Algures perdido no mar vive um terrível monstro que devora livros. ‘O Anibaleitor’, de Rui Zink, é a história da amizade entre um jovem rebelde que embarca num navio de piratas e o terrível monstro.
Claro que isto é a ‘história’ que alguém que não tenha lido nada ou muito pouco na vida vai ler. Quem já tenha lido qualquer coisa leva na cabeça com uma catadupa de memórias, imagens, e recordações de livros que leu, mesmo aqueles que não estão explicitamente citados. Lembramo-nos das ‘Peregrinações’, das ilhas dos tesouros, dos Adamastores de que a cultura portuguesa é feita, mas também de filmes, figuras e mitos universais.
E o engraçado neste livro é a quantidade de níveis a que pode ser lido, do literal ao metafórico, do mítico ao cómico. Podemos lê-lo como a história da amizade entre um rapaz e um monstro, podemos lê-lo como a história de como o seu autor se apaixonou pelos livros, podemos lê-lo como uma espécie de ‘Teoria da Literatura para menores de 15’, podemos lê-lo como uma partilha de autores preferidos, podemos lê-lo de muitíssimas formas. Enfim, vão-me dizer que todos os livros podem ser lidos assim, e têm razão, mas este foi, adivinho eu, um livro pensado para essa multiplicação de leituras.
Claro que, sendo Rui Zink quem é, não podiam faltar as tiradas irónicas, tipo: ‘Já não devem ser um país de marinheiros, pois não?/ Fomos. Agora acho que somos um país de empreendedores.’
Não sei se fará muito para espalhar a Boa Nova e converter os incréus às delícias da leitura, porque geralmente os incréus não gostam muito que se lhes atire as suas menos-valias à cara. De qualquer maneira, ‘o Anibaleitor’ não é feito para ‘converter’ ninguém ao prazer de ler mas para aguçar o apetite a quem ainda não passou pela caça à baleia (digamos assim). ‘Ler é fazer as coisas acontecerem na tua cabeça! Não é ficar feito ruminante a olhar para uma parede falante!’, diz o monstro a certa altura. E é bastante mais divertido do que a grande maioria dos livros que os miúdos são obrigados a ler.
Para quem já gosta de ler, o Anibaleitor é uma delícia: não há nada melhor que ir andando pelas páginas e encontrando velhos amigos como Pessoa, Bocage, Camões, Saramago ou os GNR.
E se gostar de ler é ser atualmente uma espécie de monstro perseguido (lá está, outra metáfora) então Rui Zink convoca todos os monstros deste país para uma espécie de mesa-redonda lá nessa ilha distante onde há só ‘ossos e livros, livros e ossos’. E todos seremos monstros como ele.
‘O Anibaleitor’ – Rui Zink – Porto Editora, E11,97