Aconteceu comigo e talvez com a maior parte das pessoas. Desconfinar revelou-se mais difícil do que estar dois meses em casa, pela difícil gestão dos fatores de risco. Ainda assim, decidi, pelo bem da minha saúde mental, que não iria viver o verão fechada em casa, mesmo que isso significasse viver em constante sobressalto. Foi com este espírito que, em família, decidimos fazer uma escapadinha e rumar até Sagres.
Não era a primeira vez, já havíamos passado um ou outro fim de semana fora, mas tê-lo feito em casa de amigos deu-nos toda uma (falsa) sensação de segurança. E das poucas visitas que fizemos a restaurantes, oram estavam vazios ou possuíam generosas esplanadas.
Ao entrar no Hotel Memmo Baleeira, ao abrigo do selo Safe & Clean, fomos recebidos numa receção adaptada aos novos tempos, com menos mesas do que o habitual. Do outro lado da proteção de acrílico e de máscara, o staff esforçou-se por ser acolhedor mantendo a distância recomendada. Nunca sorrir com os olhos teve tanto significado como hoje. A atenção para com as crianças ajudou a atenuar aquele primeiro impacto de entrar num hotel em tempos de pandemia. Afinal, ali estavam depositadas todas as nossas expetativas, no sentido de nos livrarmos de meses de teletrabalho e telescola e de sacudirmos algum medo não essencial que poderíamos de trazido connosco de Lisboa.
Ali estávamos nós para passar uns dias em família, tendo estado em família quatro meses inteiros, um desafio já por si só bastante grande. Nos anos anteriores, estes momentos eram para dedicar a quem nos fugia o ano inteiro, entre escolas, atividades diversas e compromissos profissionais. Mas, para sermos justos, o tempo em confinamento nem sempre foi livre de tensões, pelo que esta era uma excelente oportunidade para sarar eventuais ‘feridas’. E foi com isto em mente que cedi quando, em uníssono, os meus filhos me imploraram para irmos à pizzaria. Eu que tinha imaginado um peixe grelhado ou algo com sabor a mar. Confesso, que não foi indiferente o facto de se tratar do restaurante do hotel – todos sabemos como isso facilita a vida dos pais.
Gostei da Fornaria Restaurant & Lounge mesmo antes de provar a comida, talvez pelo ar descontraído de bar de praia. Para as crianças, uns palitos de mozzarella e pizza; para os pais, uma pizza de entrada (a Fornaria, com bresaola, queijos parmesão e mozzarella, rúcula e azeite de trufa), seguida de uma espetada de peixe e camarão com arroz de tomate. Surpresa! Se esta frase fosse um emoji seria um daqueles das mãozinhas lado a lado a agradecerem a um qualquer deus.
De regresso ao quarto, uma suite com quarto, sala, kitchenette e vista mar, percorro os longos corredores com uma outra leveza, apesar da máscara obrigatória. No dia seguinte começo logo de manhã a agradecer a todos os santinhos, pela vista maravilhosa de mar a perder de vista, mas também pelo raro fenómeno meteorológico por aquelas bandas, pelo menos segundo a minha experiência: não há vento em Sagres. Pequeno almoço reforçado – com muito sumo de laranja do Algarve – para fazer face a todas as atividades previstas. Aqui também se adaptaram à pandemia: é obrigatório marcar hora (nãos se atrase ou acaba por se sujeitar aos horários disponíveis), pão, café, chá e sumos são servidos à mesa e o resto é uma espécie de buffet protegido por acrílico e guardiões da nossa saúde, ou seja membros do staff que servem a pedido.
Só acordo verdadeiramente depois de um mergulho na piscina quase deserta e no meu livro, voltando a agradecer, desta vez por haver um trampolim que entretenha as crianças e dê descanso à mãe. Só interrompo para lembrá-los, de 30 em 30 segundos, do distanciamento e da higienização das mãos.
