Aviso: este ‘Amêndoas’, da sul-coreana Won-Pyung Sohn, é um livro muito diferente da maioria dos livros em que o protagonista é um adolescente, quase uma criança. Aliás, é um livro muito diferente de quase todos os outros livros. O título simboliza tudo: as ‘amêndoas’ são as amígdalas, grupos de neurónios cerebrais em forma de amêndoa que regulam o nosso sistema emocional, processando memórias e emoções.
Na maioria de nós, este sistema funciona normalmente. Mas existe uma disfunção chamada ‘alexitimia’ que significa a incapacidade de identificar e expressar sentimentos.
É esta falha nas ‘amêndoas’ que regula (ou desregula) toda a vida de Yunjae, de 16 anos. Ele não sabe o que é tristeza, medo, raiva ou desejo. Escusado será dizer que não tem amigos, e o seu mundo é composto pela mãe e pela avó, que o ‘treinam’ para conseguir funcionar – mais ou menos – em sociedade.
Até que estas duas pessoas desaparecem e Yunjae fica completamente sozinho. Enfim, não completamente: na sua vida aparece Gon, um colega de escola traumatizado, problemático e violento. Pergunta 1 – como vai Yunjae conseguir processar a tragédia familiar? Pergunta 2 – Como vai conseguir estabelecer pontes com os outros? Pergunta 3 – Como vai reagir à aproximação de alguém que entra em rota de colisão mas que também o empurra do mundo onde vive trancado?
O drama de Yunjae faz-nos pensar sobre muitos temas. É uma reflexão sobre a cultura coreana (mas também, cada vez mais, a nossa) em que todas as crianças têm de ser perfeitas e corresponder aos sonhos dos pais. É um ensaio sobre emoções: para que servem, como as usamos, como podemos viver sem elas. E é uma história de amizade entre dois rapazes totalmente opostos – a ausência de emoções e o excesso de emoções, a paz anormal e a violência anormal – mas unidos na sua ‘estranheza’ e na forma como são incompreendidos pelo resto da sociedade.
Curiosamente, o livro é doloroso de ler, porque se Yunjae não consegue sentir, nós leitores sentimos tudo por ele (a cena da borboleta não é para todos os estômagos).
Há quem diga que o final é irrealista, que é demasiado adocidado, que é ‘à Disney’ e que uma história destas nunca teria aquele fim. Se calhar é verdade, mas ficção é ficção: o autor, nesta caso a autora, pode escolher o destino que lhe apetecer para a sua personagem.
Um livro muito diferente, muito intenso, muito atual (agora que se fala tanto de emoções), que nos faz pôr em causa muitas das nossas ideias feitas.
‘Amêndoas’ – Won-Pyung Sohn, Ed. Presença, E14,31