Para quem não sabe, o que é que vocês fazem na Associação Alzheimer?

A nossa missão é melhorar de muitas maneiras a vida das pessoas que vivem com demência e as suas famílias. Como associação, tentamos empoderá-las, priorizar a demência a nível nacional e euroeu, e somos também formadores certificados. Também fazemos muito trabalho em comunidade, desde ações de formação a iniciativas como as ligadas aos museus, programas gratuitos onde as pessoas observam as obras de arte e as comentam à luz da sua vida, e também produzem arte.

Outra iniciativa muito interessante é o Café Memória

Sim, que já faz agora 11 anos. São pontos de encontro informais, gratuitos, onde falamos sobre muitos temas ligados à demência, uma vez por mês. Falamos, por exemplo, de coisas como o desaparecimento das pessoas com demência. Aquilo que nós queremos é quebrar o estigma ligado à demência, e reduzir o isolamento em que muitas vezes estas pessoas e as suas famílias vivem.

É curioso que nos primeiros anos as pessoas com demência vinham sempre acompanhadas pelos seus cuidadores. Mais recentemente, já temos pessoas com diagnóstico precoce que nos vêm visitar sozinhas.

A demência ainda é muito tabu em Portugal, não é?

Muito. E um dos aspetos que contribui muito para o estigma é nós acharmos que as pessoas com demência não têm consciência do seu estado. Isso está muito errado e provoca em nós comportamentos desajustados. Ora pensemos: quando uma pessoa se sente nesta situação, o que é que faz? Faz o que todos nós fazemos perante um desafio: tenta ajustar-se às novas circunstâncias para não se perderem. Há um grupo de pessoas com défice neurológico que não consegue ter consciência da sua doença, e isso torna mais tudo mais difícil, para eles e para os seus cuidadores. Mas muitas pessoas apercebem-se, e uma grande parte têm consciência da sua demência e da sua perda de memória, e vai enfrentar as suas novas limitações de forma ativa enquanto podem. Claro que muitos tentam negar as suas dificuldades, porque não querem sentir-se diminuídos perante os outros.

O que falta ainda fazer?

Falta fazer ainda muita coisa na nossa sociedade: não apenas combater a vergonha mas implementar medidas de apoio às pessoas com demência e aos seus cuidadores, que acompanhe a pessoa desde o pré-diagnóstico.

Como é que o Alzheimer está ligado à memória?

Nós temos vários tipos de memória. Até devíamos dizer memórias. É a memória recente que fica muito afetada pela doença de Alzheimer, por isso é que as pessoas têm tantas dificuldades em aprender coisas novas. As memórias antigas já estão cristalizadas, e estão armazenadas num lugar diferente do cérebro que não é tão atacado pelo Alzheimer. Esta é uma informação importante para percebermos o comportamento de quem vive com a doença. Por isso é que temos de ir trabalhando com as pessoas para conseguirem manter as capacidades cognitivas, como a atenção, o raciocínio, a tomada de decisão, para que pessoas possam manter os seus recursos mais tempo.

Para que servem as nossas memórias?

As memórias servem para sobrevivermos do ponto de vista físico e psicológico. Nós somos muito feitos das nossas memórias, que funcionam como âncoras. É a elas que recorremos para nos lembrarmos de quem somos, dos nossos feitos, das relações que mantivemos e valorizamos. As memórias são o nosso testemunho, e também nos ajudam a projetar o futuro.

As memórias vão-se transformando ao longo da vida?

Sim. Uma memória não é sempre a mesma, muda connosco. Ao longo da vida vamos revivendo e resignificando o passado. Mas claro que não nos lembramos de tudo o que acontece, porque o cérebro não tem capacidade para fixar tudo. Nós memorizamos alguns estímulos de forma consciente e outros de forma inconsciente. Mas tentamos focar a nossa atenção naquilo que é essencial e este processo também é muito alterado pelo Alzheimer, porque as pessoas vão deixando de conseguir selecionar estes estímulos. Imagine que está numa festa: tudo aquilo é confusão demais para si, porque já não é capaz de selecionar dali aquilo a que quer preatar atenção, não consegue filtrar a informação que recebe.

