*artigo publicado originalmente em julho de 2015
Quando se ama não se desconfia, pelo menos era assim que pensava Carolina*, 26 anos, antes de ser vítima de um tipo de vingança que se está a tornar cada vez mais comum graças à tecnologia. Namorava há pelo menos um ano e deixava que o namorado filmasse alguns dos seus momentos mais íntimos, sem pensar que algum dia pudessem sair da esfera privada. O pior aconteceu quando terminaram a relação. Primeiro começaram as ameaças: “Ele enviava-me fotos minhas comprometedoras e dizia que as ia enviar para a minha mãe e para a universidade”, conta-nos. Algum tempo depois, passou da teoria à ação, publicou no Facebook uma foto de um momento em que estavam a ter relações com a cara de Carolina em evidência, num close up. Isto é o que se chama vingança porno, quando fotos que, embora tiradas com o consentimento das pessoas envolvidas, são depois divulgadas à revelia. Bastaram alguns segundos no Facebook para que a foto ficasse em dezenas de telemóveis, partilhada por centenas de pessoas, por todo o país. “Falei com ele, disse-me que tinha sido um acidente e eu acabei por ir na conversa. Acreditei que se ainda estivéssemos juntos ia parecer um engano de uma fotografia de namorados e o escândalo não seria tanto.” Carolina voltou para o ex-namorado, mas só dois meses depois, quando voltaram a terminar a relação, é que o caso tomou proporções preocupantes. “Percebi que muita gente tinha visto a foto. Tive que contar aos meus pais, que me apoiaram incondicionalmente. Mas tinha vergonha, sempre que entrava num restaurante ficava a pensar se alguém já teria visto aquilo e bastava ouvir alguém rir-se que imaginava logo que era por minha causa”, revela. Não era preciso alguém abordá-la, sentia-se permanentemente mal e num estado de angústia. “A minha confiança e autoestima ficaram muito em baixo, mas fui forte e não me escondi”, afirma.
As fotografias deixaram um trauma que, mesmo com o tempo, é difícil de curar, a confiança parece que ficou para sempre perdida. “Nunca mais voltaria a expor-me dessa maneira. Hoje, tenho dificuldade, até quando tiro fotos normais com as minhas amigas. E isto também as afetou, deixaram de fazer este tipo de fotos e sei que muita gente correu a apagar coisas nos telemóveis dos namorados.”
Uma foto para apagar a distância
A vingança porno acontece muitas vezes como uma consequência do sexting. O termo nasceu da junção de duas palavras ‘sex’ e ‘texting’ e refere-se a mensagens com cariz sexual ou erótico que são partilhadas por dois utilizadores e que podem ter ampla divulgação na internet. Os casos são cada vez mais comuns, os telemóveis e a facilidade de partilhar conteúdos tentam muitas vezes superar a distância. Foi assim que aconteceu com Lara*, 22 anos, que passava muito tempo longe do namorado e por isso enviava algumas fotos íntimas. “Era uma coisa natural e afinal toda a gente faz isso. A nossa relação acabou com muitas mentiras e ciúmes e logo de seguida ele começou com outra rapariga e partilhou com ela as minhas fotos”, conta. Foi assim que o pesadelo começou, recebia ameaças, mensagens anónimas de alguém que afirmava que iria divulgar todas as imagens. “A minha cara não aparecia, mas estava nua e aquele era o meu corpo. Não conseguia dormir só a pensar no que podia acontecer e acabei por me isolar de todos.” As fotos ainda foram parar a outras mãos e foi aí que teve de consultar um advogado para tentar travar o caso. Não chegou a instaurar nenhum processo, para evitar “mais confusões”. “As minhas fotos não chegaram à internet, mas serviu-me de lição e isto vai influenciar a forma como me irei relacionar com um futuro namorado. Fotos assim nunca mais, por muita confiança que tenha, as pessoas não se respeitam. Como é que ele não pensou que no dia anterior era meu namorado?”
Um método de vingança global
A vingança porno tem tomado uma dimensão alarmante por todo o mundo. Holly Jacobs viu o ex-namorado alterar a sua foto de perfil para uma imagem em que aparecia nua, durante meses teve várias imagens divulgadas em sites com todos os seus dados pessoais, chegando mesmo a ser considerada uma porn star. Sofreu tanto que acabou por dar a cara, para tentar travar este fenómeno e para colocar todas as mulheres em alerta para estes casos. O esforço parece ter valido a pena, no mesmo ano em que deu o seu testemunho a uma revista e fundou o site EndRevengePorn, a Califórnia aprovou uma lei específica que criminaliza este tipo de casos: fotografias tiradas com autorização de um casal e que, depois da separação, são publicadas na internet sem a autorização de uma das partes. Em Portugal, ainda não existe uma legislação que criminalize diretamente este tipo de casos. “A forma que temos de nos defender de uma situação destas é através do crime de devassa privada, previsto no Código Penal, que já abrange imagens divulgadas sem o consentimento e com a intenção de devassar a vida privada”, esclarece-nos a advogada Inês Amorim. Por enquanto, a lei só abrange casos na internet quando se tratam de menores de idade. Nestes casos pode ser considerado um crime de pornografia, com uma pena de 1 a 5 anos de prisão, em casos de produção, distribuição, venda ou cedência de imagens pornográficas.
Uma vez na internet, para sempre na internet
A vingança pornográfica deixa marcas difíceis de apagar em todos os sentidos: a vergonha toma conta das vítimas, torna-as vulneráveis e alvos fáceis do julgamento social. As fotos podem nunca mais sair da rede, afinal ‘uma vez na internet, sempre na internet’. É por isso que devem ser tomadas medidas para evitar este tipo de situações. Os comentários de algumas mulheres a notícias sobre este tipo de vingança são perentórios. “Se temos direito a ter confidencialidade quando vamos a um médico ou a um advogado, nas relações tem que acontecer o mesmo.” O Twitter já tomou medidas e agora estabelece nas suas regras a proibição da pornografia de vingança. Em abril, o pesadelo de algumas mulheres também pode ter chegado ao fim, pois Kevin Bollaert foi condenado a 18 anos de prisão depois de ter criado sites de pornografia de vingança com mais de 10 mil fotografias sexualmente explícitas e dados pessoais. Tinha ainda outro site, através do qual extorquia as pessoas que o contactavam para retirar as suas fotografias.
Mas o sentimento de impotência permanece, Carolina só aceitou dar-nos este testemunho com a certeza de que nada ficaria gravado. Tivemos mesmo de fazer 400km para a entrevistar pessoalmente. Agora está alerta para tudo que possa ser perigo, e mesmo com o passar do tempo a vingança de pornografia deixou marcas: “Tinha uma reputação, era uma miúda respeitada na cidade onde vivia. Depois disto senti-me foleira, como se deixassem de olhar para mim como a Carolina, mas sim como um objeto sexual.”
*Os nomes foram alterados para manter o anonimato das fontes.