Doutorada em Ciências da Comunicação pela Universidade Nova de Lisboa, Paula Cordeiro começou a sua carreira na rádio (Rádio Marginal), sendo esta uma das suas grandes paixões. Professora de rádio e meios digitais na Universidade de Lisboa (ISCSP), Paula Cordeiro é, ainda, a fundadora do projeto Urbanista e provedora do ouvinte na RTP, sendo a mais jovem e a primeira mulher neste cargo.
Para a ACTIVA, falou sobre as redes sociais, a importância que assumiram em tão poucos anos nas nossas vidas, a questão de se tornarem uma forma de adição e a forma como devemos gerir a sua presença no nosso quotidiano.
1. Estamos a deixar de viver a ‘vida real’ para passarmos a estar dentro de uma espécie de ficção que criamos para termos posts ‘giros’ no Facebook? Somos o que postamos ou postamos o que somos, afinal?
Penso que as duas realidades coexistem. Não deixámos de viver a vida “real”, apesar de a transpormos constantemente para o Facebook. Não acredito que estejamos a viver uma espécie de ficção, mas preocupamo-nos bastante com o que mostramos nos sites de redes sociais, especialmente o Facebook, aquele que tem maior notoriedade e número de utilizadores em Portugal. A tendência é para nos mostrar “em bom”, como se a vida fosse apenas colorida e positiva. Ou para procurarmos apoio, quando mostramos as nossas fragilidades ou momentos de perda (morte de familiares, por exemplo). Somos muito do que postamos e postamos aquilo que somos, apesar de postarmos apenas parte daquilo que verdadeiramente somos. Mostramos mais quem somos quando comentamos os posts dos outros…
2. O que nos dão as redes sociais que, em poucos anos, se tornou tão essencial à nossa vida?
Dão-nos muito daquilo que falta na vida real: proximidade, reconhecimento, sentimento de pertença. Anulam a solidão que grassa na sociedade moderna. Na verdade, muitas relações são verdadeiramente solitárias porque lhes falta aquilo que todos os seres humanos procuram, a partilha.
Não nos esqueçamos de que há menos de 10 anos o Facebook não tinha a popularidade que tem hoje. Numa década, a nossa relação com o mundo mudou ao ponto de, hoje, se fazer também através deste site de rede social. Passamos parte do nosso tempo a fazer likes, a escrever posts, a partilhar conteúdos cuja origem não nos preocupamos em decifrar. Adaptámo-nos rapidamente a um novo contexto que nos gratifica de forma quase imediata. No Facebook conseguimos ter interacção social, podemos informar-nos e expressar as nossas opiniões, partilhamos informação, passamos o tempo enquanto nos entretemos, relaxamos quando não temos mais nada para fazer ou depois de um dia esgotante, permite-nos comunicar com os amigos, numa espécie de conversa que ocorre por escrito, recorrendo a todo o tipo de simbologias para imitar as expressões faciais e corporais. Acima de tudo, satisfaz-nos porque pensamos que nos mantemos em contacto com a nossa rede social do mundo real. Melhor, dá-nos a sensação de que sabemos (quase) tudo sobre a vida dos outros. E, por natureza, somos muito curiosos…
3. Podemos falar de adição? Quais os sinais de que estamos ‘agarrados’
Penso que sim. Na generalidade há apenas uma utilização excessiva, embora em alguns casos possamos falar de vício. A natureza dos sites de redes sociais é viciante. A maior parte das pessoas está online a maior parte do dia, recebe notificações que as informam sobre o que vai acontecendo na rede e interage constantemente. Há estudos que nos dão alguma informação sobre as razões pelas quais as pessoas não conseguem desligar. Uma das principais chama-se FOMO – Fear of Missing Out – que é um receio muito comum a todos nós, relacionado com a integração social. Ninguém gosta de ficar de fora ou não ser convidado para uma festa, não é? Isso é o FOMO, o medo de ficar de fora que, no caso do Facebook e outros sites deste género, se amplia porque temos receio de não acompanhar as conversas que decorrem neste contexto, o que significa, para essas pessoas, ficar de fora. Quase o mesmo que não ser convidado para a festa… Na verdade, temos um perfil no Facebook porque… Todas as pessoas têm. Os nossos colegas, os nossos amigos, a nossa família. Não participar é estar efectivamente fora da rede e do que lá se passa.
No entanto, há que perceber a diferença entre estar, porque os outros estão, sendo esta uma forma de nos mantermos em contacto, e o vício. Quando a primeira coisa que fazemos ao acordar é olhar para para o Facebook, isso é preocupante. Se o número de likes e comentários que recebemos em cada post nos causa ansiedade ou, simplesmente, a curiosidade de verificar quantos são, a cada minuto, isso é outro sinal. Estarmos de tar forma envolvidos no que se passa no Facebook negligenciando a nossa vida no mundo real é outro aspecto, bem como uma grande necessidade em partilhar todos os momentos da nossa vida, ou de aumentar o número de amigos. Há quem afirme que, mais do que uma hora por dia no Facebook pode ser sinal de que estamos “agarrados”. Eu relativizo o factor tempo, que depende muito da razão pela qual o estamos a utilizar mas os outros sinais são, todos eles, factor de preocupação.
