
Namorar com alguém deve ser uma experiência divertida e entusiasmante. Isto se o relacionamento for saudável. Quando o amor, o respeito e o carinho dão lugar ao ciúme, à manipulação e à intimidação, estamos perante uma dinâmica que é tudo, menos divertida.
Quando pensamos em violência doméstica, tendemos a associá-la a cenários em que um indivíduo é física ou verbalmente violento com a cara-metade. Porém, na era da Internet, as novas tecnologias estão a transformar-se rapidamente na arma de eleição de parceiros abusivos.
Perante uma realidade que é mais comum do que se pensa, inclusive em Portugal, Jimmy P lançou o livro “O Digital é Real”, o segundo no qual aborda a temática da violência no namoro. O objetivo é sensibilizar o maior número de pessoas possível para este problema, bem como para o cyberbullying em geral, sendo que o target é o mesmo que mais ouve e segue o artista: o público jovem.
Com o apoio da Associação Portuguesa de Apoio à Vítima (APAV), que fez a revisão técnica do conteúdo e assinou a nota de abertura, o “Digital é Real” é mais do que um livro; é um projeto pedagógico de combate à violência no namoro online. A iniciativa, resultante de uma parceria com a empresa Betweien, contempla várias formas de expressão artística como forma de veicular uma mensagem.
Além das prateleiras das livrarias, a mensagem também será levada a escolas de todo o País, através de ações direcionadas a alunos e alunas do 3.º ciclo do ensino básico e do ensino secundário. Em conversa com a ACTIVA, o músico entrou em detalhes sobre o significado de dar a cara por esta causa.
Este lançamento surge no âmbito de um projeto pedagógico iniciado em 2016. Pode falar-nos um pouco sobre ele?
Recebi esse convite da Betweien e aceitei de imediato. O “Amar-te e Respeitar-te” é um projeto pedagógico de combate à violência no namoro, do qual sou coautor, que visa capacitar e dotar os jovens com ferramentas de diagnóstico e de prevenção de comportamentos agressivos/abusivos nas relações de namoro, dos próprios e/ou dos seus pares. Ao longo destes seis anos, temos percorrido o país de Norte a Sul, sem esquecer as ilhas, e levado esta mensagem e sensibilização com relevante sucesso; tanto que o livro já vai na sua 5a edição.
Quais são as principais diferenças entre os livros “Amar-te e Respeitar-te” e “O Digital é Real”?
São dois projetos independentes, mas que se complementam. O “Amar-te e Respeitar-te” visa decifrar comportamentos abusivos nas relações. Já “O Digital é Real” incide sobre essa violência, mas naquilo que se perpetua nas redes sociais e na Internet em geral.
Porque é que o Jimmy decidiu aliar-se e dar a cara por esta iniciativa?
Aquando da ponte criada entre mim e a Betweien e o desafio que me foi lançado, revi-me logo na causa e no propósito. Depois, a partir do momento em que fui pai, tudo fez ainda mais sentido, obviamente. Acho que é um tipo de ‘serviço público’ que podia e devia ter mais gente com algum alcance a dar a cara por estas causas.
No que consiste o abuso digital em relacionamentos amorosos?
Bem sabemos que aquilo que surge na Internet jamais se apaga; e com a agravante da fácil proliferação que hoje existe. E todos nós somos cúmplices ao fazê-lo. Por isso, todo o tipo de intimidade que, sem a permissão de outrem, é exposta para que toda a gente tenha acesso é um abuso digital que, infelizmente, é cada vez mais frequente nos relacionamentos amorosos.
Quais são os padrões de comportamento que caracterizam a violência perpetrada online?
A fácil chacota, o insulto gratuito. E não custa frisar que somos todos cúmplices se partilharmos e até mesmo se não denunciarmos. As pessoas devem ter presente esse dever moral.
Que outras red flags, por mais subtis que sejam, devem fazer soar alarmes?
Há vários tipos de intimidade que podem ser partilhadas. O que mais choca, obviamente, é quando falamos de, por exemplo, nudez. Mas há outros tipos de alertas que devem ser valorizados. Por exemplo, o facto de alguém partilhar mensagens íntimas ou privadas que foram trocadas com outra pessoa é igualmente condenável.
Em que medida é que o facto de tudo isto acontecer em plataformas digitais permite que a violência escale, muitas vezes, sem darmos por isso?
É a fácil (de forma quase intuitiva às vezes) partilha que as redes nos dão. Como já disse, todos nós somos cúmplices ao fazê-lo. Devemos, inclusive, denunciar e fazer com que esses “vírus” estagnem por ali.
Considera que este tema é desvalorizado em Portugal?
Infelizmente sim. Há um longo caminho a percorrer, não só para com este tema mas outros.
A seu ver, quais são as ideias erradas predominantes que temos, enquanto sociedade, sobre o abuso digital?
As pessoas acharem que todas estas coisas de que temos falado ao longo da entrevista são normais. Como, por exemplo, partilhar este tipo de conteúdos. Normalizar isto é mais do que errado.
Como é que uma vítima — ou alguém que queira fazer uma denúncia — deve proceder?
Existem linhas de apoio para esse efeito e também se pode apresentar queixa — infelizmente, ainda pode não ser muito viável, mas deve ser feito. Estas pessoas podem e devem aconselhar-se junto daqueles que lhes são mais próximos e, em conjunto, denunciar e tornar a sensibilização efetiva.
É possível mantermo-nos seguros na Internet, que tem uma memória infinita?
É possível tentar e utilizar ferramentas para isso. Porém, se alguém quiser, efetivamente, magoar outra pessoa e tornar algo viral é uma luta muito difícil.
A título pessoal, o que é que o Jimmy aprendeu com o envolvimento neste projeto?
Ser coautor deste projeto deu-me ferramentas para poder aconselhar pessoas que estejam nessa situação delicada e sensibilizou-me ainda mais para a causa.
Enquanto pai, adquiriu ferramentas que pretende transmitir às suas filhas quando for a altura certa?
Sim. Acima de tudo, no sentido de haver cuidado ao enviar e partilhar coisas com pessoas que podem não ser confiáveis a esse ponto. E mesmo sendo, acho bom que exista algum filtro e cautela. A melhor defesa é não correr riscos.
Que mensagem gostaria de deixar a alguém que possa estar a passar por uma situação de violência no namoro online?
Procurem ajuda de profissionais creditados para isso, apresentem queixa e denunciem.