
“As pessoas boazinhas nada me dizem, os certinhos aborrecem-me” – é o que diz Isabela Figueiredo à Activa de Março (fiquem já a saber). Diz muitas outras coisas que poderão ler na próxima edição. Aqui, por enquanto, ficamos com o seu último livro, ‘Um cão no meio do caminho’ (Ed. Caminho, E16,90).
Portugal descobriu Isabela Figueiredo em ‘A Gorda’, em 2016, onde a protagonista, Maria Luísa, conta a procura de uma vida que valha a pena viver. Cruel, honesto e poético – uma mistura explosiva – o livro tornou-se um bestseller no país onde os bestsellers costumam ser muito diferentes. Seguiu-se o ‘Caderno de memórias coloniais’, onde trabalha as suas próprias recordações (nasceu em Moçambique em 1963 e voltou a Portugal durante os anos 70, durante a descolonização).
‘Um cão no meio do caminho’ junta duas personagens num mundo que é um enorme museu de perdidos e achados : José apanha o que outros deitam fora, Beatriz, ‘a Matadora’, não deita nada fora. O encontro de duas fragilidades – mas também das suas muitas forças – forma uma relação que aos poucos os salva. José interessa-se pela sua vizinha. Cura-lhe a gripe, ouve-a, ajuda-a a lidar com os seus traumas. Beatriz vai-se abrindo aos poucos. Pelo caminho se conta a história de um e de outro, das suas lutas, dos seus desgostos, da sua solidão. ‘Todos temos uma história’, é uma das frase-chave. Todos ‘precisamos de alguém com quem falar. Não interessa de quê. Precisamos de uma voz humana’.
Pelo meio – pronto, no meio do – caminho – ainda existem os cães, com nomes de salvador como Cristo ou Redentor, e o seu amor calmo – tal como o amor eterno das avós – pode acabar por prevalecer mesmo no solitário mundo dos humanos.
No fim do livro (não podemos dar spoilers!) José e Beatriz acabam por fazer as pazes com o seu passado – e portanto com o seu presente.
Talvez não seja o livro mais convencionalmente romântico para vos apresentar na semana dos namorados e dos coraçõezinhos, mas é de certeza uma das histórias mais comoventes e mais reais da literatura portuguesa.
Ah: resta-me agradecer ao meu amigo Paulinho, que embora me tenha ignorado olimpicamente porque estava à espera da dona, contribuiu para a fotografia que aqui vos apresento.
‘Um cão no meio do caminho’, Isabela Figueiredo, (Ed. Caminho, E16,90)