A ideia de ‘Desista: vai ficar tudo péssimo’ é simples: esqueça todos os bons conselhos que recebeu, o desenvolvimento espiritual, as dietas de abacaxi com limão, o espírito empreendedor, as boas energias. Henrique Costa Santos (curiosamente, irmão de uma ativista, Adriana Costa Santos) assume-se como ‘desativista’. Esqueçam lá o que nos prometeram na pandemia e o que nos continuam a prometer todos os dias nos Instagrams da vida: não, não vai ficar tudo bem. Vai ficar tudo péssimo.
Este é um guia de auto-desajuda. O princípio resume tudo: “O mundo encheu-se de pessoas empenhadas em obrigar-nos a sermos felizes… Desista. A chave para o seu futuro está em libertar-se das amarras de desenvolvimento pessoal.”
O nosso anti-guru não podia ser mais claro, por isso vou citá-lo a ele, poupa-me trabalho e sempre é mais divertido: “Do jejum intermitente ao mindfulness, do chá alcalino aos rituais de cacau, da cristaloterapia aos ‘10 passo para ganhar dinheiro’, o discurso dos gurus espirituais está sempre a tentar convencer-nos de que a nosssa vida tem de ser melhorada. Não tem. Não temos de comer melhor, de dormir mais horas, de encontrar o amor, de investir num negócio milionário. Não temos. Não temos de experimentar reiki, nem de acordar às cinco da manhã para fazer um smoothie.”
E o mote está dado para o resto do livro. O mais divertido é que, à pala desta ‘auto-desajuda’, Henrique Costa Santos acaba por tirar o retrato ao Portugal e aos portugueses de agora.
Quer se queira quer não, estamos todos aqui, com as nossas manias, as nossas vaidades, as nossas lutas, as nossas angústias, as nossas fraquezas, os nossos fracassos. Nós somos estes que aqui estamos, da Catarina Robalo ao Santo Graahl, nós que seguimos gurus de pacotilha, que embarcamos em sonhos que nunca havemos de seguir (e vivemos deprimidos para todo o sempre por causa disso), que achamos que temos de “acordar de madrugada para nadar 10 km contra a corrente do rio Zêzere e voltar a casa a tempo de cozer meio brócolo”, nós que seguimos tutoriais de tudo no Youtube até para fazer a mala de férias, que não conseguimos citar três exemplos de Direitos Humanos fundamentais mas que conseguimos citar três alimentos ricos em hidratos de carbono, nós que já todos falhámos espetacularmente um jejum intermitente (ou pensámos nisso), que temos um cônjuge que insiste em desenterrar histórias passadas na esperança que uma ‘comunicação mais aberta’melhore a relação, que temos um tio que deixou de falar porque não vale a pena, e por aí fora.
Claro que há muito tempo que não me ria tanto. Como acontece com todos os bons satiristas, fazendo-nos crer que estamos a rir dos outros, Henrique faz-nos rir de nós próprios. Pode mesmo estar a ficar tudo péssimo, podemos mesmo reconhecer-nos neste povo de seguidos e seguidores, mas saímos daqui estranhamente reconfortados. Afinal, podemos não ser livres de voar, como na cantiga da gaivota (piadola para cotas) mas somos livres de não fazer dieta, somos livres de não amarmos o nosso próximo como a nós mesmos, somos livres de comer pizza ao pequeno almoço em vez de batidos de banana com chia e sementes de linhaça, somos livres e pronto(s).
Enfim, dirão vocês, depois deste arranzoado todo, não deixa de ser um livro de auto-ajuda, à sua maneira. E é verdade. Mas pelo menos ninguém nos manda sermos a melhor versão de nós próprios.
E agora deem-me licença que tenho de ir ali fazer o meu batido de kiwi com sementes de soja (biológica). Já que vai ficar tudo péssimo, ao menos que se morra magra.
‘Desista: vai ficar tudo péssimo’ – Henrique Costa Santos, Oficina do Livro, E13,90