4. Quais os erros mais comuns que as pessoas cometem nas redes sociais?
Muitos! (gargalhada) Este contexto é muito novo para todos nós. Indivíduos, marcas e organizações andam a adivinhar o que funciona e o que fazer para que funcione.
Não completar a informação de perfil é um erro comum. A informação de perfil dá indicações sobre quem somos e o que fazemos, caracterizando-nos. O erro é pior se for no Linkedin. A presença no Facebook não se limita à criação de um perfil. Como uma planta, é preciso cuidar: ser regular e consistente, participar e interagir. A rede é retroactiva e dá-nos na mesma quantidade o que investimos nela.
Há um erro comum, especialmente entre os mais jovens, que é o de anunciarmos ao mundo o quanto estamos apaixonados por aquela pessoa para, no dia seguinte, estarmos apaixonados por outra. As declarações de amor e seus derivados são do foro privado. Há uma diferença em indicarmos que estamos numa relação com alguém ou inundarmos o nosso mural com fotografias apaixonadas, as quais, algum tempo depois, terão de ser apagadas ou escondidas, por força de uma nova relação, do mau estar que podem provocar ao novo amor ou porque simplesmente alguém nos partiu o coração. O maior erro, independentemente da idade, é a falta de discrição. A vontade incontrolável de partilharmos tudo sobre a nossa vida. Esquecemo-nos de que não partilhamos apenas com um grupo restrito porque há uma forte probabilidade do conteúdo chegar a outras pessoas. Neste sentido, porque estamos na eventualidade de falar para milhares de pessoas, o uso correcto e cuidado da língua também é importante e um erro comum, a par com a forma demasiado informal com que algumas pessoas se apresentam. Não nos esqueçamos que temos uma profissão e, quando a mesma é referida no perfil, incluíndo a empresa para a qual se trabalha, podemos deixar de estar, aos olhos dos outros, apenas como indivíduos. Esta associação directa entre quem somos e o que fazemos é um erro comum de percepção que deve ser também considerado.
Ter perfis linkados é outro erro. Isto quer dizer que o que partilhamos no Facebook aparece no Twitter ou Linkedin, por exemplo. Ou o inverso, com as fotos que publicamos no Instagram a serem automaticamente partilhadas para o Facebook. Nem sempre queremos esta imediatez… Usar o Facebook durante o horário de trabalho pode ser perigoso. Especialmente se nos atrasamos para algum compromisso tendo estado, minutos antes, ligados à rede. Outro erro comum são os desabafos que fazemos no Facebook, sobre a profissão, o local de trabalho ou o chefe. Equivale a usar um megafone em pleno escritório para dizermos o que pensamos…
5. Há regras de boa educação específicas da comunicação em social media?
Bom senso e boa educação ficam bem em qualquer contexto. Neste também. Para mim, aplicam-se as regras de boa educação. Todas.
6. Devemos tratar o nosso perfil com o mesmo cuidado com que se trata a comunicação de uma marca?
Sim. Não tenho dúvida de que a exposição pública deve sempre ser cuidada. Há dez – quinze anos as fotos das nossas férias eram vistas por nós e um grupo restrito de amigos a quem mostrávamos as fotos impressas. Não havia registo das nossas bebedeiras, a não ser na memória dos amigos. Hoje não é exactamente assim, pois não? Por isso, aquilo que publicamos, por mais privado que queiramos que seja, está sempre online, com os perigos que daí decorrem. Para além disso, a não ser que o nosso perfil seja privado, o que no Facebook implica esconder toda a nossa informação e actividade, trata-se de uma exposição pública a qual, como qualquer outra, deve ser tratada em função dos nossos objectivos pessoais e profissionais.
7. Que tipo de informação nunca devemos dar?
Os sites de redes sociais pedem-nos muita informação a qual, garantem, não é partilhada com outros sites ou utilizadores. Em traços gerais, o que é privado deve permanecer privado. Conversas de carácter pessoal podem ocorrer através do Messenger mas nunca nos comentários, uma vez que a maior parte das pessoas tem o perfil acessível aos outros utilizadores. Igualmente, informação sobre o que fazemos, quando e como fazemos deve ser cuidadosamente analisada antes de ser partilhada. As fotografias das férias devem ser partilhadas depois de regressarmos e vídeos ou fotografias da nossa casa devem ser evitadas. Há muitos utilizadores mal intencionados e o roubo de habitações é facilitado quando o ladrão conhece a casa que vai atacar, especialmente se souber que estamos de férias. O mesmo se aplica, por exemplo, às fotografias de família, especialmente as que incluem crianças. Por outro lado, o Facebook não precisa de saber onde moramos. Indicar a cidade de residência é comum, contudo, dar a informação sobre a rua e o número da porta já é desnecessário. Providenciar informações sobre contas bancárias, identificação fiscal ou cartão do cidadão também não. O mesmo se aplica ao número de telefone. Não me parece que o Mr. Zuckerberg nos queira telefonar…
