Conta-se que foi para poder ver o nascer do sol, sem ter de se levantar da sua cama na casa de Port Lligat, que terá inventado um jogo de espelhos. Salvador Dalí (1904-1989), o pintor dos relógios moles e das girafas em chamas, era também admirador confesso da obra de Buckminster Fuller, engenheiro e arquiteto, inventor do domo geodésico. A ligação de Dalí aos fenómenos da natureza e à representação da terra já é evocada no teatro-museu de Figueres, Girona, que tem no seu topo uma cúpula geodésica, que muitos relacionam com a obsessão do pintor pela forma do olho de mosca. Yann Weymouth, diretor de projeto no ateliê norte-americano Hok, voltou a cruzar estas duas vertentes para conceber o novo Museu Salvador Dalí, em São Petersburgo, na Florida, em substituição do museu já ali existente desde 1982. Além de lidarem com o universo excêntrico do pintor catalão e com a preexistência de um edifício a ele consagrado no seu país natal (há também um projeto de Daniel Libeskind para um museu daliniano em Praga), os arquitetos do Hok tiveram ainda de contornar um requisito pragmático: proteger a coleção das rajadas ciclópicas que frequentemente ameaçam a costa da Florida. Assim, uma caixa- forte, de ângulos retos e grossas paredes de betão com 18 metros de altura, albergam a coleção. A caixa é interrompida por um ‘bigode daliniano’, uma corrente sinuosa de vidro triangulado que culmina no telhado, formando, no seu percurso, um átrio que facilita a entrada de luz natural. Os arquitetos do Hok batizaram-na de “enigma de vidro”, nome de uma tela de Dalí, de 1929.
Para criar os modelos tridimensionais das formas envidraçadas, num total de 900 painéis, todos diferentes, foi usado o software Building Information Modelling. “O uso da forma livre da triangulação geodésica usada na corrente é uma inovação recente, apenas permitida pela moderna análise computacional e posterior fabricação digitalmente controlada, que permite que cada componente seja única”, refere Yann Weymouth, explicando que “nenhuma lâmina de vidro, nó estrutural ou suporte são precisamente os mesmos”, o que permitiu criar uma família de formas estruturalmente robustas e estreitamente identificadas com o fluxo dos líquidos na natureza”. Apesar da forma livre envidraçada, a estrutura foi projetada para resistir a ventos de 265 km/hora (as lâminas, 220km/h). O telhado – 30 cm de espessura de betão sólido – fica bastante acima do nível das possíveis cheias e de ondas até nove metros de altura. Portas à prova de tempestade protegem as galerias.
A coleção integra duas mil obras, entre esculturas, esboços, gravuras, desenhos e 90 pinturas a óleo, que cobrem todas as fases do percurso do artista. O espólio foi iniciado pelo casal A. Reynolds e Eleanor Morse, que a partir de 1942 começou a procurar apoios para a fundação de um museu dedicado a Dalí em solo norte-americano. Este espaço está apto a receber cinco mil visitantes por dia. O edifício do museu antigo foi, por sua vez, vendido à universidade da Florida do Sul.