
Quase com toda a certeza, vocês não sabem quem foi Leonor de Almeida. Não, não é a Marquesa de Alorna. Quer dizer, é, mas aqui não é essa.
Esta é uma história de mulheres, que começa na realizadora e escritora Cláudia Clemente. A primeira frase diz tudo: “Num dado momento da minha vida, procurar a Leonor foi a única barreira possível entre mim e a loucura.”
Tudo começou com um quadro que Cláudia herdou. Depois de a mãe morrer, às voltas com o tormento da insónia, da depressão e da incapacidade para criar, o quadro do esgrimista tornou-se a sua mais íntima companhia pela noite dentro. Cláudia lembrou-se então que o ‘esgrimista’ tinha sido vendido à família pela esteticista da avó. A senhora, além de esteticista, parece que também era poeta.
Na altura, quando a mãe lhe falara em Leonor de Almeida, Cláudia Clemente não ligou. Agora, decidiu seguir-lhe o rasto. Quem seria a misteriosa ‘esteticista também poeta também dona de arte surrealista’ que por momentos cruzara a vida da sua avó?
E pronto – tenho a dizer-vos que este é um dos livros mais improvavelmente interessantes que li nos últimos tempos. E digo improvável porque o título não ajuda, nunca ouvi falar desta Leonor de Almeida, e sou uma alma bastante preconceituosa, que começou a ler já a pensar ‘isto vai ser uma seca’. Resultado: depois da primeira página fui disparada por ali fora até ao fim (não vos digo como é que acaba) e tenho a dizer-vos que nem jantei (Cláudia Clemente, se está a ler estas linhas deve-me um jantar. Pode mandar entregar em casa. Obrigada).
O livro saiu há pouco tempo mas teve uma receção quase nula (que eu tenha dado por isso) provavelmente porque a maioria das pessoas é tão preconceituosa como eu. Mas o que acontece depois da primeira página é uma busca de uma mulher já morta por outra mulher. E o enredo transforma-se quase num filme de ação, em que a persistência da ‘detetive’, alguns golpes de sorte e um enorme sentido de ritmo conseguem transformar a procura de uma poetisa desconhecida num carrossel de emoções.
Percebemos que a descoberta de Leonor foi a salvação de Cláudia, à medida que o encontro de duas escritoras através dos tempos se transforma numa comovente entreajuda feminina: Leonor é retirada dos escombros do passado (desculpem lá, está-me a dar para o drama), Cláudia é retirada dos escombros do presente. E o leitor segue a busca com igual prazer. Sentimo-nos como naqueles filmes em que o herói entra num táxi e grita ao taxista “Siga aquele carro!” e o taxista obedece sempre e sem nunca achar isto minimamente estranho.
E é isto. Vão lá ler. Como é pouco provável que o encontrem à venda em livrarias, procurem na net. Depois agradeçam-me por vos ter chamado a atenção para um livro que nunca teriam descoberto. De nada.