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A boneca acima é a famosa Day-to-Night Barbie. Não só foi a minha primeira Barbie, como é considerada uma das mais marcantes lançadas pela Mattel até hoje. E porquê? Porque apesar de a boneca ter assumido várias profissões em décadas anteriores – até editora de moda, nos anos 60 –  a Day-to-Night foi uma das versões mais cool da sua faceta “executiva glamourosa”. Executiva, não secretária, nota bene. Mais do que isso,  pretendia demonstrar que as mulheres podem ter tudo: carreira e feminilidade. Em simultâneo. Com um pequeno truque à la Clark Kent.

O anúncio “We girls can do EVERYTHING” marcou as rapariguinhas americanas (por cá, não me recordo se passou).

O claim da Day to Night apregoava algo como “Barbie passa um produtivo dia no escritório e à noite, muda a fatiota (blazer salta fora,  a saia lápis vira-se do avesso para se tornar uma full skirt de tule sobre um body de brilhantes, solta-se o cabelo et voilá) para um encontro romântico na cidade com o Ken”.

De forma consciente ou inconsciente, creio que os meus pais não escolheram esta Barbie para mim por acaso (até porque já tinha sido lançada há uns anos).

Primo, porque tendo crescido nos anos 70, os autores dos meus dias acreditavam firmemente que uma rapariga pode alcançar tudo – contra a opinião mais tradicional da avó, que achava que o supra sumo para uma senhora era “estar em casa” – ideia que só mais tarde comecei a compreender. 

Secondo
, porque muito pequena, a carreira de “executiva”, da qual tinha uma vaga ideia, já me fascinava. Uma bela mulher, com elegantes tailleurs e saltos altos, a tomar decisões pela sua cabeça. Com o Ken ao lado para as ocasiões – e o retrato dele na secretária do gabinete –  mas sem ser um fim em si.

Como milhares de raparigas da minha geração, venderam-me esse conceito: “We girls can do EVERYTHING”. Everything…menos fazer escolhas tradicionais, claro. Estudos, Independência, carreira, para não depender de um marido chato que ponha e disponha – quanto mais obedecer-lhe (nem sequer fingir que se obedecia, como noutros tempos, era considerado aceitável…).

E isso de família e filhos etc, só mais tarde, nos nossos próprios termos. 

Perdi a conta às vezes em que fiz de Day to Night Barbie: sair do office cansada, mudar de roupa a correr e ir muito bem acompanhada, muito bem arranjada, a um local bonito.
Tive vestidos que superavam os da Barbie. E no quesito “Ken” posso dizer que também levei a melhor: nunca achei o namorado dela lá muito atraente.

Um sonho realizado…ser como a Barbie, lá dizia o anúncio!

Sim, nós conseguimos fazer tudo. Cansadas, mas conseguimos.

O mais curioso é que a mesma sociedade que nos vende a ideia de conseguir tudo e deixar a natureza (casamento, filhos, etc) para mais tarde, acha muito estranho se esse “mais tarde” demora um bocadinho. Ou seja, se somos selectivas ou se, simplesmente não nos apetece tolerar namorados/pretendentes/noivos chatos, temperamentais ou pouco cumpridores no firme propósito de os transformar em maridos, ou se queremos viver a vida, e gozar a independência que custou tanto a ganhar, por mais uns tempos. Então, o anúncio passa a ser outro: o do JÁ É TEMPO, e quando te casas, e ai que lindos que são os bebés, quando é que dás um neto aos teus pais, etc, e lá vai o “feminismo” para as urtigas.Há que conseguir uma carreira e casar em tempo recorde – afinal, nós conseguimos tudo. Mesmo que seja (Deus nos livre) com uma hipoteca horrorosa, um estilo de vida duvidoso e todo um ambiente que não se parece em nada com o da Barbie. E é então que o “conseguimos fazer tudo” se revela um bocadinho mais pesado.

Mas esperem: as mesmas vozes que…
– defenderam o feminismo, fazendo-nos gastar tempo a estudar e a construir um percurso profissional, deixando a natureza para mais tarde;
– nos chateiam logo a seguir para casar, nem que seja um casamento algo mal arranjado;
e
– acham que as mulheres devem ser livres para fazer TUDO o que lhes apetece, até parvoíces, sem dar cavaco a ninguém…

…ficam passadas, completamente passadas, se uma mulher decidir optar pela liberdade de ficar em casa, a cuidar do tal marido e filhos que é suposto termos depois desta correria toda. É que ter o direito à escolha de ser dona de casa é ser dondoca, sacrilégio, do tempo da outra senhora. E aí o feminismo já fala alto outra vez.

Palavra que ser mulher continua a ser muito difícil. Até dizia “quem me dera ter nascido rapaz”…mas gosto demasiado de ser rapariga. Pelo Ken, pelas roupas, pela maquilhagem. Senão…

Visite o blogue e leia esta e outras crónicas.

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