossos sonhos, o que faz os nossos filhos felizes, o que podemos fazer para superar as nossas tristezas ou conflitos. Os telemóveis contribuiram para desligar ainda mais os pais dos filhos. O que há a fazer: “Impugnar pensamentos perturbadores, reciclar emoções tensas, reinventar-se no caos, rir dos seus erros suportáveis, ser bem-humorado com as pessoas lentas, ver charme nos defeitos dos outros.”
Cury explica como funciona a memória: sempre que temos poensamentos negativos sobre nós próprios, abrimos ‘janelas traumáticas’ que alimentam a nossa timidez, insegurança, autopunição. Se atuarmos imediatamente dizendo ‘espera lá, não sou nada fraca, estúpida nem feia’, impugnando ideias pessimistas e reciclando emoções angustiantes, estamos a ser criadores da nossa história em vez de espectadores passivos.
Porque é que atecnologia não ajuda? Porque mentes saturadas de informação geram emoções agitadas, dependência e ansiedade. Por isso Cury afirma que todos nós, pais e filhos, fomos traídos pela tecnologia. Achámos que iamos ficar incrivelmente mais informados, mais sábios, mais inteligentes, mais focados, uns super-humanos. O que se vê é uma geração ansiosa, fragilizada e dependente.
O que há fazer? Detox digital (o ideal era durante dois meses, mas talvez seja irrealista. Comece por um fim de semana em que o telemóvel é usado apenas para chamadas).
Parar e olhar para as coisas, falar com os filhos, jantar sem telemóveis. “Não queira ser o mais incrível influenciador. Queira ser o mais feliz, tranquilo e relaxado.”
Para ler: ‘Intoxicação digital’ – Augusto Cury, Pergaminho, E13,95