
Alguém falou sobre nós… há milhares de anos. Esta é a premissa de ‘Alguém falou sobre nós’ onde a investigadora Irene Vallejo (autora do maravilhoso ‘O infinito num junco’ sobre a história do livro) reune crónicas publicadas no jornal ‘Heraldo de Aragón’. E na verdade, não somos tão originais nem tão inéditos como pensamos.
Numa altura em que vivemos experiências e acontecimentos por vezes tão contraditórios, é bom recuarmos muitos anos e verificarmos que, se calhar, as nossas angústias não são assim tão novas. Pois, Platão não tinha Internet, Sócates não ensinava por zoom, Ésquilo não mandava SMSs. Mas partilhavam connosco mais do que pensamos.
Os nossos políticos parecem-nos estranhos: mas já César e Marco António diziam as mesmas coisas. O nosso mundo defende a palavra ‘zen’ e a meditação como defesa contra a pressa em que vivemos mas já na Antiguidade se aconselhava a procurara felicidade na quietude. Amamos a brevidade da escrita (SMS, ex-twit, whatsapp) mas os aforismos nasceram ainda antes da própria escrita. Amar é desejar e o amor começa sempre por alguém que não se tem. Platão escreveu que Eros, o deus do amor, era filho da Pobreza e do Engenho (a história é mais comprida, mas vão lá ler).
Já na Antiguidade clássica os filósofos falavam de temas como o exibicionismo, a inveja, a felicidade, o amor, a austeridade, o ódio, a educação. Diferença: para eles, como afirma Irene, “os sábios eram a seiva da sociedade”.
Outra diferença:os ‘antigos’ idolatravam o passado que viam como uma idade de ouro depois corrompida e desaparecida. A partir do Iluminismo, a ideia de progresso levou-nos a sonhar com um mundo sempre em mudança para melhor. Agora perdemos um pouco dessa esperança mas ainda mantemos o sonho. Vivemos esse claro-escuro da esperança, em que nos assustam com dadoscatastróficos mas ao mesmo tempo nos pedem que os ignoremos. Irene vai buscar o exemplo de Ésquilo, o fundador da tragédia grega. “Ésquilo acreditava que, apesar de tantas tentativas falhadas, é possível reconciliar autoridade e compreensão, poder e liberdade, e é por isso que as suas tragédias são tão abertas ao otimismo”.
Neste Natal de um ano particularmente difícil, poderemos nós também, nas nossas tragédias particulares, permanecer abertos à esperança? Deixo-vos com o fim de um capítulo: “Nós também precisamos de alguma forma lúdica de sermos otimistas. É o único luxo que nos podemos permitir. O pessimismo trágico vai ter de esperar por dias melhores.”
‘Alguém falou sobre nós’ – Irene Vallejo, Bertrand, E13,28