Pela calada, ‘A breve vida das flores’ (Valérie Perrin, Presença) tem-se tornado um dos bestsellers do ano também em Portugal, repetindo o sucesso que tem feito por outras paragens. E se isto hoje em dia é dizer muito de um livro, quanto mais um livro que tem como protagonista a guarda de um cemitério numa aldeia francesa.
E perguntam vocês: o que é que pode acontecer de interessante à guarda de um cemitério numa aldeia francesa? Por fora, pouco. Por dentro, tanto que a certa altura ficamos com aquela sensação que temos em todos os bons livros, sejam passados numa aldeia francesa ou num castelo na Escócia, não há mais nada a dizer no mundo, escuso de ler mais livros.
Então, a história. Pronto, estamos outra vez mal porque não há maneira de vos contar a ‘história’ sem vos estragar a experiência com, como dizem os ingleses, ‘spoilers’ (literalmente ‘estragadores’). Se vos disser que é sobre a luta do amor contra a morte, também não angario muitos clientes. Portanto, o que é que vos posso dizer: Violette, 50 anos, um casamento disfuncional pelas costas e uma tragédia a que sobreviveu a muito custo, vive sozinha na sua casa ao pé das campas. Uma madrugada, bate-lhe à porta um homem com um pedido: deixar as cinzas da mãe na campa de um desconhecido.
O livro desdobra-se em passado e presente, entre o que perdemos e o que podemos ainda ganhar, entre o sofrimento e a recuperação, à medida que Violette reconstrói o puzzle da sua tragédia pessoal e percebe que talvez as coisas não se tenham passado como pensa e que tudo tenha sido muito diferente.
Sei que por esta altura estão vocês a pensar ‘olha outro resumo que não conta nada’ mas se lerem o livro vão agradecer-me por não vos ter contado mais. Basta dizer que é um dos livros mais bem escritos que nos tem chegado nos últimos tempos. Até entra uma velha portuguesa, que todos os verões oferece à protagonista mais uma boneca com traje típico (“E existem centenas de trajes típicos em Portugal” alarma-se Violette a certa altura), e que é responsável por uma das boas gargalhadas que damos ao longo do livro (não passamos o tempo todo a chorar, embora às vezes nos apeteça muito).
Boas notícias: é um livro redentor, no sentido em que, por muito que se tenha sofrido, e por muito que nada possa apagar a marca do sofrimento na nossa vida, nunca é tarde para ser feliz. E isso, nos tempos que correm, é redenção suficiente.
Picuinhice: quem traduziu o título do francês ‘Changer l’eau des fleurs’ podia pelo menos, se o original era pouco sugestivo, ter evitado a dupla cacofonia ‘ve-vi’ (breve-vida) ‘da-das’ (vida das), que soa tão tão mal. Porque não ‘A vida breve das flores’? Mas enfim. São picuinhices de leitora, mas quando se tem em mãos um livro tão poético não custava ser mais sensível a estas coisas. Agora vão ler e depois digam qualquer coisa.
‘A Breve vida das flores’ – Valérie Perrin, Ed. Presença, E19,90