
Foto: Carlos Ramos
No ‘quartel-general’ da Experimenta Design, no Chiado, ultimam-se os preparativos para a inauguração da Bienal, a 7 de novembro. Guta Moura Guedes é, desde 1998, o rosto deste evento ligado ao design, que se estende até 22 de dezembro com conferências e workshops para pensar a arquitetura e a criatividade. Recebe-nos numa sala despojada, uma grande secretária com um Macbook empoleirado numa pilha de livros e pouco mais. Aos 48 anos assume que está finalmente num lugar de segurança. “Quando se atinge um reconhecimento significativo, isso quer dizer, em princípio, que não nos enganámos no caminho, e sabe muito bem”. Confessa ser de mulher de evoluções lentas, conta como teve de experimentar muito até descobrir o seu percurso e como se vale do apoio da família e de uma predisposição para ser feliz.
Porque é que a Experimenta é importante?
É muito difícil encontrarmos nestes eventos contextos onde se possa debater e depois produzir resultados que sejam partilhados com o público. Não imitámos nada que já existisse e criámos uma zona de trabalho para gente do mundo inteiro. Conferências, debates, workshops, temos muitos formatos para que as pessoas possam ir entendendo o que é isto do design.
O design aparece de forma imediata ligado à estética, mas é mais que isso…
Penso que já se percebeu que o design está associado também à função dos objetos. Já é claro que uma cadeira pode ser bonita mas serve o propósito de sentar bem uma pessoa e deve cumprir requisitos de sustentabilidade. E os designers também desenham serviços. Um exemplo que gosto de citar é o dos hospitais, sítios onde em princípio vamos fragilizados e onde se torna importante ter maior conforto, coisas simples como estar mais quente no inverno e mais fresco no verão, as cores serem agradáveis, a sinalética percetível, o fluxo das pessoas eficaz. Estes circuitos são concebidos por designers de produto, de software, de equipamento… Se conseguirmos ter equipas destas a pensar os espaços, eles tornam-se mais agradáveis e democráticos.
Há um design feminino?
Questões como essa são interessantes para o tema da Bienal deste ano, que é ‘Sem Fronteiras’, porque o feminino e o masculino são fronteiras. Os géneros são diferentes e estaria a mentir se não dissesse que existem objetos que penso imediatamente que foram desenhados por uma mulher ou por um homem. Se isso me interessa? Não. Até porque as características que atribuímos a um sexo podem ser utilizadas pelo outro.
Quais são as suas fronteiras?
Gosto de pensar que não tenho muitas. Tem sido um dos grandes desafios da minha vida. Se me põem em situações em que sinto que não posso evoluir, mudo de sítio. Na vida pessoal é diferente, ter filhos é a grande decisão de vida, a partir do momento em que decidimos tê-los alargamo-nos para dentro de outros. Sinto que eles ajudaram a fazer com que aquilo que sou e faço seja melhor. Ajudaram-me a pensar em coisas que se calhar sozinha não pensaria. O mesmo vale para os meus pais e irmãos. A sorte de crescermos numa boa família é que crescemos mais amparados e estimulados, precisamos de ser confrontados com outras ideias e com necessidades que não são as nossas.
Deu aos seus filhos uma educação diferente da que teve?
Tanto eu como os meus irmãos tentamos replicar em muitas frentes a forma como os nossos pais nos educaram, mas a minha mãe ficou em casa connosco, não teve de se dividir entre carreira e família. Nós tivemos esse desafio. É mais difícil. Se fizesse essa comparação sentir-me-ia sempre mal, mas a educação não tem só a ver com o tempo mas com a qualidade do que fazemos com os filhos. Tenho a vantagem de não ter horários rígidos e poder trabalhar em casa, se for preciso. Durante 20 anos vivemos em Torres Vedras e não me importava de fazer dezenas de quilómetros por dia – cheguei a fazer 3 vezes o Lisboa-Torres Vedras num dia, antes da autoestrada – porque era o que causava menos perturbação à minha família.
Como é que conciliava tudo?
Temos que desenvolver recursos e truques, conhecermo-nos e perceber até onde podemos ir e o que precisamos de forma realista. Se vir que é essencial fazer um intervalo de duas horas porque tenho de ir andar a pé ou até ao mar, tenho de saber fazer isso. Posso fazer um intervalo de meia hora a ouvir música ou sentar-me num banco a apanhar sol. Parecem coisas pouco importantes, mas são determinantes para na hora seguinte estarmos a fazer uma boa reunião. Digo muito isto aos meus filhos, é importante saber o que precisamos e não ter vergonha desse tempo para aparente benefício de nós próprios.
Define-se como solitária. É viável ser solitária quando se tem filhos?
Teve sempre que ser, mesmo quando eles eram muito pequeninos. Talvez por ter uma família que me dá tanto amparo é que me posso dar a esse luxo.
