
Constantino Leite
Na gíria lexical dos lisboetas adeptos da experiência gastronómica, ‘100 Maneiras’ já é expressão recorrente. Há uma horda militante que acompanha Ljubomir Stanisic, chefe jugoslavo, 32 anos, que começou por dar cartas no seu primeiro restaurante em Cascais, com o mesmo nome – 100 Maneiras – mas com orçamentos muito diferentes dos agora praticados em Lisboa. Preços mais democráticos e a mesma cozinha informal e inventiva, cinzelada a detalhes de autor, espraiam-se agora, não em um mas em dois restaurantes: 100 Maneiras e Bistro 100 Maneiras, ambos ‘para os lados do Bairro’, diz-se, na mesma gíria. Se no primeiro há um menu fixo, a preço fixo (€35, s/ bebidas), no segundo (cerca de €15 ao almoço e €35 ao jantar, s/ bebidas) há uma escolha à carta e também um bar onde se pode petiscar ao balcão, entre refeições, ou mais tarde, quando a fome aperta depois das deambulações noctívagas. Ao balcão do bar, umas quantas cascas de batata e um copo de vinho ficam por €7. Depois desta experiência, a desconsideração que eventualmente se possa ter pelas cascas de batata fica resolvida. Apesar da conotação mais ou menos ‘requintada’ para a qual o Bistro possa remeter, não foi de França nem da Rússia que Ljubomir Stanisic importou a referência, mas sim da sua terra natal, da sua língua: “Limpo e claro” é o que significa em sérvio. Como limpa e clara é a cozinha que pratica e claro é todo o espaço, pintado de branco. E bem explícitas, quase autoritárias, são as suas invetivas com o pessoal da cozinha do Bistro, que visitámos num dia de semana e onde encontrámos Ljubomir repartido entre reuniões, acertos burocráticos, e rajadas intermitentes na cozinha, ora intimidatórias – “O que se passa com a mesa 5? Está tudo atrasado!” – ora galhofeiras e cúmplices. Na cozinha estreita, de dois pisos, o frenesi é intenso, o subir e descer de escadas uma perícia e tudo o mais um talento. “Isto é uma desorganização organizada”, resume. O trabalho flui como numa cadeia de montagem: há quem só faça empratamento, há quem apenas se encarregue da fritura… Ljubo supervisiona, por vezes confeciona, mas acima de tudo concebe. A equação que determina o equilíbrio de um Burek (massa folhada) de queijo fresco e espinafres pertence-lhe; tal como o das molejas, túbaros, maranhos e demais entranhas para gente que sabe o que é comer em português, do regional. “Isto aqui não é para queques”, lança no éter. Se há regionalista praticante é Ljubomir. Tem percorrido o país em busca dos pequenos e bons produtores de carnes; das boas quintas de ervas finas e das boas adegas vinícolas na perspetiva do ingrediente certo e do tempero mais especial. E com essa pesquisa acabou por criar outra unidade de negócio. Em breve, o Bistro 100 Maneiras terá uma nova vertente, fruto desta etnografia de sabores. Será também mercearia, com chás, compotas, enchidos, enlatados e outras derivas concebidas por Ljubomir com a ajuda dos próprios produtores. Os vinhos, com castas selecionadas pelo chefe e rótulos desenhados por Mário Belém, constituíram uma primeira abordagem deste universo tão português a fervilhar em pleno centro de Lisboa. Com muito Ljubo (amor) e Mir (paz).
Reservas 210.990.475; 910.307.575