8. E no caso das imagens? Onde devemos colocar os limites?
Novamente, os limites são os do bom senso. Considero, no entanto, que há algumas a evitar, nomeadamente: todas as que estão mal focadas, mal registadas, mal conseguidas. E não adianta colocar uma legenda afirmando isso mesmo. Não servem para nada e só ocupam espaço. Fotografias reveladoras, demasiado provocantes ou sensuais são, a meu ver, pouco adequadas. A não ser que queiramos passar exactamente essa imagem. Fotografias de documentos legais. Qualquer fotografia que possa ter consequências (num sentido preconceituoso ou discriminatório) é de evitar. Gostemos, ou não, os empregadores também estão no Facebook e o nosso perfil é usado como elemento de avaliação no processo de recrutamento. Afinal, é público… Fotografias de amigos são aceitáveis, desde que os amigos concordem com a publicação da mesma. E as crianças… Nunca os fotografar nus, à porta da escola ou fardados (qualquer indicação relativa às suas rotinas é perigosa). Não nos esqueçamos de que as fotografias, na maior parte dos casos, têm geo-referenciação (aquela opção que ignoramos quando o telefone nos pergunta se pode associar a nossa localização). Sim, aquilo que vemos nos filmes e “ouvimos falar” acontece na realidade…
9. Quem tem filhos, deve ser amigo ou seguidor destes nas redes sociais ou monitorizar a sua actividade de qualquer forma?
Não creio tratar-se de uma questão de dever ou poder. Como sempre aconteceu, os filhos mostram-nos aquilo que querem, como e quando querem. Antes do Facebook e dos telemóveis os jovens também não contavam tudo, não era?
Acredito que a monitorização, numa fase inicial, pode ser importante, num sentido pedagógico, de acompanhamento para que seja ele, o nosso filho, a perceber como funciona esta ou qualquer outra rede, e poder fazer as suas escolhas de forma informada. Na verdade, eles, os mais novos, sabem melhor do que muitos de nós quais as características da rede e, muitas vezes, colocam-se próximo do perigo, conscientes do que estão a fazer. São menos ingénuos do que pensamos. Contudo, há uma outra discussão que deve ser feita e que tem a ver com a idade a partir da qual um filho pode ter um perfil num site de rede social. Quando falamos em filhos, falamos de que idades? Há uma diferença muito grande na compreensão, informação e capacidade de auto-gestão de um pré-adolescente, um adolescente ou um jovem adulto. E cabem todos na categoria de “nossos filhos”. Não concordo que crianças menores de 12 anos tenham conta no Facebook. A terem, para poderem jogar ou interagir com um grupo de amigos, deve haver monitorização constante por parte dos pais, activando todos os elementos de privacidade e segurança que o Facebook dispõe. Mas, para isso, os pais têm de saber utilizá-lo convenientemente, de ter ultrapassado a fase de encantamento e ingenuidade que nos acontece a todos quando contactamos com um site desta natureza.
10. Temos de pensar que os nossos empregadores, colegas, chefes, também estão no Facebook, no Twitter… Isso obriga-nos a repensar o que publicamos ou devemos simplesmente acreditar que as redes são livres?
A minha experiência diz-me que as redes são aparentemente livres e que devemos pensar antes de abrir a boca. Sempre foi assim, porque razão não devemos pensar antes de publicar? Normalmente, um post não tem uma abrangência extensiva. Contudo, se o tema for controverso, a interacção aumenta, aumentando a sua exposição. E percebemos que há pessoas que estão a comentar ou partilhar das quais nem nos lembrávamos. Quanto maior o número de amigos, maior a probabilidade de exposição. Quanto maior o descuido na publicação, não escolhendo “quem pode ver o post” maior a possibilidade deste ser visto por alguém que não deveria ter conhecimento do seu conteúdo. Já acontecia com as mensagens de correio electrónico. O “responder a todos” ou “remeter” sem apagarmos as mensagens anteriores. Novamente, voltamos à questão do bom senso, de pensar antes de agir, do tempo da reflexão, que não corresponde ao tempo de carregar num botão para partilhar…
Paula Cordeiro é também autora do livro “Impressão Digital”
Organizado em quatro grandes áreas, assume-se como uma compilação semi-intemporal sobre a comunicação social, bem como o peso e a influência das plataformas digitais na vida quotidiana dos indivíduos e das marcas. A sua sequência corresponde a uma lógica que evolui com o tempo, as mudanças que fomos vivendo e as preocupações da autora. Centrado na relação da comunicação social com as pessoas e das marcas com os consumidores, os artigos reflectem também a importância que o digital assumiu nas nossas vidas, bem como a aparente inadaptação das marcas e da comunicação social a este paradigma comunicacional que coloca o indivíduo com o seu smartphone no centro da conversação. Sem se assumir como um conjunto de textos científicos, deixa, contudo, pistas sobre o contexto teórico em que as ciências da comunicação e os estudos na área do marketing e branding se movimentam, reflectindo as principais tendências e abordagens nestes domínios.