Com uma pessoa com Alzheimer, temos muitas vezes a sensação de que aquela pessoa já não está ali…

Essa sensação não é correta. A pessoa pode não ser a mesma, mas ela está cá. O que temos de fazer é, quando a comunicação verbal começa a falhar, conseguirmos comunicar com a pessoa através da comunicação não-verbal: o olhar, o toque. Temos de aprender essas estratégias. E atenção que isto só acontece em fases muito tardias da doença, e só aqui é que as pessoas têm dificuldades de relacionamento. Temos de fazer com que a pessoa não só se sinta incluída no mundo como consiga fazer para si própria algum tipo de sentido. E isto consegue-se. Porque apesar de tudo, continua a ser pessoa, e por isso mesmo continua a querer relação. Tem é mais dificuldades e o mundo torna-se mais pequeno. E pode ter outras doenças não relacionadas com o Alzheimer mas que lhe dificultam a vida, por exemplo.

Para o cuidador, principalmente se for familiar, o choque é brutal…

Muito. Às vezes o que é difícil de conciliar é precisamente a perspectiva da pessoa com demência e a perspectiva do cuidador. Porque a pessoa quando está a viver a doença de um pai ou mãe tem uma experiência que pode mesmo ser brutal. Trabalho com pessoas com Alzheimer e seus cuidadores há mais de dez anos, e o medo que mais pessoas me relatam é o de um dia o pai ou a mãe não os reconheçam. Isto é uma angústia muito pesada e muito corrosiva. E como cada pessoa vive a demência de forma muito própria, o cuidador nunca sabe se isso lhe vai acontecer ou quando. Há muitos pequenos lutos neste processo. Aliás, a própria pessoa com demência vive pequenos lutos. Era capaz de fazer muitas coisa que agora já não é.

A pessoa com Alzheimer tem a noção de que já não é capaz de fazer muitas coisas?

Tem, claro. As pessoas têm noção de que já não são capazes. Precisamente por isso é que tantas vezes escolhem deixar de as fazer. Para se protegerem. E não é aquilo que todos fazemos? Com ou sem Alzheimer, todos nos defendemos, todos fugimos àquilo que nos ameaça, que nos envergonha, que nos faz sentir inferior.

Palavras-chave

Relacionados

Mais no portal

Mais Notícias

CARAS Decoração: residência artística no coração do Marais em Paris

CARAS Decoração: residência artística no coração do Marais em Paris

Miguel Castro Freitas assume direção criativa da Mugler

Miguel Castro Freitas assume direção criativa da Mugler

O futuro começou esta noite. Como foi preparado o 25 de Abril

O futuro começou esta noite. Como foi preparado o 25 de Abril

Clima, risco, banca e crédito: o preço da (in)sustentabilidade

Clima, risco, banca e crédito: o preço da (in)sustentabilidade

E-goi lança plano gratuito com IA e automação para ONGs e Associações sem fins lucrativos

E-goi lança plano gratuito com IA e automação para ONGs e Associações sem fins lucrativos

Olga Roriz - Há 30 anos a marcar a dança contemporânea

Olga Roriz - Há 30 anos a marcar a dança contemporânea

Vencedores e vencidos do 25 de Abril na VISÃO História

Vencedores e vencidos do 25 de Abril na VISÃO História

Apple transportou 600 toneladas de iPhone para os EUA para evitar tarifas

Apple transportou 600 toneladas de iPhone para os EUA para evitar tarifas

Quadruplicaram as emissões poluentes para produção de chips de Inteligência Artificial

Quadruplicaram as emissões poluentes para produção de chips de Inteligência Artificial

Família real monegasca reúne-se para o tradicional Baile da Rosa

Família real monegasca reúne-se para o tradicional Baile da Rosa

Diogo Clemente: “A música resgatou-me e pôs-me beleza pelos olhos dentro”

Diogo Clemente: “A música resgatou-me e pôs-me beleza pelos olhos dentro”

25 peças para receber a primavera em casa

25 peças para receber a primavera em casa

Água, por favor!

Água, por favor!

Quis Saber Quem Sou: Será que

Quis Saber Quem Sou: Será que "ainda somos os mesmos e vivemos como os nossos pais?"

