Logo desde o início da carreira que Piano sonhou em grande, ao desejar dar o seu contributo para criar uma sociedade melhor. “Uma sociedade mais atenta, mais culta, é o primeiro passo para que existam melhores cidades. E nós, os arquitetos, podemos construir esse marco”, defende. Não admira, pois, que uma das suas primeiras obras seja um ícone incontornável na cidade-luz. O Centro Georges Pompidou, em Paris – projeto ganho em 1971 e concluído seis anos depois – foi concebido como um “diagrama espacial evolutivo”, dando primazia à mobilidade. Uma preocupação que levou a retirar tudo o que era dispensável do interior do espaço, como escadas rolantes, ascensores, condutas técnicas… Arquitetonicamente marcante foi não ocultar toda essa estrutura, criando antes uma “ossatura” feita de aço, metal e vidro que deixa à vista todo o vaivém de visitantes. A partir daí, o arquiteto assinou dezenas de museus e centros de cultura e ainda edifícios referenciais, como o aeroporto de Osaka, a praça edificada sobre o antigo muro de Berlim, a Potsdamer Platz, ou a sede do jornal ‘New York Times’, no coração de Times Square.
Mestre na gestão de luz e transparências, Renzo tem cruzado a energia com o conceito da sustentabilidade nas suas obras, dando o seu contributo para deixar cidades mais equilibradas para o futuro. Porque, como gosta de referir, a arquitetura deve comprometer-se com a realidade, as questões técnicas, sociológicas e antropológicas do seu tempo.
Foi isso que voltou a fazer em Portugal, no empreendimento Braço de Prata, cuja primeira pedra foi lançada há três meses depois de um burocrático compasso de espera que durou 12 anos. Este projeto, residencial e empresarial, da Obriverca, inserido na requalificação da Zona Oriental de Lisboa, tem a particularidade de nascer nos terrenos onde em tempos se fabricou material bélico. Realidades passadas, medidas e ponderadas no presente que determinaram a essência deste projeto, que em Portugal tem a parceria da RPBW + CPU Urbanistas e Arquitectos.
Costuma dizer que os lugares contam histórias. Este é o ponto de partida dos seus projetos? Foi assim no Braço de Prata?
Certamente. É preciso saber escutar e entender a cidade. Olhar à volta e perceber a sua lógica interna. As cidades são como rios ou florestas. Ou ainda como livros, que necessitam ser lidos e interpretados. Neste caso específico do Braço de Prata, vai ser muito importante para a cidade, não por ser um belo projeto mas por ser uma bela ideia – a de transformar um espaço onde existiu uma fábrica que produzia armas num lugar para as pessoas. Isto é a transformação das sociedades. É gratificante participar num projeto que aposta no desenvolvimento sustentável.
Sendo um apaixonado pela luz, como sentiu a luminosidade peculiar de Lisboa?
Lisboa é uma cidade que muda com a luz. É um lugar que dá gosto começar a apreciar do alto e descer gradualmente em direção à água. Olhar para o rio, para as proporções, imaginar as pessoas a sentirem-se envolvidas por aquele ambiente. Esse é o segredo de criar magia num lugar.
Com que desafios se deparou para a concretização do projeto?
O principal terá sido, sem dúvida alguma, sobreviver ao tempo (o projeto esperou 12 anos para avançar). Depois, o objetivo era criar um espaço que fosse muito mais que um bairro residencial. Que tivesse escritórios, área de lazer, jardim, zonas verdes, que promovesse a ligação das pessoas com o rio. São cerca de 500 metros da linha da água que vão ser reconquistados. Não queria criar um dormitório ou, pelo contrário, uma espécie de ‘business district’ que fica deserto ao final da tarde. Ter antes um mix de funções com 1500 pessoas aqui a viver e um número elevado também de pessoas a trabalhar durante o dia.
Outro desafio importante foi incorporar a magia e o brilho da cerâmica nas fachadas destes edifícios. A cerâmica é um material magnífico, quer pela riqueza gráfica, quer pela riqueza de luz. Parte do encanto de Lisboa reside nesse material e na forma como dá brilho aos edifícios, consoante o ângulo de que são observados e da forma como a luz neles incide.