Já não moram em Torres Vedras…
A família mudou-se para Lisboa, foi um compromisso entre os irmãos. Moramos os quatro com uma rua de diferença, continuo a ter o meu sobrinho a ir buscar o lanche a minha casa, se for preciso. Os meus pais ficaram na Ericeira, mas cada um tem um quarto para os receber e eles vão rodando.
Quis ser mãe?
Sim, queria até eventualmente ter tido mais filhos. Tenho três irmãos, estou habituada a ter a casa cheia. Mas não foi fácil. Tinha o exemplo de uma mãe extraordinária, olhava para ela e achava que era facílimo, queria ser tão boa quanto ela e foi mais difícil do que imaginava, implicou aprender muito, mudar muitas coisas.
Disse uma vez que estabilizou aos 33. A que momento é que isto corresponde, não foi aos filhos…
Não. O Rui Maria nasce quando tenho 25 anos, o Manel foi aos 29. Sou uma pessoa de evolução lenta e de mudanças lentas, falo depressa, pareço rápida, e na ação sou, mas em termos de pensamento e evolução interior sou lenta. Demorou até saber quem era e o que queria fazer. Foi importante o Rui Maria e o Manel terem nascido cedo porque me ajudaram a perceber muitas coisas sobre mim numa altura em que estava a crescer.
O que é que descobriu aos 33?
A certeza de que o meu campo de ação era cultural. Até aos vinte anos estive toda voltada para as áreas científicas. É quando começo a desenhar objetos ligados aos livros e à música que fica claro que a minha abordagem tem uma componente artística. Mais tarde percebi que não precisava de ser pintora ou escultora para criar, podia ser outra coisa e foi essa ‘outra coisa’ que criei com a Experimenta Design aos 33 anos. Foi um momento chave em que me senti completamente tranquila relativamente ao que ia fazer.
Disse uma vez que nasceu com predisposição para ser feliz…
Penso que tive a sorte de nascer com uma predisposição para ser otimista, o que me ajuda a vencer as adversidades, mas é sorte, não mérito. O mérito acontece quando começo a fazer trabalho sobre isso. Ser assim ajuda-me a estar bem-disposta, não a fazer coisas. Também é importante a capacidade de não nos deixarmos abater pelos reveses, tem a ver com autoestima, algo essencial para se progredir e que também se trabalha. A partir de certa altura quase tudo é trabalho.
Sendo mulher bem-sucedida sentiu alguma vez o peso da maledicência?
Em discurso direto nunca, mas também tenho uma capacidade enorme para deixar a caravana passar. Toda a gente gosta de ser gostado, mas prefiro que apreciem o que eu faço, gostar de mim é mais complicado e menos necessário.
Porque é introvertida?
Acho que a minha matriz principal é de recolhimento, mas gosto de estar com as pessoas. Sou tendencialmente calada mas também argumentativa, curiosa, apaixonada pelas pessoas. Não sou é uma mulher de palco no sentido performativo, sou aquilo que está a ver, tenho uma enorme dificuldade em esconder o que sinto e penso, portanto ou me veem na versão desligada, ou se me veem na versão ativa é mesmo aquilo que sou.
Acredita num grande ‘designer’ do universo?
Não tenho uma fé especial, sou mais panteísta, ligada à Natureza, mas não, não tenho necessidade de sentir que estamos ligados a um desenho maior, acho que enquanto estamos vivos a nossa responsabilidade é conseguir que a vida tenha um sentido positivo. Não vejo a vida como um parque de diversões, o sentido que encontro é esta hipótese que nos é dada durante um tempo, do antes e do depois não sei nada. Estou mais preocupada em saber se a senhora ali em frente está bem.
Perfil
• Guta é diminutivo de Augusta Regina.
• Inscreveu-se em Biologia na Univ. dos Açores, mas o amor fê-la ficar no continente e acabou por tirar Gestão Hoteleira.
• Casou-se com um arquiteto e inscreveu-se no curso de Design, na Fac. de Arquitetura, que abandonou para fundar a Experimenta.
• Estudou piano e fez um disco de jazz de fusão.
• Foi administradora da Fundação Centro Cultural de Belém em 2004.
• Recebeu o título de Cavaleiro da Ordem das Artes e Letras pelo governo francês, em 2005.
• Foi embaixadora da exposição sobre Andy Warhol, que esteve este ano no C.C. Colombo
AS ESCOLHAS DE GUTA
Yoga: Nunca fui de correr ou subir às árvores, tinha imenso medo, depois comecei a ficar desportista, faço esqui e yoga. Interessa-me a ligação entre corpo e espírito.
Nutrição: Interessa-me perceber a influência dos nutrientes em zonas específicas do corpo e como otimizar a nossa máquina para produzir melhores resultados. Há momentos em que sei que não posso comer certos alimentos.
Moda: Interessa-me como forma de expressão, mas não sigo tendências. Gosto de pormenores. Na adolescência usava brincos de todas as formas, depois fiquei mais minimal. Tenho má relação com saltos, a minha mãe andava sempre de saltos, eu não me importo de ir a um evento de saltos e depois calçar havaianas. Não faço o sacrifício de estar desconfortável por causa de uns sapatos.