Eram clientes habituais do café. Por isso nem foi preciso pedirem a bica e a torrada, bastou-lhes apenas um ligeiro aceno de cabeça quando o empregado, do lado de lá do balcão, perguntou se ia ser o mesmo.
Sentaram-se a uma mesa, perto da porta, também a mesa do costume e, como de costume, ele estendeu o jornal desportivo na sua frente, enquanto ela abria o malão e de lá tirava o croché branco. Em silêncio, ele mergulhou nas vitórias, nas derrotas e nos empates da véspera; em silêncio ela mergulhou numa intrincada teia de abertos e fechados.
O café tem a televisão aberta lá no alto, quase pendurada do tecto, e a telefonia de goelas escancaradas. Há quem fale das eleições europeias, há quem discuta as bandeiras azuis que este ano algumas praias não têm, há um país de leste em eleições, uma greve de maquinistas convocada para dentro de dias. Ele continua mergulhado nos golos, nas injustiças dos árbitros, nos treinadores que já deviam ter ido à vida, ai se ele mandasse. Ela continua mergulhada na sua teia de abertos e fechados. A Europa diz-lhes pouco, desde sempre que vão para a casa da Caparica para os habituais quinze dias de férias e querem lá saber de bandeiras azuis, o leste fica muito longe, e o carro está parado ali mesmo à porta do café, que lhes importa os maquinistas. Sopra uma ligeira brisa que vem da porta aberta para a rua, misturado com o aroma do café há um inconfundível cheiro a cremes de bronzear e toalhas húmidas.
Há quem entre a saia, e cumprimente amigos de uma mesa para a outra, "então cá estamos outra vez", "bom sinal, bom sinal!", há quem chame o empregado, que não tem mãos a medir, ainda para mais é ele sozinho, que o patrão não está para meter ajudante, nem sequer na época alta.
De vez em quando ela levanta os olhos da sua teia e, em silêncio, vai baixando a cabeça para corresponder ao aceno de um ou outro que passa, mais não é preciso, são apenas fugazes conhecimentos de verão, dentro de quinze dias voltarão todos a ser desconhecidos nas terras onde moram o resto do ano.
Ele acaba de ler o jornal desportivo e abre um jornal diário, só para dar uma vista de olhos pelos títulos. De repente pára, olha fixamente para a página e diz, como se recitasse: "dezanove, vinte e dois, trinta e dois, trinta e cinco, quarenta e cinco, número suplementar quarenta e sete." Ela larga o croché, abre o malão, de lá retira um papel e contrapõe no mesmo tom de voz: "sete, oito, dez, tinta e nove, dezasseis e vinte e três". Suspiram. Em silêncio ela rasga o boletim, enquanto ele faz ao empregado um sinal de que o dinheiro fica, como de costume, em cima da mesa, e a ela um leve aceno de cabeça que significa que é tempo de saírem dali.
Em silêncio ela guarda no malão a teia de abertos e fechados. Em silêncio ele pega no jornal desportivo, deixando o outro em cima da cadeira para quem vier.
Irão, como de costume, à esplanada da praia onde, em silêncio, contemplarão o mar. A fazerem horas de voltar para casa onde, diante do televisor, ele acabará por adormecer, e ela se deixará enredar pela sua interminável teia de abertos e fechados.
Esperando, em silêncio, pelos números da semana seguinte. Como de costume.