É a sul de Benavente, na imensa planície que une o Ribatejo ao Alentejo, que se situa esta casa. Estamos em plena herdade de Santo Estêvão, antiga propriedade agrária agora convertida num condomínio privado.
Uma vez ultrapassada a portaria que assinala a entrada do empreendimento, surgem várias moradias, algumas envoltas em vegetação, outras rodeadas pelas obras e arruamentos em curso. Todas, invariavelmente, construídas segundo parâmetros convencionais. E é com os olhos ainda viciados numa arquitectura corrente que surge, já na recta final da herdade, esta casa improvável. Tem a configuração de um paralelepípedo, sendo que qualquer olhar menos atento a pode tomar por uma estrutura destinada a fins não habitacionais um bar, um restaurante, um ginásio? A estrutura é muito simples e linear, assemelhando-se, caso estores e janelas estejam fechados, a uma caixa. O telhado não existe, tendo sido substituído por uma cobertura plana (com seixo rolado e que será relvada numa fase posterior) de forma a acentuar a horizontalidade da construção. O formato dos vãos também reforça essa horizontalidade, dado serem significativamente mais rasgados do que é habitual. Ainda no exterior, o acabamento em reboco foi preterido em favor de painéis de madeira. Até a entrada principal é insólita: processando-se através de um dos alçados laterais e não da fachada principal.
No interior também predominam materiais inusitados: o pavimento da sala, cozinha, escritório e casas de banho é de betão (com 5% de pigmento preto) com tratamento em cerca acrílica. Nos quartos, e para evitar a frieza do betão, optou-se por madeira de bétula, mais intimista.
A arquitectura depurada que se visualiza no exterior encontra paralelo num interior despoluído de adornos: eliminaram-se rodapés, frisos e aduelas. As clarabóias das casas de banho têm a forma de um rectângulo, numa evocação ao desenho da casa e o mesmo acontece com os lavatórios. Tudo é recto, sem remates decorativos. Betina Gameiro, proprietária, recorda os pressupostos apresentados aos arquitectos Pedro Matos Gameiro e Carlos Crespo, autores do projecto: ‘Pedimos-lhes uma casa térrea, cheia de luz, fácil de habitar, de vivência directa, isto é, sem corredores e divisões labirínticas.’ Ao todo, a moradia conta com 250 metros quadrados, inseridos num lote de mil. A sala funciona como núcleo central (uma espécie de pátio interior) pois qualquer percurso que se faça obriga à passagem por esta divisão, situada a meio da casa e que vai da fachada principal à retaguarda.
‘Do meu quarto para o dos meus filhos tenho de passar pela sala’, exemplifica a proprietária que elege esta divisão como a preferida. É no sofá, com os estores eléctricos completamente recolhidos que costuma apreciar, através das amplas vidraças, o crepúsculo e o acender das luzes que iluminam as árvores do jardim: à sua frente um enorme carvalho, atrás um ácer japónico. Algumas velas e candeeiros a meia-luz compõem um cenário que Betina considera ‘quase místico’. É então que lhe surge a inspiração para pintar. Neste momento, a casa funciona como galeria de exposição para algumas das suas telas, sobretudo as de timbre Pop.