As promessas de sustentabilidade por vezes não passam de uma manobra de marketing. Susana Fonseca, da ZERO, responde a algumas questões sobre o chamado greenwashing ou ecobranqueamento.
Qual o impacto do greenwashing na mudança de mentalidades relativamenteao desenvolvimento sustentável?
O greenwashing pode ter um impacto passageiro interessante, que é o de tornar mais visível a mensagem de que há produtos ou serviços que podem ser mais amigos do ambiente do que outros. Portanto, mesmo que enganador, pode colocar o tema ambiental na ordem do dia. Contudo, os impactos negativos são muito mais significativos. Desde logo porque a informação que é passada é falsa e não comprovada. Portanto, trata-se de uma prática ilícita e que tem por fim promover características que não são reais. São falsas alegações com o objetivo de aumentar as vendas ou a credibilidade de uma dada organização. Tem também o efeito pernicioso de erodir a confiança dos cidadãos e até de outras empresas interessadas em melhorar o seu desempenho em rótulos e certificações fidedignas. Dado que a população portuguesa não é especialista na área da certificação ambiental e perante a generalização de alegações ambientais não fundamentadas, é comum os cidadãos sentirem-se perdidos, senão mesmo desconfiados de qualquer alegação, mesmo que comprovada. É mais uma barreira que as empresas que procuram, de forma credível e fundamentada, proporcionar produtos e serviços ambientalmente sustentáveis têm de enfrentar.
Que ‘pregões’ sustentáveis não são normalmente postos em prática?
O greenwashing pode tomar várias formas. Desde as designações genéricas “amigo do ambiente”, “natural”, “reciclável” (mesmo que na maioria das vezes nunca chegue a ser reciclado), até à utilização de símbolos que induzem nos cidadãos a ideia de que, de algum modo, aquele produto tem uma dada característica que na realidade não tem. As próprias cores usadas podem dar a entender que o produto tem um determinado perfil que não corresponde à realidade. Estas são as formas de greenwashing que se referem a produtos ou serviços. Também existem as alegações relativas à responsabilidade ambiental das empresas.
Em que indústria é o fenómeno mais frequente?
É difícil dizer, mas as empresas que produzem bens de grande consumo acabam por ser mais visíveis. Atualmente, por causa das restrições e de toda a reatividade às embalagens em plástico, nota-se a existência de várias situações de greenwashing, por exemplo, com as alternativas que vão surgindo (compostáveis, biodegradáveis, etc.), com a suposta integração de material reciclado (algum supostamente de recolha de lixo encontrado no mar) ou procurando dar a imagem de reutilizável a produtos que são de uso único. O caso do anúncio, por parte da Coca Cola, de estar a desenvolver uma garrafa em papel é um claro exemplo de greenwashing, pois não é mais do que uma substituição de um material descartável por outro igualmente descartável, que nunca poderá ser apenas papel, o que implica que estaremos a falar de um material composto, cuja potencialidade de ser reciclado de novo em embalagem alimentar é desconhecida. Isto quando a empresa sabe (pois vários estudos o indicam) que a solução mais sustentável seria a aposta na reutilização de embalagens, mas opta antes por anunciar algo que ainda não é uma realidade e cujos impactos ambientais não são conhecidos. Trata-se de uma alegação vaga e, dada a inexistência de dados de contextualização facultados pela própria marca que a apresentou, presumivelmente sem fundamento, cujo propósito é tentar criar a ideia nos consumidores de que a marca está a fazer algo benéfico para o ambiente, mesmo não o sendo.
Como pode o consumidor identificar a prática de greenwashing?
Identificá-lo não é fácil, a não ser que possuam algum conhecimento sobre os processos de fabrico, sobre as práticas da empresa ou mesmo sobre os processos de certificação. Um conselho que poderá ser útil é o de procurar rótulos credíveis, como o rótulo ecológico europeu, o Blue Angel ou o Nordic Swan, para produtos mais diversificados, ou o FSC ou PEFC para a área da floresta sustentável. Nos produtos agrícolas, o rótulo europeu da agricultura biológica também pode ser útil.
Em Portugal, que mecanismos existem para regular e monitorizar a prática de greenwashing?
Do ponto de vista da ZERO, esta é a área onde é importante que seja feito trabalho no sentido de facilitar a vida aos cidadãos. Se houver maior fiscalização por parte das autoridades competentes, penalizando as empresas prevaricadoras, certamente estas pensarão duas vezes antes de fazerem alegações não fundamentadas. Ao mesmo tempo, promove-se uma sã concorrência entre as empresas.
Quais os requisitos mínimos para um produto ser considerado sustentável?
Esta é uma questão difícil de responder, visto que está um pouco dependente do produto ou serviço de que estamos a falar. Contudo, se pensarmos por exemplo nos critérios de obtenção do rótulo ecológico europeu, são integrados na análise critérios relacionados com o consumo de água, energia, consumo de recursos (e a sua origem), uso de substâncias químicas, etc., ao longo das diferentes fases da vida do produto. Estão também a ser trabalhados rótulos que dão indicações sobre a durabilidade dos produtos ou a sua reparabilidade (ou seja, a facilidade com que se pode mudar uma peça, caso necessite de reparação ou atualização), o que é de extrema relevância para áreas como a do equipamento elétrico e eletrónico. Alguns outros rótulos referem-se mais à sustentabilidade da proveniência da matéria-prima (por exemplo na área da floresta).
Artigo originalmente publicado na revista ACTIVA de maio de 2021