Pouco se sabe sobre a história desta casa, junto ao porto de Leixões, adquirida por Paula e José Manuel Freitas Ferreira.O casal, ela gestora, ele arquiteto, encontrou-a por acaso numa das muitas investidas pela cidade do Porto e arredores. No jardim, existia uma construção de dois pisos, árvores de fruto e muito mato. Apesar de abandonado, ainda se apercebiam algumas características da viragem do século XIX para o século XX – como os dois planos retangulares e os percursos a direito. Existiam ainda vestígios de arcos românticos, em ferro, com plantas a envolvê-los. Hoje, toda a área exterior está cuidada, uma obra da Cirurgias Urbanas, em conjunto com os proprietários. Muitas das árvores e plantas foram preservadas, assim como a ‘namoradeira’, que hoje está alinhada com a porta da rua. Ainda do lado de fora da casa destaca-se a arcada cujo corredor de passagem é interrompido pela escadaria exterior que conduz ao piso superior. O arco junto à cozinha foi criado pelo arquiteto, para prolongar este ritmo da fachada virada ao jardim. “Só a parte de cima é nova, de resto toda a pedra do arco, do chão, do percurso e da entrada é de origem”, diz Freitas Ferreira.
O granito e o pinho de flandres testemunham as várias épocas de construção e remodelação da casa, datável de há cerca de 150 anos, provavelmente anterior à construção do porto, mesmo em frente. Na sua gramática decorativa existem alguns pormenores marítimos, como a vigia da antiga casa de banho no alto da escadaria exterior. Freitas Ferreira testemunha: “Apresenta todo o traçado de uma casa de férias, igual às da Foz, com zona reservada a empregados na mansarda. Tinha um armazém enorme, em baixo, muito compartimentado, e um quarto pequeno para os donos da casa.”
Entretanto, o passar dos anos foi-lhe dando outras utilidades até chegar às mãos deste casal. As obras demoraram ano e meio. Os interiores, antes confusos, são hoje amplos: “Aproveitámos o que foi possível. Em termos de intervenção, o princípio foi sempre o de manter tudo ao máximo.” No living foi construída uma caixa onde se alternou o reboco e os armários, isolando os interiores das grossas paredes de pedra. O arquiteto usou e abusou de tetos falsos, pois apenas conseguiu conservar um teto com estuques de época no piso superior. Rebaixou os restantes, para dar mais conforto e intimidade aos ambientes. O pavimento do living não existia, por causa de uma grande infiltração que destruiu a metade da casa virada a leste. Só o descobriram quando começaram a picar as paredes, que acabaram por cair devido ao mau estado dos tabiques e traves de madeira.
“Construtivamente, nota-se que a parte debaixo recuada era de uma casa mais antiga, por causa das pedras aí utilizadas. Mantive o pinho da flandres e o pinho de riga antigo no pavimento e na estrutura”, diz o arquiteto, adiantando ainda: “E optei pelo pinho no pavimento do living e da entrada, que é novo.” Já no quarto do filho o chão é todo de madeira antiga, recuperada da obra. O do quarto de casal é de pinho novo. Neste, a lareira era em madeira, agora recriada com a ardósia dos percursos do jardim. A zona de vestir, em corredor e com acesso direto à casa de banho, espelhada, instalou-se no estreito espaço da antiga cozinha. Este quarto comunica diretamente com o jardim através das escadas da arcada.
A escada ondulante, instalada no hall e que dá ao living, tinha uma claraboia, que caiu. O arquiteto redesenhou-a, mas agora numa versão contemporânea. O rodapé marmoreado, à cor da madeira, desapareceu quase por completo. Existe apenas no corredor dos quartos. “Tivemos um problema e estragaram-se as madeiras e marmoreados. Mantive o que consegui de portadas. O que não consegui, desenhei igual. Mudei os puxadores, que eram de madeira, mas arranjei uns dentro do mesmo contexto. Em contrapartida, mantive as fechaduras, com quase 150 anos, que continuam a funcionar.” Um caso de recuperação notável em que o antigo foi salvaguardado com todo o cuidado, sempre na medida do possível.