
A música dos Radiohead não é de consumo fácil. Não tem refrãos ‘decoráveis’, não apela à palminha sincronizada, ao ui ui ye ye e nem Thom Yorke é conhecido por palavreado com o público, em que abundam os ‘I Love Lisbon’. Magro, elétrico, entrega-se, contorce-se, mas o contacto imediato de terceiro grau que tem lugar ali é a música e não o espírito de entretenimento que o dá. Frio? Não, pelo contrário. De uma rendição completa, também ela física, de luta, exorcismo e poesia.
Torcemos o nariz a uma atuação da banda de ‘Ok Computer’ num grande palco, para uma multidão. Música desta é para palcos mais íntimos, em que o silêncio anda de mão dada com a celebração e com muito, muito, respeito. Mas damos a mão à palmatória: a música é uma linguagem universal e, no caso dos Radiohead, tão visceral que emudece as mentes mais inquietas. Afinal, o indie, ou estilo alternativo, não é uma questão de números, é uma questão de opções estéticas. Os Radiohead provam-no há duas décadas sem espinhas.
Thom Yorke, Jonny e Colin Greenwood, Ed O’Brien e Phil Selway subiram ao palco às 10h30 da noite de domingo, dez anos depois do concerto no Coliseu de Lisboa (que esgotou em 2002 em menos de 24 horas), num recinto esgotado e ansioso. Todos tinham vindo em romaria ver os cinco magníficos: e nem todos garantidamente porque eram fãs a sério. A moda também pesa nestes assuntos e é impossível negar que gostar de Radiohead tornou-se, nos últimos anos, um ato cool, como ter um Iphone.
Eram 55 mil pessoas em Algés que aguardavam, como é claro, os velhos êxitos, mas que acabaram arrebatadas por um alinhamento que inventou o seu alimento em temas pós 1997, ou seja, pós o apocalipse de álbuns icónicos como ‘Ok Computer’. A escolha foi perigosa, mas os Radiohead não são conhecidos por algum dia terem jogado pelo seguro, e assentou basicamente no álbum ‘The King of Limbs’ . Mas a perfeição e o arrojo são geralmente premiados de êxito e público velozmente se deixou seduzir pelo som que invadiu Algés, acompanhado por um jogo de luz impressionante e por imagens de todos os elementos, a passar em simultâneo nos dois ecrãs.
E ali estavam eles, aqueles que como mais ninguém se atrevem a domar os territórios selvagens do rock e da eletrónica, desprezando o temor da aventura. Caminharem nesse limite, on the hedge, é o ás de ouros de quem atinge a perfeição. Este concerto recordou-nos, como se fosse preciso, que cada música é na verdade uma viagem, em que corpo, mente e espírito – sim, essa entidade vaga com tendência a vaguear por aí – se unem em momentos em que olhar para o palco já não é tão importante como viver a experiência, de olhos fechados, porque o que é bom é raro e precioso.
No final, e como prémio para um público em celebração, vieram os ‘velhinhos’ temas do encore, como “Paranoid Android” ou “Street Spirit (Fade Out). Mas aí, já podia vir qualquer coisa, que ninguém se ia queixar. Tínhamos tido uma trip como há memória de poucas. E sem recurso a drogas.
O obrigado é nosso para eles. Que voltem sempre.
Este foi o alinhamento
Bloom
15 Step
Morning Mr. Magpie
Staircase
Weird Fishes/Arpeggi
The Gloaming
Separator
Pyramid Song
I Might Be Wrong
Climbing Up the Walls
Nude
Exit Music
Lotus Flower
There There
Feral
Bodysnatchers
Encore:
Give Up the Ghost
Reckoner
Lucky
Paranoid Android
Everything In Its Right Place (with The One I Love intro)
Idioteque
Encore 2:
Street Spirit (Fade Out)