Um passeio de barco de máscara é uma coisa muito estranha para quem verão e mar é sinónimo de liberdade, mas este é o verão de 2020, não um outro qualquer. Mais do que usá-la, o verdadeiro desafio é fazer com que não nos salte da cara à medida que o barco fura o vento e a ondulação. Por esta altura, já o semirrígido da Mar Ilimitado se afasta a toda a velocidade do porto de abrigo, garantindo 95% de sucesso no que respeita a avistar golfinhos. E meia hora depois lá estavam eles a rodear o barco, literalmente a gozar connosco, passando de um lado para o outro e dificultando a nossa tarefa de imortalizar o momento através de vídeos e fotos. Ficámos por ali mais ou menos meia hora, enquanto a simpática bióloga marinha Mariana partilhava todo o tipo de curiosidades sobre estes animais – como o facto de os golfinhos terem sempre um dos hemisférios do cérebro em alerta quando dormem, para que possam vir à tona respirar. O regresso foi feito junto à costa, sob as imponentes arribas recortadas, fechando com chave de outro as quase duas horas de passeio.
De volta ao porto, não havia muito tempo a perder. Já não faltava muito para a aula de surf das crianças. Foi o tempo de ir buscar as nossas lunch boxes à receção do Memmo Baleeira – uma forma que o hotel arranjou de servir refeições em segurança, acondicionando-as em lancheiras, passíveis de serem transportadas para a praia ou outro qualquer lugar. No nosso caso, optámos por regressar à nossa suite e comer na varanda a olhar para o oceano.
Já no ponto de encontro, junto ao centro de surf do hotel encontrámo-nos com um dos professores da Freeride Memmo Surf School e seguimo-lo até á praia da Cordoama, a norte do Cabo de São Vicente. E já na ‘cabana’ da escola me dizem que aquele é o primeiro dia verdadeiramente de verão. Confirmo, é daqueles dias gloriosos na Costa Vicentina, em que a água de mar gelada é compensada por aquela paisagem selvagem que nos faz voltar sempre a este outro Algarve. Perante o típico mar agitado, temos logo uma baixa – a minha filha decide que não vai entrar na água. A foto é para mais tarde fingirmos que temos uma grande surfista – não será para isso que servem as redes sociais?! Duas horas depois de ver o meu filho entrar e sair de dentro de água, entre exercícios a seco e outros a meter água, mas nunca antes de conseguir pôr-se em pé na prancha, eis que acaba a aula. Despedimo-nos de Zé Lula, um advogado que agora faz deste hobby a sua vida, e não posso deixar de pensar que, se for tão persistente nas alegações finais como foi a colocar o meu filho em pé na prancha, a advocacia é capaz de ter ficado a perder.
O fim de tarde na Cordoama seduz-me, mas, com jantar marcado para as 20h e o mergulho de piscina prometido aos miúdos, trocamos o bar de praia pelo pool bar do Memmo, onde a imperial fresquinha quase me dá para esquecer a Pandemia (não fosse o álcool-gel a pavonear-se à minha frente). Um banho rápido e uma caminhada de 10 minutos até à Mareta e chegamos à hora certa ao restaurante Mar à Vista, onde conseguimos uma mesa na esplanada, garantido a distância de segurança dos outros clientes. Amêijoas, perceves e moreia frita, são alguns dos petiscos que desfilam antes da grande estrela da noite: uma Cataplana de Peixe Fresco do Mar, acompanhada por um branco bem fresquinho (e seco!). O silêncio é sinónimo de satisfação e toma o lugar antes ocupado pelas preces das crianças por um hambúrguer. Recuso, pelo bem deles. Afinal, somos nós, pais, que estamos incumbidos de lhes mostrar o que é realmente bom nesta vida.
No caminho de regresso, pelas ruas de uma Sagres quase deserta – uma ou outra esplanada composta – penso como foi bom não ter cedido às minhas dúvidas. Não havendo risco zero em nada, o meu sorriso é a prova de que é possível ser feliz em tempos de Covid.
É o verão que temos, vamos aproveitá-lo… Com segurança, mas sem medo!