Artrite reumatoide: tudo o que precisa de saber sobre esta doença

Artrite reumatoide: tudo o que precisa de saber sobre esta doença

Iberdrola BP Pulse promete ter 600 carregadores ultrarrápidos em Portugal até ao final deste ano

Iberdrola BP Pulse promete ter 600 carregadores ultrarrápidos em Portugal até ao final deste ano

Já é possível renovar o Cartão de Cidadão na aplicação gov.pt

Já é possível renovar o Cartão de Cidadão na aplicação gov.pt

Os

Os "looks" na passadeira dos Prémios Play

Esta semana na CARAS, dossiê de moda

Esta semana na CARAS, dossiê de moda

Um olhar incontornável ao papel das comunidades

Um olhar incontornável ao papel das comunidades

Kia EV6 remodelado: mais autonomia e tecnologia

Kia EV6 remodelado: mais autonomia e tecnologia

Em

Em "A Herança": Gonçalo é esfaqueado!

A desenhar é que a gente se entende

A desenhar é que a gente se entende

CARAS Decoração: as novas peças desenhadas pelos irmãos Bouroullec para a Vitra

CARAS Decoração: as novas peças desenhadas pelos irmãos Bouroullec para a Vitra

Ippolito & Maciste: Um bar com muito boa onda na Ericeira

Ippolito & Maciste: Um bar com muito boa onda na Ericeira

45 anos de Jornal de Letras

45 anos de Jornal de Letras

VOLT Live: o novo site com (quase) tudo sobre mobilidade elétrica

VOLT Live: o novo site com (quase) tudo sobre mobilidade elétrica

Filha transgénero de Naomi Watts e Liev Schreiber desfila pela primeira vez em Paris

Filha transgénero de Naomi Watts e Liev Schreiber desfila pela primeira vez em Paris

Descoberta revolucionária sobre a doença de Parkinson pode abrir caminho a novos tratamentos

Descoberta revolucionária sobre a doença de Parkinson pode abrir caminho a novos tratamentos

Clima: como o Alentejo Litoral se prepara para a “guerra”

Clima: como o Alentejo Litoral se prepara para a “guerra”

O perigo por detrás do consumo de granizados pelos mais pequenos

O perigo por detrás do consumo de granizados pelos mais pequenos

Mais vale prevenir do que fechar

Mais vale prevenir do que fechar

Um século de propaganda na VISÃO História

Um século de propaganda na VISÃO História

Cascais Ópera:

Cascais Ópera:"Os jovens vão a concurso, não só para ganhar, mas também para serem conhecidos, terem oportunidades"

As imagens da terceira cirurgia plástica de Fanny Rodrigues

As imagens da terceira cirurgia plástica de Fanny Rodrigues

CARAS Decoração: 20 estantes e prateleiras para deixar a casa organizada

CARAS Decoração: 20 estantes e prateleiras para deixar a casa organizada

Em “Sangue Oculto”: Nelson faz um strip no bar de Tiago

Em “Sangue Oculto”: Nelson faz um strip no bar de Tiago

Hyundai Inster: novo elétrico 'compacto por fora e grande por dentro'

Hyundai Inster: novo elétrico 'compacto por fora e grande por dentro'

17 boas exposições para ver em Lisboa, Cascais e Sintra

17 boas exposições para ver em Lisboa, Cascais e Sintra

Os miúdos já votaram!

Os miúdos já votaram!

A VISÃO Se7e desta semana – edição 1675

A VISÃO Se7e desta semana – edição 1675

Um novo estúdio em Lisboa para jantares, showcookings, apresentações de marcas, todo decorado em português

Um novo estúdio em Lisboa para jantares, showcookings, apresentações de marcas, todo decorado em português

A importância do envolvimento dos colaboradores

A importância do envolvimento dos colaboradores

Estará o círculo próximo de Trump a lucrar na Bolsa com os avanços e recuos presidenciais na guerra das tarifas?

Estará o círculo próximo de Trump a lucrar na Bolsa com os avanços e recuos presidenciais na guerra das tarifas?

Matérias-primas: quatro portugueses entre os 47 projetos estratégicos da UE

Matérias-primas: quatro portugueses entre os 47 projetos estratégicos da UE